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aula 07 malandragem grande conversa espanhola lazarilho

Lazarilho de Tormes, uma introdução

O romance anônimo Lazarilho de Tormes foi publicado em meados do século XVI e fez tanto sucesso que criou um novo gênero literário: a literatura picaresca, onde um narrador em primeira pessoa, sempre das classes mais baixas e em chave humorística, conta a história de sua luta para sobreviver.

Mais importante, o personagem Lazarilho é talvez um dos primeiros narradores não confiáveis da literatura: na contradição paradoxal e inédita entre o ponto de vista do narrador e do leitor, somos chamadas pela primeira vez a nos inserir criticamente no enredo, a julgar o narrador contra si mesmo, a definir por conta próprio o sentido daquilo que lemos. Já estamos na véspera do romance contemporâneo.

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aula 06 renascimento garcilaso de la vega grande conversa espanhola

Poesia renascentista espanhola, uma introdução

No começo do século XVI, um aristocrata espanhol volta da guerra na Itália, começa a fazer poesias nas métricas italianas de Petrarca e muda a literatura espanhola para sempre.

Garcilaso de la Vega traz uma nova sensibilidade, musicalidade, temática, à poesia lírica espanhola, abandonando tudo aquilo que marcava a poesia espanhola medieval, seja o didatismo e a ênfase religiosa, quanto a musicalidade fácil das rimas tradicionais do romanceiro, e se abrindo a novos cenários e novos temas, mais pastorais, mais bucólicos, mais idealizados. Sua poesia é considerada o marco da Renascença na Espanha.

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aula 05 conquista grande conversa espanhola paraiso destruido

A conquista das Américas e a lenda negra espanhola

A descoberta da América é certamente um dos eventos mais importantes da aventura humana. (Infelizmente, não sabemos nem mesmo quando aconteceu: provavelmente 15 mil anos atrás, mas há controvérsias.)

Já a chegada das primeiras pessoas europeias poderia até ter sido importante, mas os acampamentos vikings no Canadá deixaram poucas consequências históricas.

Para bem ou para mal, a conquista do Novo Mundo pelos espanhois, exatamente em sua época de maior poderio militar e de apogeu cultural, é o evento que vira o mundo de cabeça para baixo.

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aula 01 épica grande conversa espanhola poema do meu cid romanceiro

Romanceiro do Cid, em português

Das muitas obras literárias estreladas pelo heroi medieval El Cid, as poesias de cordel talvez seja as mais tradicionais e as mais belas.

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aula 01 italiano dante grande conversa fundadora

Qual tradução de Dante ler?

Quando vocês me perguntam “qual tradução de Dante ler?” talvez não se deem conta de o quão difícil é essa pergunta e de o quão pessoal é essa resposta.

Tudo depende de quais são nossas prioridades, do que estamos buscando na obra.

Ou seja, depende, basicamente, de você.

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aula 04 subversão celestina grande conversa espanhola

Celestina, de Fernando Rojas, uma introdução

Um mocinho vê uma mocinha em um jardim e se apaixona à primeira vista. Querendo se aproximar, contrata, por intermédio de seu criado, uma velha casamenteira.

Com uma sinopse que poderia ser a de uma novela sentimental como Cárcere do Amor, a Celestina rapidamente se transforma uma tragédia irredimível, terrível, inesquecível. Nada é o que parece, nenhum personagem é virtuoso, a subversão dos cânones sentimentais é total: os nobres apaixonados pensam apenas em seus próprios prazeres, os pobres se esfaqueiam para ver quem enganará os nobres e os burgueses só querem saber de amealhar mais riquezas.

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aula 02 cordel grande conversa espanhola romanceiro

O conde Yanno e o Conde Alarcos, dois cordéis ibéricos

O romance/cordel do Conde Yanno (em Portugal) ou Conde Alarcos (na Espanha) é dos mais famosos da península ibérica. Abaixo, duas versões, em português e espanhol. Vale a pena ler as duas: não são traduções strito sensu, mas a mesma história contada de duas formas diferentes.

(Esse “romanceiro velho”, ancestral de nossa literatura de cordel, será nossa leitura na segunda aula, Cordel, do curso Grande Conversa Espanhola: do El Cid ao Dom Quixote, a invenção da literatura moderna. O curso está saindo com desconto só até 6mar. Compre aqui.)

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amadis de gaula aula 03 cavalaria grande conversa espanhola

Amadís de Gaula, uma introdução

O personagem Amadís de Gaula é o cavaleiro perfeito e paradigmático, vivendo aventuras completamente artificiais em um mundo totalmente fantástico. Ele é como uma purificação, o mínimo denominador comum do romance de cavalaria arturiano, agora sem a traição de Lancelot, sem o misticismo da busca pelo Graal, sem as loucuras amorosas de Tristão, sem qualquer defeito ou mácula.

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aula 02 cordel coplas pela morte de meu pai grande conversa espanhola

Coplas pela morte de meu pai, de Jorge Manrique, uma introdução

As coplas pela morte de meu pai, compostas por Jorge Manrique em 1476, além de belíssimas, servem como epitáfio e elegia de todo um mundo de valores medievais aristocráticos que morria no final do século XV, na passagem de um sistema feudal de nobreza forte para um sistema pré-capitalista de monarquia autoritária.

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aula 02 cordel grande conversa espanhola romanceiro

Romanceiro velho, introdução

A nossa “literatura de cordel” tem origens na poesia de romanceiro da Península Ibérica, tanto na Espanha quanto em Portugal. Esse “Romanceiro velho” será nossa leitura na segunda aula do curso Grande Conversa Espanhola: do El Cid ao Dom Quixote, a invenção da literatura moderna. (O curso está saindo com desconto só na primeira semana de vendas, até 23fev. Compre aqui.)

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aula 01 épica grande conversa espanhola poema do meu cid

Qual Poema do meu Cid ler?

O Poema do meu Cid talvez seja a primeira obra-prima das línguas românicas. Quando foi composto, Dante ainda não era nascido e só começavam a surgir as primeiras canções provençais, no sul da França, seguidas pelas cantigas galego-portuguesas, no noroeste da Península Ibérica. Por tudo isso, o Poema está em um castelhano antigo, diferente daquele que é falado hoje, mas ainda compreensível.

(Para pessoas fluentes em espanhol contemporâneo, é um como ler Grande Sertão: Veredas para nós: é a mesma língua, mas em outro registro. Demora um pouco pra se acostumar mas, quem insiste, pega no tranco.)

O Poema do Cid é, antes de mais nada, uma belíssima obra de arte que pode e deve ser apreciada por qualquer pessoa. (O que a gente estuda é matéria pra escola: literatura a gente curte.)

Para nós, brasileiras, a primeira questão é: como ler? Não existe tradução brasileira em verso, o que é triste. Eu estou tentando escrever uma. Aqui vai, abaixo, uma primeira tentativa de tradução das quatro primeiras estrofes, rascunhada ainda, só para dar uma ideia da força do poema:

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aula 01 épica grande conversa espanhola poema do meu cid

Poema do meu Cid, introdução

Poema do meu Cid, no século XIII, é a primeira grande obra-prima espanhola, talvez a primeira verdadeira obra-prima literária em qualquer língua românica (ainda faltavam cem anos para A Divina Comédia) e um exemplo do melhor que a poesia medieval tinha a oferecer. É a canção medieval perfeita, protagonizada pelo cavaleiro paradigmático, bem-sucedido e em total sintonia com seu mundo.

Será nossa leitura na primeira aula do curso Grande Conversa Espanhola: do El Cid ao Dom Quixote, a invenção da literatura moderna.

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clarice lispector grande sertão veredas ilíada

Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa

O Brasil acrescentou alguns poucos grandes textos à literatura mundial: além dos contos de Machado, também A hora da estrela e, especialmente, Água viva, de Clarice Lispector, e, na não-ficção, Pedagogia do oprimido, de Paulo Freire, Casa grande & senzala, de Gilberto Freyre, Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, Os sertões, de Euclides da Cunha, Cemitério dos vivos, de Lima Barreto. Todos esses são, em alguma medida, indispensáveis para mim. Cada um, a sua maneira, com seus limites e suas grandezas, é uma obra-prima.

Mas se eu, hoje, tivesse que escolher um, seria Grande Sertão: Veredas.

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aula 02: escravistas & escravizados grande conversa brasileira

A Ausência do “Escravo” da Lei Brasileira

Como definir a condição legal da “pessoa escravizada” em um país que tem vergonha de nomear o regime escravista em sua própria Constituição?

Se não existia definição legal de “escravo”, então também não existia essência de “escravo”: “ser escravo” não era uma teoria, era uma prática.

Se “escravo” era quem agia como “escravo”, então, consequentemente, “escravo” era quem era escravizado, quem se deixava escravizar.

(Mas e quem não deixava?)

Na falta de uma definição oficial de “escravo”, de que outra maneira saberia-se quem era “escravo” a não ser por “agir como escravo”?

(Mas e quem não agia?)

De tantos dramas humanos (e sociais, políticos, econômicos, jurídicos, etc) causados pela escravidão em nosso país, a Ação de Liberdade movida em 1882 pelas 80 pessoas escravizadas do finado Major Francisco Alves Moreira, de Caçapava, São Paulo, talvez seja a mais interessante, paradoxal, reveladora.

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aula 02: escravistas & escravizados grande conversa brasileira úrsula

Úrsula, de Maria Firmina dos Reis

Qualquer obra de arte só pode ser criada e lida dentro de um contexto cultural específico. Quando os contextos mudam, as obras precisam mudar também. Escreveu Jorge Luis Borges:

“Uma literatura distingue-se de outra, ulterior ou anterior, menos pelo texto do que pela maneira de ser lida: se me fosse permitido ler qualquer página atual — esta, por exemplo — como será lida no ano 2000, eu conheceria a literatura do ano 2000.”

Úrsula, para fazermos sentido de sua importância, precisa ser lida contra o pano de fundo de dois momentos culturais: o romantismo gótico literário e a literatura fundacional brasileira. Contra o primeiro pano de fundo, esse romance é o mais convencional possível, tão convencional ao ponto de ser digno de nota em sua representatividade mimética. Contra o segundo, é revolucionário e subversivo.

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aula 02: escravistas & escravizados grande conversa brasileira raça

A ausência da escravidão na literatura brasileira

Existe uma gigantesca lacuna na literatura oitocentista brasileira, uma ausência tão grande e tão inesperada que chama atenção: apesar de termos sido a maior economia escravista de todos os tempos, os dramas humanos inerentes à escravidão simplesmente não aparecem na literatura do período.

Foram sim escritas muitas obras, poemas e peças, contos e romances, que encararam de frente os horrores e dramas, os dilemas e os paradoxos de uma monarquia ocidental escravista em pleno século XIX, mas, tanto antes quanto depois da Abolição, essas obras foram sistematicamente desvalorizadas, esquecidas, descanonizadas.

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aula 02: escravistas & escravizados aula 04: burguesas & agregadas grande conversa brasileira machado de assis raça

A escravidão, esquecida: Mariana, de Machado de Assis

A escravizada Mariana, protagonista do conto homônimo de Machado de Assis, criada no auge da campanha abolicionista, prontamente esquecida por seu criador e somente recuperada em meados do século XX, poderia formar um paralelo revelador com a própria escravidão, tema de debates polêmicos em sua época, prontamente esquecida por seus defensores e opositores assim que abolida e somente recuperada em sua importância histórica no século seguinte.

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aula 02: escravistas & escravizados grande conversa brasileira joaquim nabuco raça

Joaquim Nabuco em Massangana: um abolicionista nostálgico pela escravidão

Ao longo de todo o século XIX, a escravidão foi a grande vergonha nacional. Assim que é abolida, não há nada que nossa elite quer mais do que esquecer que ela jamais existiu. Entre a Abolição (1888) e o lançamento de Casa Grande & Senzala (1933), a escravidão praticamente desaparece da Grande Conversa Brasileira. Ninguém simboliza, representa, encarna esse processo melhor do que Joaquim Nabuco: ele foi, ao mesmo tempo, o maior inimigo da escravidão brasileira e, também, o primeiro a esquecer que ela jamais existiu.

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aula 02: escravistas & escravizados casa-grande & senzala grande conversa brasileira

Gilberto Freyre, historiador

Gilberto Freyre não era e não se considerava historiador, mas usava uma abordagem histórica para explicar problemáticas sociológicas. Ele estuda seu objeto de dentro, colocando-se ele mesmo como parte do objeto de análise: ele se faz personagem de seu próprio livro (Benzaquen). Enquanto historiador, ele realiza uma transposição, uma transferência de si mesmo ao passado brasileiro, para revivê-lo empaticamente, usando um estilo sugerido, instintivo, incompleto, etc, que o impede de ser definitivamente rotulado.

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aula 02: escravistas & escravizados castro alves grande conversa brasileira

Castro Alves

Para muitas gerações de brasileiros, Castro Alves é o “poeta dos escravos”. Seu poema “O Navio-Negreiro” é um dos mais citados e antologizados de nossa literatura. Na tradição literária brasileira, praticamente livre de pessoas protagonistas negras, onde as pessoas escravizadas são em geral retratadas somente em papéis coadjuvantes e chapados, sem profundidade e sem humanidade, Castro Alves apresenta-se como uma conspícua exceção. Apesar de alguns excessos juvenis (tinha apenas vinte e quatro anos ao morrer), o poeta consegue unir o lírico ao social e cria uma poesia ao mesmo tempo romântica e politicamente contundente: pela primeira vez no Brasil, as pessoas escravizadas são vistas como indivíduos, com problemas existenciais e vidas privadas intensas, capazes de amar e de odiar, de perdoar e de se vingar.

Castro Alves entrou muito cedo no cânone literário e nunca deixou de ser polêmico. Algumas críticas literárias o acusam de só lutar contra a escravidão quando ela já estava quase derrotada, um poeta reacionário canonizado justamente por saber o ponto exato até onde poderia ir antes de ofender as sensibilidades burguesas de suas pessoas leitoras escravocratas. Outras, o celebram por ser abolicionista antes que o abolicionismo virasse moda, quando ainda não era uma posição política conveniente para jovens responsáveis. Algumas, o elogiam por mostrar, pela primeira vez na literatura brasileira, a humanidade da pessoa escravizada; outras, o censuram por nunca adotar a perspectiva negra e escrever sempre do ponto de vista do homem branco, relegando a pessoa negra a uma eterna posição de alteridade.

No texto abaixo, apresentaremos a vida e obra do poeta, destacaremos os aspectos mais transgressores (e também os mais conservadores) de sua poesia abolicionista, situaremos sua obra dentro do contexto da luta internacional pela abolição da escravatura, chamaremos a atenção para a oralidade de sua poesia e faremos um breve resumo das controvérsias em torno de seu status canônico.