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aula 01: indianistas & inconfidentes grande conversa brasileira tomas antonio gonzaga

Marília de Dirceu, de Tomás Antonio Gonzaga

Marília de Dirceu, de Tomás Antonio Gonzaga, publicado em 1792, provavelmente é o segundo livro de poesia mais lido, mais vendido, mais querido da língua portuguesa, perdendo apenas para Os Lusíadas. (Muita gente repete essa afirmação, sem referências nem provas, mas a verdade é: quem mais seria? Nenhum outro livro chega nem perto.)

Obra fundadora da literatura brasileira, primeira a ser escrita aqui, por nós, para nós, dentro do nosso sistema literário local, também foi a primeira a ser traduzida para várias línguas (o próprio Puchkin traduziu um trecho para o russo) e é a única a ter uma cidade batizada em sua homenagem: Marília, em São Paulo. Até hoje, continua lida, popular, importante: é leitura obrigatória da FUVEST para 2024, 2025 e 2026.

Na aula em vídeo acima, de três horas de duração, eu apresento:

1. o contexto cultural do poema, ou seja, a crise européia do século XVIII, onde movimentos como Iluminismo, Arcadismo, Rococó e Neoclassicismo fazem frente ao Barroco e acabam abrindo caminho ao Romantismo;

2. a importância de Marília de Dirceu como obra fundadora da literatura brasileira;

3. uma leitura do poema, enfatizando as múltiplas identidades do autor/narrador Gonzaga/Dirceu.

Todo mês, na segunda quarta-feira, dou uma aula de literatura ou de História para as pessoas mecenas do meu Apoia-se. Essa foi a aula de janeiro de 2023. As aulas são exclusivas para apoiadoras mas, como serviço de utilidade pública às estudantes tentando passar no Vestibular, está publicada de forma aberta e gratuita. Se você gostou, se foi útil, por favor, considere fazer uma contribuição em dinheiro: é disso que eu vivo e você estará me ajudando a dar outras aulas para outras pessoas.

Pix: eu@alexcastro.com.br

Apoia-se: apoia.se/alexcastro

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Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa

O Brasil acrescentou alguns poucos grandes textos à literatura mundial: além dos contos de Machado, também A hora da estrela e, especialmente, Água viva, de Clarice Lispector, e, na não-ficção, Pedagogia do oprimido, de Paulo Freire, Casa grande & senzala, de Gilberto Freyre, Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, Os sertões, de Euclides da Cunha, Cemitério dos vivos, de Lima Barreto. Todos esses são, em alguma medida, indispensáveis para mim. Cada um, a sua maneira, com seus limites e suas grandezas, é uma obra-prima.

Mas se eu, hoje, tivesse que escolher um, seria Grande Sertão: Veredas.

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aula 02: escravistas & escravizados grande conversa brasileira

A Ausência do “Escravo” da Lei Brasileira

Como definir a condição legal da “pessoa escravizada” em um país que tem vergonha de nomear o regime escravista em sua própria Constituição?

Se não existia definição legal de “escravo”, então também não existia essência de “escravo”: “ser escravo” não era uma teoria, era uma prática.

Se “escravo” era quem agia como “escravo”, então, consequentemente, “escravo” era quem era escravizado, quem se deixava escravizar.

(Mas e quem não deixava?)

Na falta de uma definição oficial de “escravo”, de que outra maneira saberia-se quem era “escravo” a não ser por “agir como escravo”?

(Mas e quem não agia?)

De tantos dramas humanos (e sociais, políticos, econômicos, jurídicos, etc) causados pela escravidão em nosso país, a Ação de Liberdade movida em 1882 pelas 80 pessoas escravizadas do finado Major Francisco Alves Moreira, de Caçapava, São Paulo, talvez seja a mais interessante, paradoxal, reveladora.

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aula 02: escravistas & escravizados grande conversa brasileira úrsula

Úrsula, de Maria Firmina dos Reis

Qualquer obra de arte só pode ser criada e lida dentro de um contexto cultural específico. Quando os contextos mudam, as obras precisam mudar também. Escreveu Jorge Luis Borges:

“Uma literatura distingue-se de outra, ulterior ou anterior, menos pelo texto do que pela maneira de ser lida: se me fosse permitido ler qualquer página atual — esta, por exemplo — como será lida no ano 2000, eu conheceria a literatura do ano 2000.”

Úrsula, para fazermos sentido de sua importância, precisa ser lida contra o pano de fundo de dois momentos culturais: o romantismo gótico literário e a literatura fundacional brasileira. Contra o primeiro pano de fundo, esse romance é o mais convencional possível, tão convencional ao ponto de ser digno de nota em sua representatividade mimética. Contra o segundo, é revolucionário e subversivo.

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aula 02: escravistas & escravizados grande conversa brasileira raça

A ausência da escravidão na literatura brasileira

Existe uma gigantesca lacuna na literatura oitocentista brasileira, uma ausência tão grande e tão inesperada que chama atenção: apesar de termos sido a maior economia escravista de todos os tempos, os dramas humanos inerentes à escravidão simplesmente não aparecem na literatura do período.

Foram sim escritas muitas obras, poemas e peças, contos e romances, que encararam de frente os horrores e dramas, os dilemas e os paradoxos de uma monarquia ocidental escravista em pleno século XIX, mas, tanto antes quanto depois da Abolição, essas obras foram sistematicamente desvalorizadas, esquecidas, descanonizadas.

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aula 02: escravistas & escravizados aula 04: burguesas & agregadas grande conversa brasileira machado de assis raça

A escravidão, esquecida: Mariana, de Machado de Assis

A escravizada Mariana, protagonista do conto homônimo de Machado de Assis, criada no auge da campanha abolicionista, prontamente esquecida por seu criador e somente recuperada em meados do século XX, poderia formar um paralelo revelador com a própria escravidão, tema de debates polêmicos em sua época, prontamente esquecida por seus defensores e opositores assim que abolida e somente recuperada em sua importância histórica no século seguinte.

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aula 02: escravistas & escravizados grande conversa brasileira joaquim nabuco raça

Joaquim Nabuco em Massangana: um abolicionista nostálgico pela escravidão

Ao longo de todo o século XIX, a escravidão foi a grande vergonha nacional. Assim que é abolida, não há nada que nossa elite quer mais do que esquecer que ela jamais existiu. Entre a Abolição (1888) e o lançamento de Casa Grande & Senzala (1933), a escravidão praticamente desaparece da Grande Conversa Brasileira. Ninguém simboliza, representa, encarna esse processo melhor do que Joaquim Nabuco: ele foi, ao mesmo tempo, o maior inimigo da escravidão brasileira e, também, o primeiro a esquecer que ela jamais existiu.

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aula 02: escravistas & escravizados casa-grande & senzala grande conversa brasileira

Gilberto Freyre, historiador

Gilberto Freyre não era e não se considerava historiador, mas usava uma abordagem histórica para explicar problemáticas sociológicas. Ele estuda seu objeto de dentro, colocando-se ele mesmo como parte do objeto de análise: ele se faz personagem de seu próprio livro (Benzaquen). Enquanto historiador, ele realiza uma transposição, uma transferência de si mesmo ao passado brasileiro, para revivê-lo empaticamente, usando um estilo sugerido, instintivo, incompleto, etc, que o impede de ser definitivamente rotulado.

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aula 02: escravistas & escravizados castro alves grande conversa brasileira

Castro Alves

Para muitas gerações de brasileiros, Castro Alves é o “poeta dos escravos”. Seu poema “O Navio-Negreiro” é um dos mais citados e antologizados de nossa literatura. Na tradição literária brasileira, praticamente livre de pessoas protagonistas negras, onde as pessoas escravizadas são em geral retratadas somente em papéis coadjuvantes e chapados, sem profundidade e sem humanidade, Castro Alves apresenta-se como uma conspícua exceção. Apesar de alguns excessos juvenis (tinha apenas vinte e quatro anos ao morrer), o poeta consegue unir o lírico ao social e cria uma poesia ao mesmo tempo romântica e politicamente contundente: pela primeira vez no Brasil, as pessoas escravizadas são vistas como indivíduos, com problemas existenciais e vidas privadas intensas, capazes de amar e de odiar, de perdoar e de se vingar.

Castro Alves entrou muito cedo no cânone literário e nunca deixou de ser polêmico. Algumas críticas literárias o acusam de só lutar contra a escravidão quando ela já estava quase derrotada, um poeta reacionário canonizado justamente por saber o ponto exato até onde poderia ir antes de ofender as sensibilidades burguesas de suas pessoas leitoras escravocratas. Outras, o celebram por ser abolicionista antes que o abolicionismo virasse moda, quando ainda não era uma posição política conveniente para jovens responsáveis. Algumas, o elogiam por mostrar, pela primeira vez na literatura brasileira, a humanidade da pessoa escravizada; outras, o censuram por nunca adotar a perspectiva negra e escrever sempre do ponto de vista do homem branco, relegando a pessoa negra a uma eterna posição de alteridade.

No texto abaixo, apresentaremos a vida e obra do poeta, destacaremos os aspectos mais transgressores (e também os mais conservadores) de sua poesia abolicionista, situaremos sua obra dentro do contexto da luta internacional pela abolição da escravatura, chamaremos a atenção para a oralidade de sua poesia e faremos um breve resumo das controvérsias em torno de seu status canônico.

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aula 02: escravistas & escravizados casa-grande & senzala grande conversa brasileira

Casa-grande & senzala, de Gilberto Freyre

O período entre a abolição da escravatura (1888) e o lançamento de Casa Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre, é marcado por uma quase completa ausência da escravidão do discurso intelectual brasileiro, um processo consciente de rasura por parte da elite brasileira no qual a escravidão, como categoria explicativa de Brasil, é substituída por raça e mestiçagem. O discurso racista-cientificista que impera nessa época (exemplificado em obras como Os sertões, que leremos na quinta aula) nega a contribuição africana ao Brasil e afirma, pelo contrário, que a própria existência das pessoas negras seria um problema nacional, a ser corrigido por imigração e branqueamento. Como veremos nas leituras da sexta aula, a negritude era constantemente associada à degeneração, alcoolismo, incapacidade mental e imoralidade. E não pelo fato de as pessoas negras terem sido exploradas por 350 anos e, então, libertadas sem nenhuma ajuda financeira ou plano de inserção social, mas por pretensa inferioridade étnica.

É nesse cenário intelectual que Casa Grande & Senzala explode como uma verdadeira bomba. Poucos livros foram tão influentes, tão impactantes, tão polêmicos. Ele pode e deve ser criticado, mas sua maior contribuição foi justamente ter recolocado a escravidão no centro do pensamento nacional: depois de Casa Grande & Senzala, nunca mais será possível entender o Brasil que não a partir do fato central de termos sido a maior civilização escravista do mundo moderno.

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aula 02: escravistas & escravizados casa-grande & senzala grande conversa brasileira raízes do brasil

Democracia racial e homem cordial, dois meta-mitos

Dois espectros rondam as ciências sociais brasileiras: a “democracia racial” e o “homem cordial”. Quem os critica se refere a eles, sempre desdenhosamente, como “mitos”: “o mito da democracia racial”, “o mito do homem cordial”. Mas, na verdade, são meta-mitos, ou seja, é um mito que sejam mitos, são mitos que jamais foram mitos. No texto abaixo, tentarei desmascarar não o “mito da democracia racial” mas sim o “mito do mito da democracia racial”; não o “mito do homem cordial”, mas sim o “mito do mito do homem cordial”.

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aula 01: indianistas & inconfidentes cecilia meireles gonçalves dias grande conversa brasileira

Medievais, Indianistas, Inconfidentes

Nossa época herdou o desprezo renascentista pela Idade Média, mas a verdade é que ela ainda está por toda parte, influenciando tanto os enredos quanto a linguagem das obras narrativas que consumimos. Foi o romantismo, enquanto movimento literário, a partir de O corcunda de Notre-Dame (1831), de Victor Hugo, que começa um projeto de revalorização do medieval. Em Portugal, esse movimento gerou obras como Eurico, o Presbítero (1844), de Alexandre Herculano.

No Brasil, sem uma tradição medieval para chamar de nossa, tivemos que improvisar: projetamos valores medievais nos povos originários (O Guarani, de José de Alencar; “I-Juca-Pirama“, de Gonçalves Dias), recriamos a Idade Média mesmo assim (Sextilhas de Frei Antão, de Gonçalves Dias), narramos em estilo medieval uma história iluminista (Romanceiro da Inconfidência, de Cecilia Meireles).

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aula 01: indianistas & inconfidentes grande conversa brasileira

Indianistas & inconfidentes

Em abril, começa o meu novo curso A Grande Conversa Brasileira, a ideia de Brasil na literatura. Nossa primeira aula, no dia 1º de abril, às 19h, será sobre indianistas & inconfidentes e vamos conversar sobre José de Alencar, Gonçalves Dias e Cecília Meireles.

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grande conversa brasileira

A Grande Conversa Brasileira, novo curso

A ideia de Brasil na literatura. (compre agora.)

(O curso anterior está aqui: Introdução à Grande Conversa.)

Ilustração por Olivia Maia
Ilustração por Olívia Maia, cartaz por William Alves.