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Duas histórias do Leme

Que tipo de pessoas somos se certas tragédias nem ao menos estragam nosso apetite?

* * *

O Leme é um sub-bairro de Copacabana, um canto pacífico e fora de mão onde convivem os ricos da praia, os pobres do morro e todas as outras classes sociais entre elas. Um resumo do Rio de Janeiro.

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Diálogo em uma mesa de bar carioca

A gente se acostuma a tudo.

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A violência desigual

Vivemos em um país violento, mas, antes de tudo, vivemos em um país desigual.

Se a violência fosse distribuída igualmente, ela já teria acabado: nossa classe alta não suportaria.

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a beleza e o caos: uma carta de amor

ontem, fui à praia sozinho.

pensei: mesmo nos piores momentos, mesmo quando estou mais triste, mesmo quando parece que não tenho nada, eu sempre tenho a praia, meu patrimônio, minha herança, para usar quando quiser.

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História de um síndico e de um subsíndico

moro em copacabana, em um prédio de dez andares e quarenta quitinetes por andar, construído em 1957.

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Rio e São Paulo, duas arrogantes

Tanto São Paulo quanto o Rio são cidades muito arrogantes. Mas arrogâncias completamente diferentes.

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Espátula

hoje, faleceu o morador do 307. talvez tenha sido ontem. na verdade, foi há três dias.

michelle, que mora no 807, disse que o cheiro de podre estava chegando até lá em cima, subindo pela coluna do banheiro junto com as brigas de casal e o alho refogando.

a polícia chegou mas ninguém queria a responsabilidade de arrombar a porta.

finalmente, arrombaram.

joão, o segurança do prédio, ficou impressionado: disse que tiveram que tirar o corpo do chão com uma enorme espátula: “se tentassem levantar pelos braços, se esfarelava tudo.”

meu prédio tem dez andares, quarenta conjugados por andar, muitas pessoas idosas que moram sozinhas.

joão, o segurança do prédio, é novo aqui: mês que vem, já estará calejado.

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“O Senhor é minha fechadura e ninguém entrará”

Lojinha de produtos católicos.

Rua das Laranjeiras, hoje cedo.

Tento entrar mas porta está trancada.

Moça vem correndo abrir.

Pergunto:

“Estão fechados?”

Ela:

“Deixamos a porta sempre trancada.”

Não resisti:

“Tenha fé em Deus, moça!”

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Camuflagem

Centro do Rio de Janeiro, joalheria.

Uma amiga paulistana acaba de comprar um caríssimo relógio.

Em um delicado ritual, com gestos lentos e compenetrados, a vendedora coloca o relógio em uma caixa de couro, acolchoada por dentro, e, então, em uma belíssima bolsa de papel, com o elegante logotipo da joalheria impresso em alto relevo.

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Carnaval é coisa séria!

Rio de Janeiro, Santa Teresa, quarta-feira de cinzas.

Entre unicórnios e sereias, Anittas e Temers, sentamos para tomar um brunch no pós-bloco.

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Saneamento básico

Carnaval em Copacabana: banheiros químicos, foliões bêbados, muito glitter.

Vindo em minha direção, duas meninas. A mais nova repara em algo na calçada, faz cara de nojo, puxa a amiga pra não pisar. Cruzam por mim e escuto, pingando desprezo:

“Era de gente.”

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moqueca

perto da minha casa, tem uma colônia de pescadores.

a colônia é mais antiga que o bairro: há mais de cem anos, quando abriram o primeiro túnel dando acesso a essas dunas desertas e isoladas, a colônia já estava aqui.

todo dia, de madrugada, os pescadores ainda saem pra pescar. todo dia, de manhã, vendem na praia o peixe fresquíssimo que pescaram.

perto da colônia, tem o bar dos pescadores.

no bar dos pescadores, dá pra comer bife, porco, frango, qualquer coisa.

menos peixe.

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Se beber, vá de táxi

Mas só se o taxista estiver sóbrio.

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e não é que é errado isso?

dirigir no rio com uma haole* é recuperar um pouco de uma noção do absurdo que já perdemos há décadas.

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hoje à noite, no cassino da urca

bondes circulam no centro do rio de janeiro.

a febre amarela está de volta.

ministro considerado para o supremo defende “submissão da mulher”.

o lado bom é que a qualquer momento machado de assis deve lançar um novo romance.

Largo-da-Lapa

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Nostalgia da pólio

Nunca vi nostalgia alguma que não fosse fundamentada numa sólida ignorância do passado.

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diário de uma olimpíada: última semana

durante a rio2016, arrumei um celular, voltei ao facebook e compartilhei por lá minhas experiências em tempo real.

os textos sobre a primeira semana estão aqui. abaixo, escritos no calor do momento e não-editados, alguns trechos sobre a segunda e última semana de jogos.

estampa_2_rio_2016

* * *

mais um ouro para o brasil

entre o parque olímpico e o metrô jardim oceânico, o brt tem somente uma parada: no barrashopping.

infelizmente, em um desses dias olímpicos lotados, esqueceram de informar ao motorista, que passou direto.

a galera veio abaixo, gritando, mandando parar.

ele parou e começou a voltar, devagarinho, dando ré naquele ônibus gigantesco, claramente com muito cuidado e dificuldade.

demorou um tempinho.

quando finalmente conseguiu, a galera veio abaixo de novo, dessa vez batendo palmas e assobiando:

“é ouro! é ouro, brasil!”

sem saber se era sério ou se era sarcasmo, o motorista levantou os braços, agradeceu e seguimos viagem.

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querida correspondente estrangeira

acompanhei com afinco sua cobertura sobre os dias que antecederam a catastrófica rio2016 e, inclusive, confiando no seu conhecimento da realidade brasileira, até cancelei minhas reservas e revendi meus ingressos.

infelizmente, na véspera da calamitosa festa de abertura, passei mal e entrei em coma, do qual acabei de sair, duas semanas depois.

rio2016

agora, quero escrever meu próprio artigo sobre o caos da rio2016, mas estou com dificuldades de encontrar informações abalizadas.

por favor, você poderia me confirmar:

dentre o um milhão de visitantes…

— quantas foram executadas pelos esquadrões da morte das favelas?

— quantas turistas morreram por conta de atentados terroristas?

— quantas atletas contraíram zika?

— quantas iatistas caíram vitimadas pelas águas de esgoto aberto?

— quantas competições tiveram que ser canceladas porque os estádios não ficaram prontos?

— dentre os estádios milagrosamente “finalizados”, quantos desabaram por terem sido construídos de forma corrupta e apressada e incompetente?

— quantos nadadores foram roubados justo na noite em que queriam fugir de outros compromissos?

na certeza de que esses números devem estar na ponta dos seus dedos, fico no aguardo.

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diário de uma olimpíada: primeira semana

estou absolutamente feliz com a rio2016: arrumei um celular, voltei ao facebook e estou compartilhando por lá minhas experiências em tempo real.

abaixo, alguns dos menos piores momentos.

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manhãs de copacabana

Copacabana-sunrise

adoro acordar com o dia ainda escuro, ver o sol lentamente surgindo por cima do morro do cantagalo, ver as gaivotas sobrevoando a praia de copacabana, sentir o leve cheiro de maresia que vem chegando, sentir o bairro despertando.

adoro acompanhar o movimento do sol dentro da minha casa. primeiro, ele bate na cama, depois, na rede, e vem entrando e entrando, e me empurrando pra dentro de casa, até que, nessa época do ano, lá pelas sete, o único lugar que me sobra na casa é o balcão, para tomar café e trabalhar.

adoro o cheiro de café que vai aparecendo, aqui e ali, de muitos dos 400 apartamentos que me cercam só no meu prédio.

adoro ouvir as crianças chegando, falando, brincando na creche que fica ao lado da minha janela, o solar meninos de luz.

adoro a alegria ensandecida da capitu, cachorra de apenas seis meses de idade, ao perceber que está viva e tem mais um dia pela frente.

adoro o meu café da manhã de café, ovo mexido, torradas com manteiga e fruta, o cheiro de cada uma dessas coisas me confortando, me preenchendo, me deliciando, me colocando já no clima do novo dia.

por fim, adoro um senhor negro, magro e alto que, todo dia, lá pelas onze e pouco, passa pela minha rua gritando “ó o almoço da quentinha”, simbolizando assim o final oficial de mais uma manhã no rio de janeiro.

cada dia mais eu comprovo. minha hora produtiva é a manhã. se já não fiz o meu melhor trabalho até a chegada do moço da quentinha, melhor dormir cedo e tentar de novo no dia seguinte.

* * *

foto: um típico nascer-do-sol em copacabana, por aaron frutman. acreditem ou não, tem um desses aqui todo dia. eu não canso.

em linhas gerais, na praia de copacabana o sol pode ser visto nascendo do outro lado da baía de guanabara, atrás das montanhas de niterói, e, na de ipanema, se pondo atrás do morro dois irmãos.

meu apartamento é voltado para a praia de copa, que está a três quarteirões de distância, mas não tem vista para o mar: eu só vejo suas gaivotas, sinto seu cheiro, adivinho sua presença.