moro em copacabana, em um prédio de dez andares e quarenta quitinetes por andar, construído em 1957.
ninguém aceitou a responsabilidade de ser síndico dessa minicidade de idosos, prostitutas e estrangeiros. o subsíndico é um velho português, entrevado e rude.
sempre que eu entrava ou saía do prédio, lá estava ele, torto e transtornado, nas áreas comuns, na portaria, na calçada, descascando funcionários, destratando porteiros, desesperando moradores.
quando meus vizinhos se esgueiravam pelo prédio, era sempre dele que fugiam.
um dia, enquanto eu conversava com os porteiros na administração, ele entrou e imediatamente deu início a uma diatribe infindável de reclamações, sem nenhum respeito pela conversa que já estava em curso.
para minha surpresa, todos os porteiros o ignoraram sumariamente e continuaram conversando comigo. para minha ainda maior surpresa, ele permaneceu imperturbável declamando seu rosário, como se desfrutasse da atenção exclusiva de todos. claramente, havia um modus vivendi.
uma noite, na rua, ao lado de uma viatura, o velho de cabeça ensanguentada falava com dois pms.
daqui a pouco, saíram outros dois pms escoltando uma moça negra, musculosa e bonita, de cabelos brilhosos e pouca roupa. algemada. entraram todos na viatura.
segundo o porteiro-chefe, a moça era uma prostituta que morava com o velho e tinham tido uma briga qualquer.
briga de amantes?, perguntei.
parece que não, respondeu. ela só não tinha onde morar e ele deu abrigo. acho que cozinha pra ele. menos solidão pros dois.
no dia seguinte, a prostituta e o subsíndico estavam de volta. tinham feito as pazes na delegacia.
hoje, perguntei por ele. morreu.
* * *
algumas vezes, alugo meu apartamento para turistas e fico morando na casa da minha amiga sônia, no flamengo, em um prédio de doze andares e oito apartamentos de três quartos por andar, também construído em 1957. o ano de construção é a única coisa que possuem em comum.
em frente ao prédio, tem um banco de madeira onde passei horas fazendo companhia a uma ex-namorada fumante.
quem também passava horas naquele banco era o síndico, um coroa enxuto, de pernas bem torneadas e costas eretas. sempre ao seu lado, um cachorro boxer, tão empertigado e atlético como o dono.
moravam sozinhos, homem e cão. ele não tinha emprego, nem aposentadoria: era proprietário do imóvel e se sustentava frugalmente com o pró-labore de síndico. seu único filho morava em goiás.
há pouco tempo, eu o encontrei sentado no banco sozinho, costas arqueadas, olhar cansado. o boxer tinha morrido dormindo, ele disse, ataque cardíaco. me dei conta que nunca vira o animal em movimento: em minha cabeça, ele existia praticamente como um gárgula, imóvel ao lado do dono.
que começou a aparecer menos e menos no banco de madeira. logo depois, adoeceu e morreu.
sônia, minha anfitriã, passou o dia inteiro prostrada na cama. ambos tinham passado quase a vida inteira naquele prédio. eu nem sabia que eram amigos.
o filho veio de goiás, rapidamente resolveu o enterro, e voltou.
* * *
um dia, também vão perguntar por mim. pelo barbudinho que ficava no banco com a namorada fumante. e alguém vai dizer, como se fosse a coisa mais banal do mundo, ih, morreu. e a pessoa que perguntou vai fazer ah, e talvez fique até sentida, mas logo vai esquecer o assunto, porque daqui a pouco tem novela, reunião ou pelada.