A Tempestade (nem tragédia, nem comédia, mas um “romance”, termo vago que caracteriza as últimas peças de Shakespeare) é uma obra onírica e indistinta, esfumaçada e sonolenta, de enredo solto e elíptico, onde ninguém morre nem se machuca.
Categoria: aula 06: navegações
Fernão Mendes Pinto passou vinte anos peregrinando pela Ásia em meados do século XVI, no auge do poder marítimo português. Enquanto quase todos os outros autores escreveram sobre o lado oficial da conquista, ele deixou testemunho sobre a ralé que ia nos porões dos navios. Foi o primeiro ocidental a ver, registrar, testemunhar incontáveis países, povos, culturas, cerimônias asiáticas. Quase morreu várias vezes. Se salvava sempre por sua lábia e por suas mentiras, nunca pela força ou por proezas militares. É o nosso maior pícaro, precursor de Pedro Malasartes, malandro da gema.
Fernão mentia? Mentia. Mas que diferença faz? O importante é que tinha uma mensagem a comunicar e, como todo grande artista literário, comunicou essa mensagem através de palavras, diálogos, episódios que misturam realidade e ficção.
Impedidos de comerciar com o Oriente pelo Mediterrâneo e buscando novos caminhos pelo Atlântico, os europeus começam o caminho que os levará a fundar “novas Europa fora da Europa”, ou seja, a ampliar de maneira global o conceito de Ocidente.
Trabalhamos e pensamos conceitos como Idade Média ou Renascimento, como se fossem muito antigos, como se as próprias pessoas vivendo essas épocas fossem reconhecê-los… mas, na verdade, são surpreendentemente recentes.
A revolução que dá origem às mudanças mentais e culturais que chamamos de Renascimento foi a descoberta da humanidade através das grandes navegações.
Os Lusíadas é um poema de batalhas medievais e tempestades em alto-mar, de deuses pagãos e de cruzadas cristãs, uma etnografia do Oriente e uma celebração do amor físico, entre muitos outros.
Gil Vicente e Camões, além de serem dois dos maiores artistas da língua portuguesa, também representam perfeitamente as estruturas de pensamento em confronto no século XVI.
Cassandra, a pitonisa amaldiçoada por Apolo para que ninguém acredite nela, é uma das personagens mais interessantes da mitologia. Gil Vicente tem uma peça sobre ela, Auto da Sibila Cassandra, escrita em espanhol em 1511, que já no título começa a misturar a herança clássica (“Cassandra”) com a cultura cristã (“auto”).
A peça é considerada um dos primeiros textos da literatura europeia a apresentar certos temas a partir de uma perspectiva feminina, como perda de liberdade depois do casamento, peso da maternidade, destempero dos maridos, brigas domésticas, etc.
Em pleno auge “heroico” do expansionismo português, só mesmo um grande artista como Gil Vicente para ridicularizar, diante do Rei e da corte, os homens que iam fazer fama e fortuna nas Índias.
Gil Vicente
Artista medieval em atividade na Renascença, ao mesmo tempo reacionário e progressista, criador de uma vasta obra polifônica, Gil Vicente certamente é um dos maiores escritores da língua portuguesa.
Não é que essa época teve mais “gênios” do que a média: é que foi nessa época que escolhemos quem seriam nossos grandes autores, a medida do nosso bom escrever. E por que nessa época? Por causa da imprensa.
Tersites é tudo que os herois homéricos não são, que ninguém mais é, que até então não existia. Tersites é uma figura que acaba de surgir na história humana: agitador popular e revolucionário marxista, um revoltado e um silenciado, o primeiro anarquista e o primeiro protestante. Um criador de caso que não sabe o seu lugar, um homem do povo que diz que o rei está nu. Um teórico da conspiração, um herói da classe trabalhadora. Tersites é aquilo que somente então se torna concebível.