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aula 08: revoluções miseráveis

Os miseráveis, de Victor Hugo

A religião, a sociedade, a natureza seriam, segundo Hugo, as três lutas, as três guerras, as três soluções, as três necessidades, as três fatalidades do homem. Para denunciar a religião, escreveu O corcunda de Notre-Dame; a sociedade, Os Miseráveis, e a natureza, Os trabalhadores do mar.

O texto acima é uma paráfrase da nota introdutória a esse último romance. Em outra nota introdutória, dessa vez a Os Miseráveis, Hugo afirma:

“Enquanto, por efeito de leis e costumes, houver proscrição social, forçando a existência, em plena civilização, de verdadeiros infernos, e desvirtuando, por humana fatalidade, um destino por natureza divino; enquanto os três problemas do século — a degradação do homem pelo proletariado, a prostituição da mulher pela fome, e a atrofia da criança pela ignorância — não forem resolvidos; enquanto houver lugares onde seja possível a asfixia social; em outras palavras, e de um ponto de vista mais amplo ainda, enquanto sobre a terra houver ignorância e miséria, livros como este não serão inúteis.”

E um outro trechinho de Os Miseráveis:

“Respeitamos o passado aqui e ali e, se ele concordar em permanecer morto, podemos até preservá-lo, mas se insistir em continuar vivo, vamos atacá-lo e matá-lo.”

Diante de notas programáticas tão brilhantes, tão concisas, tão contundentes, como não querer mergulhar na obra desse homem?

Mas, afinal, é um livro de direita ou de esquerda? Não pode ser um livro de esquerda, pois cuidadosamente evita todas as oportunidades de enfatizar a luta de classes, ou mesmo de condenar o empreendedorismo, a indústria, os ricos, a riqueza. Apesar disso, foi um best-seller durante toda a existência da União Soviética, rivalizando somente com Puchkin. O livro parece ter sido criado para ser igualmente irritante para ambos os lados. De que outra maneira poderia construir a conciliação que tanto busca?

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aula 08: revoluções leituras miseráveis

Teoria dos grandes romances

Os Miseráveis é um dos romances mais longos de todos os tempos. E, em minha opinião, o melhor.

Naturalmente, vários outros romances têm qualidades técnicas e literárias equivalentes. Os meus finalistas seriam Guerra e Paz (Tolstoi, 1867, russo), Moby Dick (Melville, 1850, inglês), Cem anos de solidão (Garcia Márquez, 1967, espanhol), Manuscrito encontrado em Saragoça (Potocki, 1814, francês): todos possuem um interesse profundo, sincero, empático por cada personagem, até os menores — que, na prática, não são menores, pois explodem na página com profundidade e concretude inesquecíveis.

Mas, se o que me faz amar Homero é sua dureza, o que me faz amar Hugo (e colocar Os Miseráveis um nariz à frente de todos os outros romances que já li) é o seu olhar amoroso.