De homem para homem, algumas noções básicas e indispensáveis sobre feminismo.
Cavalheirismo é machismo
Só pode existir cavalheirismo em uma sociedade já profundamente, inerentemente machista. Não é possível ser cavalheiro sem ser machista.
Quais são as Prisões, uma por uma
Está começando em agosto de 2024 uma nova turma do Curso das Prisões. Meu curso principal. Com o produto de mais de vinte anos de reflexões. (Saiba mais sobre o curso aqui.)
Mas, afinal, o que são essas tais Prisões sobre as quais eu tanto falo, tanto escrevo, há tanto tempo?
Prisão Liberdade
Quem busca um curso chamado de As Prisões, quem tenta viver a não-monogamia na prática, entre muitos outros exemplos, tendem a ser pessoas com um interesse acima do normal em liberdade, ou, mais especificamente, em sua própria liberdade. Sentem-se tolhidas por amarras, cadeias, costumes — eu chamo de “Prisões” — e desejam ser mais livres.
Mas, paradoxalmente, a busca pela liberdade também pode ser uma prisão. A chave é lutarmos não pela liberdade de realizar nossos desejos, como uma vela que vai onde o vento sopra, mas sim pela liberdade de podermos escolher novos desejos, como o leme que determina o rumo a seguir. A verdadeira liberdade não é negativa, ou seja, estarmos livres de interferências externas, mas sim positiva: sermos livres para pautarmos nossos próprios atos.
Prisão Monogamia
Nada pode ser mais capitalista e individualista do que a família nuclear monogâmica, com pessoas fechadas em grupos cada vez menores, exclusivos, isolados. Falar em não-monogamia é destravar a possibilidade de criarmos novos tipos de relacionamento, inclusive não-sexuais. E não tem como falar de relações românticas ou sexuais, de monogamia ou não monogamia, sem encarar de frente o fato de que, em nossa sociedade misógina, toda relação homem-mulher é sempre assimétrica.
Já está à venda meu novo livro, Mentiras Reunidas.
Trinta e dois anos da minha produção artística, os frutos de todos os meus maiores esforços, em um só livro, só para você.
Prisão Autossuficiência
Um dos motivos que nos leva a querer trabalhar tanto para juntar tanto dinheiro é uma busca desesperada pela pretensa segurança da autossuficiência. Afinal, ninguém quer depender dos outros, não é? Como posso ser livre se não sou independente?
Nossa ânsia por autossuficiência não é acidental: apesar de sermos uma espécie gregária, apesar de nosso maior superpoder ser nossa capacidade única de nos unirmos para trabalharmos juntas em prol de objetivos comuns, o capitalismo nunca para de nos vender a autossuficiência como uma das qualidades mais importantes da vida.
Não é difícil de entender o porquê. Quem está bem inserida em sua comunidade, quem dispõe de uma extensa rede de apoio, pode resolver seus problemas comunitariamente – eu pinto sua parede, você me leva no aeroporto. Entretanto, se somos autossuficientes, ou seja, se estamos isoladas, todos os serviços precisam ser comprados, do Uber ao Marido de Aluguel.
Como parte da ideologia capitalista, a sociedade nos vende um ideal de autossuficiência individual que, além de impossível e indesejável, nos impede de enxergar a interdependência de todos os seres. Somos intensamente gregárias: não temos como não nos importar com a opinião das pessoas à nossa volta, não temos como não ser influenciadas e pautadas por elas. Mas temos sim como escolher quem serão essas pessoas que estarão a nossa volta.
Prisão Trabalho
O problema não é o dinheiro: todas precisamos de dinheiro, ele garante nossa liberdade e nos permite viver nossas vidas nos nossos próprios termos. O problema não é o trabalho: somos seres criativos, gostamos, precisamos trabalhar, produzir, criar. O problema é só trabalharmos em prol dos projetos de outras pessoas, ao invés ou dos nossos projetos pessoais ou de projetos coletivos que nos sejam importantes. O problema é fazermos isso por muito tempo e por pouco dinheiro, que modo que não nos sobra nem tempo nem energia para nossos próprios projetos. Então, sim, tanto o trabalho quanto o dinheiro podem se tornar prisões.
Prisão Respeito
A Autoridade sempre impõe não só o respeito e a obediência como virtudes autoevidentes, mas também um script da vida bem-sucedida. Acreditar nessa narrativa pode nos impedir de enxergar outras possibilidades, outros caminhos, outros scripts. Mas só temos como nos libertar dessa Autoridade quando percebemos que ela não é o Estado, ou nenhuma grande instituição, mas sim nós mesmas, infinitamente vigiando e punindo umas às outras.
Prisão Patriotismo
Se nossa identidade de classe nos aprisiona, nossas muitas identidades tribais também. Mas faz sentido isso? Além da nossa criação, existe uma essência brasileira, baiana, carioca? Somos seres gregários que só sabem existir em grupos, mas como existir coletivamente sem xenofobia contra outros coletivos?
Prisão Classe
Estamos algemadas à Prisão Classe quando simplesmente nos recusamos a encarar e reconhecer nossos privilégios de classe, mesmo quando eles estão em nossa cara, gritando e bufando.
Quando pergunto se as pessoas são ricas, elas ou dão respostas abstratas (“sou rico em oportunidades”) ou negam (“olha, eu até ganho bem, mas não me considero rica porque não consigo comprar tudo o que eu quero.”). Ninguém acha que é rica, ou que é privilegiada, pois isso acarretaria obrigações sociais que queremos evitar, uma autoimagem da qual fugimos. O privilegiado é sempre um Outro.
Mais ainda, nenhum privilégio de classe é apenas um privilégio de classe. Pois a distinções de classe permeiam tudo nessa nossa sociedade tão desigual. As mulheres ganham menos que os homens. As pessoas negras ganham menos que as pessoas brancas. Todos os privilégios são, fundamentalmente, privilégios de classe, desfrutados com maior ou menor intensidade dependendo de nossa classe social.
Por isso, é tão engraçado quando algum negacionista do racismo, já sem argumentos, diz: “Bem, mas isso não é uma questão racial, é uma questão econômica!” O que equivale a dizer: “Isso não é uma questão culinária, é uma questão gastronômica!” O racismo e a misoginia também são questões econômicas. Também são questões de classe.
Prisão Religião
Religião é ideologia, ideologia é religião. Não é que a religião seja um tipo de ideologia. Não é que a ideologia funcione como se fosse uma religião. É que religião e ideologia são a mesma coisa: teorias abrangentes que utilizamos para fazer sentido da realidade, sejam elas o cristianismo ou o candomblé, o liberalismo ou o marxismo, o método científico ou a psicanálise freudiana.
Todas as pessoas, inclusive eu e você, enxergamos o mundo através de uma ou mais ideologias, e não há nada de errado nisso. (Pelo contrário, é impossível ser a-ideológico.) É só quando não conseguimos enxergar além das barras de nossa ideologia que ela pode se tornar uma prisão. Infelizmente, quase ninguém consegue: a gente não acredita no que quer, mas no que pode.
Um telescópio pode ser usado para enxergar galáxias a milhares de anos-luz de distância, mas nunca poderá ser usado para enxergar a si mesmo. Toda ideologia/religião dá conta de explicar o universo, mas não dá conta de explicar a si mesma. Toda ideologia/religião pode questionar ou interpelar tudo, menos suas próprias certezas fundantes.
Prisão Verdade
Para podermos nos libertar de nossas Prisões, precisamos primeiro conhecê-las. Como identificá-las com certeza? O que é uma Prisão de verdade?
Infelizmente, a primeira Prisão é justamente a caixinha de ferramentas que utilizamos para apreender as Prisões: o conhecimento, a certeza e, enfim, a Verdade.
Obra de estreia do maior nome da literatura russa no XIX, esse livro completamente inovador e revolucionário foi responsável direto pela abolição da escravatura no país. Como pôde esse menino rico ter escrito sobre servos de maneira tão bela, nunca sendo invasivo ou condescendente? Reconhecendo seu lugar de fala e sabendo fazer o que Tolstoi e Dostoievski nunca conseguiram: sumir atrás das palavras.
Marília de Dirceu, de Tomás Antonio Gonzaga, publicado em 1792, provavelmente é o segundo livro de poesia mais lido, mais vendido, mais querido da língua portuguesa, perdendo apenas para Os Lusíadas. (Muita gente repete essa afirmação, sem referências nem provas, mas a verdade é: quem mais seria? Nenhum outro livro chega nem perto.)
Obra fundadora da literatura brasileira, primeira a ser escrita aqui, por nós, para nós, dentro do nosso sistema literário local, também foi a primeira a ser traduzida para várias línguas (o próprio Puchkin traduziu um trecho para o russo) e é a única a ter uma cidade batizada em sua homenagem: Marília, em São Paulo. Até hoje, continua lida, popular, importante: é leitura obrigatória da FUVEST para 2024, 2025 e 2026.
Na aula em vídeo acima, de três horas de duração, eu apresento:
1. o contexto cultural do poema, ou seja, a crise européia do século XVIII, onde movimentos como Iluminismo, Arcadismo, Rococó e Neoclassicismo fazem frente ao Barroco e acabam abrindo caminho ao Romantismo;
2. a importância de Marília de Dirceu como obra fundadora da literatura brasileira;
3. uma leitura do poema, enfatizando as múltiplas identidades do autor/narrador Gonzaga/Dirceu.
Todo mês, na segunda quarta-feira, dou uma aula de literatura ou de História para as pessoas mecenas do meu Apoia-se. Essa foi a aula de janeiro de 2023. As aulas são exclusivas para apoiadoras mas, como serviço de utilidade pública às estudantes tentando passar no Vestibular, está publicada de forma aberta e gratuita. Se você gostou, se foi útil, por favor, considere fazer uma contribuição em dinheiro: é disso que eu vivo e você estará me ajudando a dar outras aulas para outras pessoas.
Pix: eu@alexcastro.com.br
Apoia-se: apoia.se/alexcastro
O frade carmelita espanhol João da Cruz é talvez o maior poeta místico de todos os tempos. A oitava aula, Mística, do curso Grande Conversa Espanhola, será sobre sua vida e obra. Abaixo, as suas melhores poesias, em português e em espanhol.
As aulas e encontros são exclusivas para as mecenas do meu Apoia-se. (Repara só como são muitas as recompensas.) Todas as atividades são online, algumas com opção presencial. Em 2023, a aula avulsa mensal está sempre em diálogo com o tema daquele mês do Curso das Prisões. Das obras estudadas, todas obras-primas, cinco foram escritas por mulheres. Todos os meus cursos estão aqui. Seja mecenas.
Como (des)ler literatura, uma aula
Passei toda uma vida lendo e ensinando Literatura. E, agora, percebo que, mais do que a própria Literatura, mais do que as obras em si, o que mais ensinei foi simplesmente a ler.
François Villon é o grande poeta lírico francês da Idade Média, e um dos maiores poetas do mundo. Era jovem, beberrão, criminoso, desesperançado. Nascido em 1432, foi preso por homicídio, quase enforcado, solto e, então, aos 32 anos, desaparece.
Ele passa da sátira burlesca ao pathos cristão sem piscar, e parece conter em si a soma de toda a potência da vida humana, inclusive da nossa, aqui, hoje, mas ainda em um contexto reconhecível como cristão medieval. Nenhum outro poeta da época consegue se comunicar conosco com tanta intimidade e urgência.
Um malandro grego da Antiguidade, com nome latino, deslido por um florentino medieval que não sabia grego, reinterpretado por um queer britânico, e colocado para servir o império oitocentista e o capitalismo contemporâneo. Essa é a Grande Conversa.