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Poesias de João da Cruz

O frade carmelita espanhol João da Cruz é talvez o maior poeta místico de todos os tempos. Aqui estão suas melhores poesias, em português e em espanhol.

O frade carmelita espanhol João da Cruz é talvez o maior poeta místico de todos os tempos. A oitava aula, Mística, do curso Grande Conversa Espanhola, será sobre sua vida e obra. Abaixo, as suas melhores poesias, em português e em espanhol.

Leia também meu texto principal sobre misticismo, incluindo uma análise de “Noite escura”, poema de João da Cruz; e um texto sobre o livro bíblico Cântico dos Cânticos, a grande inspiração de João da Cruz e com quem está sempre dialogando.

(Ah, hoje, daqui a pouco, quarta, 10 de janeiro, das 19h às 21h, vou fazer uma live no meu YouTube apresentando meu curso de 2023, O Curso das Prisões, e respondendo dúvidas. Evento aberto ao público. Venha! O curso começa dia 29 de janeiro.)


Noite escura

Em uma noite escura,
De amor em vivas ânsias inflamada
Oh! ditosa ventura!
Saí sem ser notada,
Já minha casa estando sossegada.

Na escuridão, segura,
Pela secreta escada, disfarçada,
Oh! ditosa ventura!
Na escuridão, velada,
Já minha casa estando sossegada.

Em noite tão ditosa,
E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa,
Sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.

Essa luz me guiava,
Com mais clareza que a do meio-dia
Aonde me esperava
Quem eu bem conhecia,
Em sítio onde ninguém aparecia.

Oh! noite que me guiaste,
Oh! noite mais amável que a alvorada
Oh! noite que juntaste
Amado com amada,
Amada já no Amado transformada!

Em meu peito florido
Que, inteiro, para Ele só guardava
Quedou-se adormecido,
E eu, terna, O regalava,
E dos cedros o leque O refrescava.

Da ameia a brisa amena,
Quando eu os seus cabelos afagava
Com sua mão serena
Em meu colo soprava,
E meus sentidos todos transportava.

Esquecida, quedei-me,
O rosto reclinado sobre o Amado;
Tudo cessou. Deixei-me,
Largando meu cuidado
Por entre as açucenas olvidado.

(Tradução de Carlito Azevedo)


Cântico espiritual

Onde é que te escondeste,
Amado e me deixaste com gemido?
Como o cervo correste,
havendo-me ferido;
saí, clamei por ti, havias partido.

Pastores se subirdes,
além pelas malhadas ao outeiro,
se porventura virdes
aquele a quem mais quero,
dizei-lhe que agonizo enquanto espero.

Buscando meus amores,
irei por esses montes e ribeiras;
não colherei as flores
nem temerei as feras,
e passarei os fortes e as fronteiras.

Ó bosques e espessuras
plantadas pelas mãos de meu Amado!
Ó prado de verduras,
de flores esmaltado,
dizei-me se passou por esse lado!

Mil graças derramando,
passou por estes soutos com ventura,
somente os contemplando,
apenas co’a figura
vestidos os deixou de formosura.

Quem poderá curar-me?
Entrega-te num lance verdadeiro.
Não queiras enviar-me
um outro mensageiro,
que não sabem dizer-me quanto anseio!

E todos que vierem
de ti me vão mil graças murmurando,
e todos mais me ferem;
me deixa agonizando
um não sei quê que ficam balbuciando.

Mas como perdurar,
ó vida, não vivendo onde já vives,
querendo-te matar
as flechas que recebes
daquilo que do Amado em ti concebes?

Por que tendo chagado
meu leve coração não o curaste?
E já que foi roubado,
por que assim o deixaste
e não levas o roubo que roubaste?

Apaga o meu penar
porque ninguém consegue desfazê-lo,
te veja o meu olhar,
o qual és o desvelo,
e para ti somente quero tê-lo.

Revela-me a presença,
me mate a tua vista e formosura;
recorda que a doença
do amor jamais se cura,
senão com a presença e co’a figura.

Claríssima nascente,
se nesses teus semblantes prateados
formasses de repente
os olhos desejados
que tenho nas entranhas desenhados!

Afasta-os, Amado,
que vou num vôo!

Regressa, ó paloma,
que o cervo vulnerado
já pelo outeiro assoma
na brisa de teu vôo e fresco toma.

Meu Amado, as montanhas,
Os vales solitários nemorosos,
as ilhas mais estranhas,
os rios sonorosos, o sibilar dos ares amorosos;

A noite sossegada,
nos raios suavíssimos da aurora,
a música calada,
a solidão sonora,
a ceia que deleita e enamora.

Caçai-nos as raposas,
que já está em flor a nossa vinha
enquanto que de rosas
fazemos uma pinha
e fique esta montanha bem sozinha

Detém-te, Bóreas morto!
Vem, Austro, que recorda os amores,
aspirar por meu horto
e corram teus olores
e o Amado pacerá por entre as flores!

Ó ninfas da Judéia!,
enquanto que nas flores e rosais
o âmbar os enleia,
daqui vos afastai,
não desejeis tocar nossos umbrais.

Esconde-te, Amoroso,
com tua face avista essas montanhas,
e fica silencioso;
mas vê dentre as companhas
a que se vai por ínsulas estranhas.

Às aves mais ligeiras,
leões, cervos e gamos saltadores,
montes, vales, ribeiras,
águas, ares, ardores
e medo pelas noites veladores:

Pelas amenas liras
e cantos de sereias, vos conjuro
que cessem vossas iras,
e não toqueis no muro,
para a esposa dormir sono seguro.

Entrou enfim a Esposa
no horto mais ameno desejado,
e a seu sabor repousa,
o colo reclinado
junto dos braços mais doces do Amado.

Na macieira, então,
tu foste ali comigo desposada,
ali te dei a mão,
e foste reparada
onde antes tua mãe foi violada.

Nosso leito florido,
de covas de leões entrelaçados,
de púrpura tecido
de paz edificado,
de mil escudos de ouro coroado.

Na busca de teus rastros
acorrem as donzelas ao caminho,
ao fulgurar dos astros,
ao temperado vinho,
nas emissões de bálsamo divino.

E na adega interior
do Amado meu bebi; quando eu saía,
de tanto resplendor,
já nada mais sabia
e meu gado perdi, que antes seguia.

Ali me deu o seio,
ditando-me ciência saborosa,
e dei-me sem receio,
oferta dadivosa,
e ali lhe prometi ser sua esposa.

Minha alma ao bem Amado
voltou-se, dedicada a seu serviço.
Não guardo mais o gado
nem mais tenho outro ofício,
pois é somente amar meu exercício.

Se nos vergéis detida,
eu nunca mais for vista nem achada
direis que estou perdida;
que, andando enamorada,
tornei-me perdidiça e fui ganhada.

De flores e esmeraldas
nas frescas madrugadas escolhidas,
faremos as grinaldas,
em teu amor floridas
e num cabelo meu entretecidas.

Nesse único cabelo
que em meu colo a voar tu divisaste;
e em meu regaço ao vê-lo,
preso nele ficaste
e só num de meus olhos te chegaste.

Mas quando me fitavas,
teus olhos sua graça me imprimiam;
por isso me adoravas,
e nisso mereciam
meus olhos adoraram o que em ti viam.

Não queiras desprezar-me,
porque, se a cor morena em mim achaste,
já podes bem olhar-me,
pois, desde que me olhaste,
a graça e a formosura em mim deixaste.

A pálida pombinha
à arca retornou com o ramo achado,
e da fiel rolinha
o sócio desejado
nos verdes ribeirões foi encontrado.

Em solidão vivia,
em solidão seu ninho construído,
e em solidão a guia,
a sós o seu querido,
também em solidão de amor ferido.

Gozemo-nos, Amado,
e vamos ver em tua formosura
o monte e o escarpado,
donde mana água pura;
entremos inda mais nesta espessura.

E logo às mais subidas
cavernas pedregosas nós iremos,
que estão bem escondidas;
ali nós entraremos
e o mosto de romãs saborearemos.

Ali me mostrarias
aquilo que minha alma pretendia,
e logo me darias,
decerto o que eu queria,
aquilo que me deste o outro dia.

Nas harmonias doar,
do rouxinol a doce cantilena,
o bosque em seu arfar,
em noite tão serena,
com chama que consome e não dá pena.

Ali ninguém o olhava…
Animada sequer aparecia;
e o cervo sossegava
e só a cavalaria
ao divisar as águas já descia.

(Tradução de Marco Lucchesi)


Chama de amor viva

Ó chama de amor viva,
que ternamente feres
dessa minha alma o mais profundo centro!
Se já não és esquiva,
acaba já, se queres,
ah! Rompe a tela desse doce encontro!

Ó cautério suave!,
ó regalada chaga!,
ó mão tão leve, ó toque delicado!,
que a vida eterna sabe,
a dívida selada!
Matando, a morte em vida transformada.

Ó lâmpadas de fogo,
em cujos resplendores
as profundas cavernas do sentido,
que estava escuro e cego,
com estranhos primores
calor e luz dão juntos ao seu Querido!

Quão manso e amoroso
despertas em meu seio,
lá onde tu secretamente moras,
nesse aspirar gostoso
de bem e glória cheio,
quão delicadamente me enamoras!

(Tradução de Marco Lucchesi)


Êxtase de alta contemplação

Entrei aonde não soube
e quedei-me não sabendo
toda a ciência transcendendo.

Eu não soube aonde entrava,
porém, quando me vi,
sem saber onde estava,
grandes coisas entendi;
não direi o que senti,
que me quedei não sabendo,
toda a ciência transcendendo.

De paz e de piedade
era a ciência perfeita,
em profunda soledade
entendida (via recta);
era coisa tão secreta,
que fiquei como gemendo,
toda a ciência transcendendo.

Estava tão embevecido,
tão absorto e alheado,
que se quedou meu sentido
de todo o sentir privado,
e o e´spírito dotado
de um entender não entendendo,
toda a ciência transcendendo.

O que ali chega deveras
de si mesmo desfalece;
quanto mais sabia primeiro
muito baixo lhe parece,
e seu saber tanto cresce,
que se queda não sabendo,
toda a ciência transcendendo.

Quanto mais alto se sobe,
tanto menos se entendia,
como a nuvem tenebrosa
que na noite esclarecia;
por isso quem a sabia
fica sempre não sabendo,
toda a ciência transcendendo.

Este saber não sabendo
é de tão alto poder,
que os sábios discorrendo
jamais o podem vencer,
que não chega o seu saber
a não entender entendendo,
toda a ciência transcendendo.

E é de tão alta excelência
aquele sumo saber,
que não há arte ou ciência
que o possam apreender;
quem se soubera vencer
com um não saber sabendo,
irá sempre transcendendo.

E se o quiserdes ouvir,
consiste esta suma ciência
em um subido sentir
da divinal Essência;
é obra da sua clemência
fazer quedar não entendendo,
toda a ciência transcendendo.


Coplas da alma que sofre por ver a Deus

Vivo sem viver em mim
De tal maneira a sofrer
Que morro por não morrer.

Em mim eu não vivo já
Sem Deus não posso viver
Sem Ele e sem mim, a ver
Este viver que será?
Mil mortes se me fará
Se minha própria vida houver
De morrer por não morrer.

Esta vida que eu vivo
É privação de viver
E um contínuo morrer
Até que viva conTigo;
Ouve, Deus, o que Te digo:
A vida não quero ter
E morro por não morrer.

Estando ausente de Ti
Que vida posso eu ter
Senão morte padecer
A maior que jamais vi?
E pena tenho de mim
De esta sina padecer
De morrer por não morrer.

O peixe que da água sai
De alívio não carece
Que na morte que padece
Ao fim a morte lhe vale;
Que morte há que se iguale
Ao meu penoso viver
Que vou vivendo a morrer?

Quando penso aliviar
Ao ver-Te no Sacramento
Faz-me maior sentimento
O não Te poder gozar;
Tudo para mais penar
Do desejo de Te ver
E morro por não morrer.

E se me alegro, Senhor
Com a esp’rança de Te ver,
Com medo de Te perder
Se duplica a minha dor;
Vivendo com tal pavor
E numa ânsia tal viver
Que morro por não morrer.

Liberta-me desta morte
Meu Deus, e dá-me a vida
Não a tenha impedida
Por este laço tão forte;
Tanto peno desta sorte
E este mal me faz sofrer
Que morro por não morrer.

Chorarei a morte já
E lamentarei a vida
Por sabê-la tão cativa
Que pelo pecado está;
Ó meu Deus, quando será,
Quando poderei dizer
Que vivo por não morrer?


Copla ao divino

Após amoroso lance
e não de esperança falto,
voei tão alto, tão alto,
que tive a caça ao alcance.

Para que eu alcance desse
a este lance divino,
alto voei, peregrino,
que da vista me perdesse;
e contudo neste transe
no vôo quedei-me falto,
mas o amor foi tão alto,
que tive a caça ao alcance.

Quanto mais alto subia
deslumbrava-se-me a vista,
e esta mais forte conquista
na escuridão se fazia;
mas por ser de amor o lance
dei um cego e escuro salto,
e fui tão alto, tão alto,
que tive a caça ao alcance.

Quanto mais alto chegava
neste lance tão subido,
tanto mais baixo e vencido
e abatido me achava;
disse: não há quem alcance!
E abati-me tanto, tanto,
que fui tão alto, tão alto,
que tive a caça ao alcance.

Por uma estranha mudança
mil vôos num passei eu,
pois esperança de céu
quem espera mais alcança;
esperei só este lance,
e em esperar não fui falto,
pois fui tão alto, tão alto,
que tive a caça ao alcance.

(Tradução de Marco Lucchesi)


Em espanhol:


Noche oscura

En una noche oscura
con ansias de amores inflamada
!oh dichosa ventura!
salí sin ser notada
estando ya mi casa sosegada;

a escuras, y segura
por la secreta escala disfrazada
¡oh dichosa ventura!
a escuras y en celada
estando ya mi casa sosegada.

En la noche dichosa
en secreto que nadie me veía
ni yo miraba cosa,
sin otra luz y guía
sino la que en el corazón ardía.

Aquesta me guiaba
más cierto que la luz del mediodía
adonde me esperaba
quien yo bien me sabía
en parte donde nadie parecía.

¡Oh noche que guiaste!
¡Oh noche amable más que la alborada!
¡Oh noche que juntaste
Amado con amada,
amada en el Amado transformada!

En mi pecho florido,
que entero para Él solo se guardaba,
allí quedó dormido
y yo le regalaba
y el ventalle de cedros aire daba.

El aire del almena
cuando yo sus cabellos esparcía
con su mano serena
en mi cuello hería
y todos mis sentidos suspendía.

Quédeme y olvídeme,
el rostro recliné sobre el Amado,
cesó todo y déjeme,
dejando mi cuidado
entre las azucenas olvidado.


Cantico espiritual

Canciones entre el Alma y el Esposo

ESPOSA

¿Adónde te escondiste,
Amado, y me dejaste con gemido?
Como el ciervo huiste,
Habiéndome herido;
Salí tras ti clamando, y ya eras ido.

Pastores, los que fuerdes
Allá por las majadas al otero,
Si por ventura vierdes
Aquel que yo más quiero,
Decidle que adolezco, peno y muero.

Buscando mis amores,
Iré por esos montes y riberas,
Ni cogeré las flores,
Ni temeré las fieras,
Y pasaré los fuertes y fronteras.

Oh bosques y espesuras,
Plantadas por mano del Amado,
Oh prado de verduras,
De flores esmaltado,
Decid si por vosotros ha pasado.

RESPUESTA DE LAS CRIATURAS

Mil gracias derramando,
Pasó por estos sotos con presura,
Y yéndolos mirando,
Con sola su figura
Vestidos los dejó de su hermosura.

ESPOSA

¡Ay, quién podrá sanarme!
Acaba de entregarte ya de vero;
No quieras enviarme
De hoy más ya mensajero,
Que no saben decirme lo que quiero.

Y todos cuantos vagan,
De ti me van mil gracias refiriendo,
Y todos más me llagan,
Y déjame muriendo
Un no sé qué que quedan balbuciendo.

Mas ¿cómo perseveras,
Oh vida, no viviendo donde vives,
Y haciendo porque mueras,
Las flechas que recibes,
De lo que del Amado en ti concibes?

¿Por qué, pues has llagado
Aqueste corazón, no le sanaste?
Y pues me le has robado,
¿Por qué así le dejaste,
Y no tomas el robo que robaste?

Apaga mis enojos,
Pues que ninguno basta a deshacellos,
Y véante mis ojos,
Pues eres lumbre de ellos,
Y sólo para ti quiero tenellos,

Descubre tu presencia,
Y máteme la vista y hermosura;
Mira que la dolencia
De amor, que no se cura
Sino con la presencia y la figura.

¡Oh cristalina fuente,
Si en esos tus semblantes plateados,
Formases de repente
Los ojos deseados,
Que tengo en mis entrañas dibujados!

Apártalos, Amado,
Que voy de vuelo.

ESPOSO

Vuélvete, paloma,
Que el ciervo vulnerado
Por el otero asoma,
Al aire de tu vuelo, y fresco toma.

ESPOSA

Mi Amado, las montañas,
Los valles solitarios nemorosos,
Las ínsulas extrañas,
Los ríos sonorosos,
El silbo de los aires amorosos.

La noche sosegada
En par de los levantes de la aurora,
La música callada,
La soledad sonora,
La cena, que recrea y enamora.

Cazadnos las raposas,
Que está ya florecida nuestra viña,
En tanto que de rosas
Hacemos una piña,
Y no parezca nadie en la montiña.

Detente, cierzo muerto,
Ven, austro, que recuerdas los amores,
Aspira por mi huerto,
Y corran tus olores,
Y pacerá el Amado entre las flores.

Oh, ninfas de Judea,
En tanto que en las flores y rosales
El ámbar perfumea,
Morá en los arrabales,
Y no queráis tocar nuestros umbrales.

Escóndete, Carillo,
Y mira con tu haz a las montañas,
Y no quieras decillo;
Mas mira las campañas
De la que va por ínsulas extrañas.

ESPOSO

A las aves ligeras,
Leones, ciervos, gamos saltadores,
Montes, valles, riberas,
Aguas, aires, ardores,
Y miedos de las noches veladores.

Por las amenas liras
Y cantos de Sirenas os conjuro
Que cesen vuestras iras,
Y no toquéis al muro,
Porque la Esposa duerma más seguro.

Entrádose ha la Esposa
En el ameno huerto deseado,
Y a su sabor reposa,
El cuello reclinado
Sobre los dulces brazos del Amado.

Debajo del manzano
Allí conmigo fuiste desposada,
Allí te di la mano,
Y fuiste reparada
Donde tu madre fuera violada.

ESPOSA

Nuestro lecho florido,
De cuevas de leones enlazado,
En púrpura tendido,
De paz edificado,
De mil escudos de oro coronado.

A zaga de tu huella
Los jóvenes discurren al camino
Al toque de centella,
Al adobado vino,
Emisiones de bálsamo divino.

En la interior bodega
De mi Amado bebí, y cuando salía
Por toda aquesta vega,
Ya cosa no sabía,
Y el ganado perdí que antes seguía.

Allí me dio su pecho,
Allí me enseñó ciencia muy sabrosa,
Y yo le dí de hecho
A mí, sin dejar cosa;
Allí le prometí de ser su esposa.

Mi alma se ha empleado,
Y todo mi caudal, en su servicio,
Ya no guardo ganado
Ni ya tengo otro oficio;
Que ya sólo en amar es mi ejercicio.

Pues ya si en el ejido
De hoy más no fuere vista ni hallada,
Diréis que me he perdido,
Que, andando enamorada,
Me hice perdidiza y fui ganada.

De flores y esmeraldas
En las frescas mañanas escogidas,
Haremos las guirnaldas,
En tu amor florecidas,
Y en un cabello mío entretejidas.

En solo aquel cabello
Que en mi cuello volar consideraste,
Mirástele en mi cuello,
Y en él preso quedaste,
Y en uno de mis ojos te llagaste.

Cuando tú me mirabas,
Su gracia en mí tus ojos imprimían;
Por eso me adamabas,
Y en eso merecían
Los míos adorar lo que en ti vían.

No quieras despreciarme,
Que si color moreno en mí hallaste,
Ya bien puedes mirarme,
Después que me miraste;
Que gracia y hermosura en mí dejaste.

ESPOSO

La blanca palomica
Al arca con el ramo se ha tornado,
Y ya la tortolica
Al socio deseado
En las riberas verdes ha hallado.

En soledad vivía,
Y en soledad ha puesto ya su nido,
Y en soledad la guía
A solas su querido,
También en soledad de amor herido.

ESPOSA

Gocémonos, Amado,
Y vámonos a ver en tu hermosura
Al monte y al collado,
Do mana el agua pura;
Entremos más adentro en la espesura.

Y luego a las subidas
Cavernas de las piedras nos iremos,
Que están bien escondidas,
Y allí nos entraremos,
Y el mosto de granadas gustaremos.

Allí me mostrarías
Aquello que mi alma pretendía,
Y luego me darías
Allí tú, vida mía,
Aquello que me diste el otro día.

El aspirar del aire,
El canto de la dulce Filomena,
El soto y su donaire,
En la noche serena
Con llama que consume y no da pena.

Que nadie lo miraba,
Aminadab tampoco parecía,
Y el cerco sosegaba,
Y la caballería
A vista de las aguas descendía.


Llama de amor viva

¡Oh llama de amor viva,
que tiernamente hieres
de mi alma en el más profundo centro,
pues ya no eres esquiva,
acaba ya, si quieres;
rompe la tela de este dulce encuentro!

¡Oh cauterio suave!
¡Oh regalada llaga!
¡Oh mano blanda! ¡Oh toque delicado!
que a vida eterna sabe
y toda deuda paga;
matando, muerte en vida la has trocado.

¡Oh lámparas de fuego
en cuyos resplandores
las profundas cavernas del sentido,
que estaba oscuro y ciego,
con extraños primores
calor y luz dan junto a su querido!

¡Cuan manso y amoroso
recuerdas en mi seno
donde secretamente solo moras
y es tu aspirar sabroso
de bien y gloria lleno
cuan delicadamente me enamoras!


Coplas hechas sobre un éxtasis de harta contemplación

Éntreme donde no supe
y quédeme no sabiendo
toda ciencia trascendiendo.

Yo no supe dónde entraba,
pero, cuando allí me vi,
sin saber dónde me estaba,
grandes cosas entendí;
no diré lo que sentí,
que me quedé no sabiendo,
toda ciencia trascendiendo.

De paz y de piedad
era la ciencia perfecta
en profunda soledad
entendida (vía recta);
era cosa tan secreta
que me quedé balbuciendo,
toda ciencia trascendiendo.

Estaba tan embebido,
tan absorto y ajenado
que se quedó mi sentido
de todo sentir privado
y el espíritu dotado
de un entender no entendiendo
toda ciencia trascendiendo.

El que allí llega de vero
de sí mismo desfallece;
cuando sabía primero
mucho bajo le parece
y su ciencia tanto crece
que se queda no sabiendo,
toda ciencia trascendiendo.

Cuanto más alto se sube
tanto menos se entendía,
que es la tenebrosa nube
que a la noche esclarecía;
por eso quien la sabía
queda siempre no sabiendo,
toda ciencia trascendiendo.

Este saber no sabiendo
es de tan alto poder
que los sabios arguyendo
jamás le pueden vencer;
que no llega su saber
a no entender entendiendo,
toda ciencia trascendiendo.

Y es de tan alta excelencia
aqueste sumo saber,
que no hay facultad ni ciencia
que le puedan emprender;
quien se supiere vencer
con un no saber sabiendo,
irá siempre trascendiendo.

Y, si lo queréis oír,
consiste esta suma ciencia
en un subido sentir
de la divinal esencia;
es obra de su clemencia
hacer quedar no entendiendo,
toda ciencia trascendiendo.


Coplas del alma que pena por ver a Dios

Vivo sin vivir en mí
y de tal manera espero
que muero porque no muero.

En mí yo no vivo ya
y sin Dios vivir no puedo;
pues sin él y sin mí quedo,
este vivir ¿qué será?
Mil muertes se me hará,
pues mi misma vida espero,
muriendo porque no muero.

Esta vida que yo vivo
es privación de vivir,
y así, es continuo morir
hasta que viva contigo.
¡Oye, mi Dios, lo que digo:
que esta vida no la quiero,
que muero porque no muero!

Estando ausente de ti
¿qué vida puedo tener
sino muerte padecer
la mayor que nunca vi?
Lástima tengo de mí,
pues de suerte persevero
que muero porque no muero.

El pez que del agua sale
aun de alivio no carece
que en la muerte que padece
al fin la muerte le vale
¿qué muerte habrá que se iguale
a mí vivir lastimero,
pues si más vivo más muero?

Cuando me pienso a aliviar
de verte en el Sacramento,
háceme más sentimiento
el no te poder gozar;
todo es para más penar
por no verte como quiero
y muero porque no muero.

Y si me gozo, Señor,
con esperanza de verte,
en ver que puedo perderte
se me dobla mi dolor;
viviendo en tanto pavor
y esperando como espero,
múerome porque no muero.

¡Sácame de aquesta muerte,
mi Dios, y dame la vida;
no me tengas impedida
en este lazo tan fuerte;
mira que peno por verte
y mi mal es tan entero,
que muero porque no muero!

Lloraré mi muerte ya
y lamentaré mi vida
en tanto que detenida
por mis pecados está.
¡Oh mi Dios!, ¿cuándo será
cuando yo diga de vero:
Vivo ya porque no muero?


Copla al Divino

Tras de un amoroso lance,
y no de esperanza falto,
volé tan alto, tan alto,
que le di a la caza alcance.

Para que yo alcance diese
a aqueste lance divino,
tanto volar me convino
que de vista me perdiese;
y, con todo, en este trance
en el vuelo quedé falto;
mas el amor fue tan alto,
que le di a la caza alcance.

Cuanto más alto subia
deslumbróseme la vista,
y la más fuerte conquista
en oscuro se hacía;
mas, por ser de amor el lance
di un ciego y oscuro salto,
y fui tan alto, tan alto,
que le di a la caza alcance.

Cuanto más alto llegaba
de este lance tan subido,
tanto más bajo y rendido
y abatido me hallaba;
dije: ¡No habrá quien alcance!
y abatíme tanto, tanto,
que fui tan alto, tan alto,
que le di a la caza alcance.

Por una extraña manera
mil vuelos pasé de un vuelo,
porque esperanza del cielo
tanto alcanza cuanto espera;
esperé solo este lance,
y en esperar no fui falto,
pues fui tan alto, tan alto,
que le di a la caza alcance.


Alex Castro lê João da Cruz

No vídeo abaixo, eu leio todas essas poesias em voz alta, em português e espanhol:

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