A religião, a sociedade, a natureza seriam, segundo Hugo, as três lutas, as três guerras, as três soluções, as três necessidades, as três fatalidades do homem. Para denunciar a religião, escreveu O corcunda de Notre-Dame; a sociedade, Os Miseráveis, e a natureza, Os trabalhadores do mar.
O texto acima é uma paráfrase da nota introdutória a esse último romance. Em outra nota introdutória, dessa vez a Os Miseráveis, Hugo afirma:
“Enquanto, por efeito de leis e costumes, houver proscrição social, forçando a existência, em plena civilização, de verdadeiros infernos, e desvirtuando, por humana fatalidade, um destino por natureza divino; enquanto os três problemas do século — a degradação do homem pelo proletariado, a prostituição da mulher pela fome, e a atrofia da criança pela ignorância — não forem resolvidos; enquanto houver lugares onde seja possível a asfixia social; em outras palavras, e de um ponto de vista mais amplo ainda, enquanto sobre a terra houver ignorância e miséria, livros como este não serão inúteis.”
E um outro trechinho de Os Miseráveis:
“Respeitamos o passado aqui e ali e, se ele concordar em permanecer morto, podemos até preservá-lo, mas se insistir em continuar vivo, vamos atacá-lo e matá-lo.”
Diante de notas programáticas tão brilhantes, tão concisas, tão contundentes, como não querer mergulhar na obra desse homem?
Mas, afinal, é um livro de direita ou de esquerda? Não pode ser um livro de esquerda, pois cuidadosamente evita todas as oportunidades de enfatizar a luta de classes, ou mesmo de condenar o empreendedorismo, a indústria, os ricos, a riqueza. Apesar disso, foi um best-seller durante toda a existência da União Soviética, rivalizando somente com Puchkin. O livro parece ter sido criado para ser igualmente irritante para ambos os lados. De que outra maneira poderia construir a conciliação que tanto busca?