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rio de janeiro

diário de uma olimpíada: última semana

alex castro comenta a rio2016.

durante a rio2016, arrumei um celular, voltei ao facebook e compartilhei por lá minhas experiências em tempo real.

os textos sobre a primeira semana estão aqui. abaixo, escritos no calor do momento e não-editados, alguns trechos sobre a segunda e última semana de jogos.

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mais um ouro para o brasil

entre o parque olímpico e o metrô jardim oceânico, o brt tem somente uma parada: no barrashopping.

infelizmente, em um desses dias olímpicos lotados, esqueceram de informar ao motorista, que passou direto.

a galera veio abaixo, gritando, mandando parar.

ele parou e começou a voltar, devagarinho, dando ré naquele ônibus gigantesco, claramente com muito cuidado e dificuldade.

demorou um tempinho.

quando finalmente conseguiu, a galera veio abaixo de novo, dessa vez batendo palmas e assobiando:

“é ouro! é ouro, brasil!”

sem saber se era sério ou se era sarcasmo, o motorista levantou os braços, agradeceu e seguimos viagem.

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boxe: ele é o ingresso

riocentro, agora, fila pra entrar no boxe.

o minotauro fura a fila com esposa e filhinha, voluntaria encrenca, a galera grita:

“porra, eh o minotauro, deixa ele entrar!”

e entrou, claro.

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vetar o minotauro de um ringue seria q nem vetar a fernanda montenegro de um teatro.

nao só a fernanda montenegro deveria poder entrar em qq teatro sem ingresso, como, na prática, ela É o ingresso.

“oi, boa noite. eu não tenho entrada pra peça, mas trouxe aqui a fernanda montenegro…”

“claro, meu deus, entra e entra, e desculpa qq coisa, dona fernanda…”

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“vai, juiz!”

luta de mongol contra bielorrusso, com juiz brasileiro.

o publico nem hesitou:

“juuuuuiiiiz! juuuuuiiiiiz! vai, juiz!”

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o paradoxo do boxe olímpico

é que o público chega querendo sangue e violência e, por isso, acha que a lutadora mais agressiva está ganhando…

e sempre fica surpreso e decepcionado quando quem vence, por pontos, é a lutadora que estava lá quietinha, controlada, sem perder a cabeça, só se esquivando, só defendendo, e acertando muito mais socos controlados e planejados.

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boxe: dois momentos bonitos hoje

eua e cuba compartilhando pacificamente a medalha de bronze e o pódio do terceiro lugar do peso mosca ligeiro.

o boxeador francês, que deu um nocaute técnico no equatoriano, levantando a mão do adversário atarantado e derrotado, e pedindo palmas para ele também.

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ginástica artística

final de argolas.

zanetti foi incrivel mas o grego foi simplesmente inacreditavel imbativel perfeito. justissima prata.

mas, qd acabou hino da grecia, publico da arena, inconformado de nao ter ouvido o nosso, começou a canta-lo espontaneamente.

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futebol

eu e Diva estamos no maraca, pra ver a seleçao brasileira – nao a cafe com leite, mas a selecao de verdade, da marta e da barbara.

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primeiro beijo da camera do beijo foi entre dois homens, e a plateia veio abaixo com os aplausos. definitivamente, sao outros, novos, melhores tempos na geral do maraca.

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quis trazer a Diva pro seu primeiro jogo de futebol, e queria q fosse emocionante, mas, caraleoporraputamerda, nao precisava tanta emoção.

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estou atras do gol onde serao marcados os penaltis. nao sei se sobrevivo.

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o poder do esporte

maracanã lotado. seleção brasileira. jogaço. olimpíada. decisão no último pênalti. derrota do brasil.

peço desculpas a todas as amigas q sacaneei e tripudiei.

hj, 42 anos na cara, eu finalmente entendi pq todo mundo faz tanto estardalhaço por causa de esporte.

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remo

vitoria absolutamente heroica agora do isaquias na semifinal de canoagem velocidade 200m. nariz a nariz, disputada por decimos de segunda, muita raça.

o estadio de remo da lagoa eh longe o lugar mais lindo de competicoes dessa olimpiada.

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polo aquático

disputa de dar caldos nas adversárias, com uma bola no meio, pra não dar muito na vista.

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vela

pela primeira vez, literalmente andei ate a olimpiada.

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estou na marina da gloria, para a regata das medalhas da categoria 49er fx, torcendo por martine e kahena, nessa baia cinematografica (apesar de imunda) onde ja tanto caiaquei e velejei.

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emoçao indescritivel ver uma regata olimpica nessa minha baia tao amada, o mundo inteiro nessa praia, o clima perfeito, tudo lindo.

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depois de ganhar o ouro na regata 470, meninas da gra-bretanha embicaram seu barco na praia do flamengo e se jogaram na multidao, comemorando com a galera.

dizem os locutores q isso nunca tinha acontecido antes.

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assistir uma final olimpica na areia da praia, de chinelo de dedo, tomando um coco gelado e comendo um biscoito globo talvez seja a quintessencia da experiencia carioca desses jogos.

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depois de duas semanas de olimpiada, eh o maximo da emocao finalmente ver o brasil conquistar ouro literalmente no quintal da minha casa, num esporte que jah pratiquei, exatamente aqui, nessas mesmas aguas. duzias de pessoas caindo na agua e nadando em direcao aos barcos.

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agora na praia do flamengo: cariocas constroem podio na areia para conseguir assistir ao podio da vela por cima da multidao.

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podio finalizado. visibilidade plena. carioquice 100%.

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ouro, enfim.

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caso lochte

nadadores norte-americanos foram filmados saindo da festa, quebrando posto de gasolina e chegando na vila olimpica.

licoes da historia:

1. está ficando impossivel mentir;

2. acabou mesmo a privacidade.

a questao:

esse novo mundo hiperfilmado é melhor ou pior?

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último dia

decidi ir.

amanhã acaba a olimpíada e semana que vem destruímos a democracia que passamos trinta anos achando que estávamos consolidando:

a vida no rio de janeiro, e no brasil, vai se tornar uma longa ressaca.

então, foda-se. estou passando um pouco mal mas vou.

final de boxe no riocentro. nenhum brasileiro disputando, mas vou.

fiquem de olhos naquelas matérias tipo “homem passa mal durante competição olimpíca; paramédicos não conseguiram revivê-lo”.

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boxe

uma vez, pelo menos uma vez, comprei o melhor lugar.

estou qs dentro do ringue: se alguem der um soco mais violento, espirra sangue em mim.

ja vai comecar a final do peso mosca feminino, gra-bretanha vs frança, dois paises cheios de historia, batalhas e mulheres guerreiras.

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quinta, vi o brasil conquistar ouro na vela na praia do flamengo, no quintal de casa.

e hj vi cuba conquistar ouro no boxe peso galo masculino… e, melhor ainda, contra os eua.

já pode encerrar a olimpiada. realizei meus desejos.

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um norte americano com senso de humor e vergonha na cara, aqui no ringue de boxe.

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bandeira de cuba, hasteada pela primeira vez em nova orleans, balança agora no rio de janeiro, ao som do himno de bayamo, o hino nacional cubano.

momento mt emocionante pra mim. que ilha guerreira, caralho!

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cuba acabou de levar o ouro tambem no peso medio masculino. dois ouros cubanos num unico dia. muita emocao. sao os reis do boxeo!

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nao digam pros meus amigos cubanos q eu disse isso, mas o hino de cuba me parece muito tema de seriado de faroeste da decada de 60.

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o azar do boxeador

já dizia nelson rodrigues, “sem sorte o camarada não chupa nem um chicabon”.

nunca gostei de xadrez e sempre amei gamão: como a vida nada mais é do que um longo jogo de azar, os jogos também devem ser.

como pode ter graça um jogo, um esporte, uma disputa que não deixa espaço para o imponderável, para o acaso, para o transcendente?

uma das coisas que mais me agrada no boxe olímpico é o fator sorte.

pouca gente sabe mas as pugilistas são avaliadas por cinco juízas: na hora agá, entretanto, um computador escolhe aleatoriamente somente três avaliações para serem contadas.

outra coisa que pouca gente sabe: na rio2016, várias pessoas juízas foram afastadas por incompetência e suspeitas de corrupção… mas os resultados das lutas que avaliaram (resultados tão escandalosos que resultaram em suas suspensões) foram mantidos.

afinal, nada mais azarado do que lutar contra uma pugilista que já comprou a juíza.

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gente do metrô

metro, voltando da barra da tijuca e indo para a tijuca da tijuca, encontrar mary w.

eu me empolgo e escrevo furiosamente um texto de 22 paginas no meu caderninho. qd termino e fecho o caderno, a menina de uns 8 anos q vinha sentada ao meu lado pergunta:

moço, voce eh escritor?

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amor pelo rio

é importante lembrar que, entre 1960 e 2009, passando pela fusão em 1974 e pelo pico da criminalidade na virada do século, o rio viveu uma longa ressaca, uma grande decadência, uma lenta queda controlada.

ninguém acreditava que o rio podia melhorar, que podia voltar a ser ou continuar a ser o que sempre tinha sido: o desafio para as cariocas era gerenciar a decadência.

com a conquista das olimpíadas, em 2009, o rio recuperou a ideia de virada, de que uma virada era possível, de que era factível sonhar com um rio melhor.

acho que o resto do brasil talvez nunca tenha noção do baque em autoestima que nos gerou a perda da capitalidade e da importância das olimpíadas para recuperá-la.

fui morar fora em 2005. decidi voltar em 2009, quando conquistamos as olimpíadas. consegui finalmente voltar em 2011.

nunca fui tão feliz. tem dias que estou andando na rua (fora de brincadeira) e, de repente, penso

“caralho, estou aqui! voltei!”

e choro de felicidade, sozinho, que nem um idiota.

agora, tudo o que quero é ver como serão os próximos vinte anos da minha cidade tão querida.

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maratona

daqui a pouco, vai começar a maratona masculina, tradicional fechamento dos jogos olímpicos.

as pessoas corredoras vão passar seis vezes aqui pelo aterro do flamengo, quintal da minha casa.

decidi que iria levar a capitu para ver pelo menos ESSE evento olímpico, ainda mais que está sendo realizado no aterro DELA.

mas, infelizmente, com essa chuva, acho que capitu vai ficar de fora das olimpíadas.

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o grito mais ecumênico e inclusivo das olimpíadas

maratona.

casal do meu lado aplaude todos os atletas q passam:

“vai, chile! vai, namibia! vai, frança!”

ou, qd nao conseguem ler o pais do atleta, na mesma empolgacao:

“vai, voce!”

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sobre quem é vaiado e quem não é

talvez essa seja a diferença mais clara entre um presidente legítimo e um ilegítimo:

se você é legítimo, você pode ir pro estádio e tomar vaia, porque, né?, foda-se, você é o presidente, foi eleito democraticamente, seu poder se baseia nos milhões de votos que recebeu.

se você é ilegítimo, você não pode ir pro estádio e se arriscar a levar uma vaia, pois o seu poder não tem base sólida e qualquer demonstração maior de desconfiança arrisca desmontar o seu castelo de cartas.

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vou pra janela ver as coisas voarem

rio de janeiro se despedindo das olimpíadas com ventos de quase cem quilômetros por hora.

(e, amanhã, ressaca com ondas de até quatro metros.)

simbolicamente, literariamente, isso deve querer dizer alguma coisa (“o rio está chorando o fim das olimpíadas” etc) mas estou cansado demais pra fazer a conexão.

vou pra janela ver coisas voarem.

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adeus, rio2016.

4 respostas em “diário de uma olimpíada: última semana”

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