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a beleza e o caos: uma carta de amor

nunca amei nada nem ninguém com a intesidade que eu amo o rio de janeiro.

ontem, fui à praia sozinho.

pensei: mesmo nos piores momentos, mesmo quando estou mais triste, mesmo quando parece que não tenho nada, eu sempre tenho a praia, meu patrimônio, minha herança, para usar quando quiser.

e foi isso que fiz: sentei na areia, fumei três charutos, li metade do inferno de dante, aplaudi o sol caindo no mar, vi as luzes do vidigal e o hotel marina quando acende.

ali, sentado no meio do meu povo (que inclui todas as pessoas que amam o rio de janeiro, desde as meninas negras do pavãozinho até os meninos brancos da suécia, passando por todas as cores, e nacionalidades, e classes sociais possíveis e imaginárias), sentindo a mais profunda sensação de pertecimento que um mamífero primata sem alma pode sentir, eu dei uma choradinha de felicidade — bem discreta, porque eu tava cercado de carioca e essa gente não presta, sacaneiam mermo.

* * *

eu já fiz encontros em todas as regiões do brasil, viajei por trinta países, morei no exterior durante sete anos.

no brasil, fui bem recebido por pessoas incríveis que já me amavam antes mesmo de me conhecer e me acolheram com todo o carinho.

no exterior, existem pelo menos duas cidades que conheço tão bem, que são tão abertas, onde tenho tantas amigas, que quase (quase!) sinto como se fossem minhas também: havana e nova orleans.

mas eu sou carioca e minha terra é o rio de janeiro. essa cidade impossível imprensada entre o mar e a montanha, construída sobre mil aterros, se espraiando por uma linda baixada.

a verdade é que eu só sou daqui. eu sempre vou ser só daqui. nunca terei crescido em outro lugar. nunca me sentirei autenticamente em casa em outro lugar.

sim, eu ainda sigo o noticiário local de nova orleans e havana. (vão tirar a estátua de general lee do lee circle! vão começar a filmar em havana uma co-produção sino-cubana!) mas são lugares onde não estou mais. de onde posso fugir.

por outro lado, ontem, sentado no arpoador, eu me sentia no umbigo do mundo.

no umbigo do meu mundo.

esse é o meu lugar. daqui, não posso fugir. daqui, não tenho mais pra onde ir.

o beleza do pôr-do-sol no arpoador é minha, meu patrimônio, minha herança. ninguém nunca vai tirar isso de mim.

mas também é meu patrimônio e minha herança a polícia militar mais antiga do país, a instituição autoritária que, em meu nome, revista ônibus vindos da baixada para impedir jovens negros, tão cariocas e tão cidadãos quanto eu, de estarem sentados aqui ao meu lado.

sou herdeiro das pedras portuguesas de copacabana e das lagoas da barra da tijuca, assim como também sou herdeiro da chacina da candelária e do naufrágio do bateau mouche.

o bom e o mau, o lindo e o podre, a beleza e o caos, é tudo meu.

os mesmos homens brancos mortos que me legaram a floresta da tijuca e o largo do boticário também deixaram outras tantas bombas pra explodir na minha mão.

como cidadão carioca, aceito todas.

não tenho orgulho, nem vergonha do rio de janeiro: é um sentimento mais primal, mais concreto.

certo ou errado, bonito ou feio, esse chão é meu.

se aqui tivesse terremoto, meu trabalho seria resolver os terremotos. ou dar suporte às pessoas que estão resolvendo os terremotos. ou, no mínimo, não atrapalhar.

o mundo é cheio de problemas: assisto o filme juno e fico comovido com toda a questão da gravidez infantil, aborto e adoção, mas assisto tropa de elite e o filme me aponta um dedo direto na cara: esse é o problema da minha época, da minha terra, da minha geração.

na loteria da História, foi essa batata quente que me coube.

o bônus é meu, o ônus também.

* * *

eu nunca amei nada nem ninguém com a intesidade que eu amo o rio de janeiro.

nunca senti felicidade maior do aquela simples felicidade de estar aqui, de ter voltado, de estar em casa.

Uma resposta em “a beleza e o caos: uma carta de amor”

Alex, escrevo aqui numa boa, não sou hater. Mas é estranho ler esse texto, do mesmo autor do texto Prisão Patriotismo.
Como que o patriotismo pode ser uma prisão, mas o bairrismo não? Se não é bairrismo a melhor palavra, me diga qual é a palavra pra descrever alguém apegado a uma cidade?
E como você vê esse texto de agora em contraste com o que você escreveu sobre a prisão patriotismo? Gostaria mesmo de saber.
Tudo de bom.

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