Para muitas gerações de brasileiros, Castro Alves é o “poeta dos escravos”. Seu poema “O Navio-Negreiro” é um dos mais citados e antologizados de nossa literatura. Na tradição literária brasileira, praticamente livre de pessoas protagonistas negras, onde as pessoas escravizadas são em geral retratadas somente em papéis coadjuvantes e chapados, sem profundidade e sem humanidade, Castro Alves apresenta-se como uma conspícua exceção. Apesar de alguns excessos juvenis (tinha apenas vinte e quatro anos ao morrer), o poeta consegue unir o lírico ao social e cria uma poesia ao mesmo tempo romântica e politicamente contundente: pela primeira vez no Brasil, as pessoas escravizadas são vistas como indivíduos, com problemas existenciais e vidas privadas intensas, capazes de amar e de odiar, de perdoar e de se vingar.
Castro Alves entrou muito cedo no cânone literário e nunca deixou de ser polêmico. Algumas críticas literárias o acusam de só lutar contra a escravidão quando ela já estava quase derrotada, um poeta reacionário canonizado justamente por saber o ponto exato até onde poderia ir antes de ofender as sensibilidades burguesas de suas pessoas leitoras escravocratas. Outras, o celebram por ser abolicionista antes que o abolicionismo virasse moda, quando ainda não era uma posição política conveniente para jovens responsáveis. Algumas, o elogiam por mostrar, pela primeira vez na literatura brasileira, a humanidade da pessoa escravizada; outras, o censuram por nunca adotar a perspectiva negra e escrever sempre do ponto de vista do homem branco, relegando a pessoa negra a uma eterna posição de alteridade.
No texto abaixo, apresentaremos a vida e obra do poeta, destacaremos os aspectos mais transgressores (e também os mais conservadores) de sua poesia abolicionista, situaremos sua obra dentro do contexto da luta internacional pela abolição da escravatura, chamaremos a atenção para a oralidade de sua poesia e faremos um breve resumo das controvérsias em torno de seu status canônico.