O misticismo é uma comunhão direta com a totalidade da vida, um acesso direto à transcendência cósmica sem a mediação de textos, palavras, ensinamentos. Por isso, justamente por não depender da mediação de palavras, a experiência mística não é transmissível por palavras: ela só pode ser vivenciada, nunca explicada.
No dia de Natal, celebra-se o nascimento convencionado de Jesus: é um dia de as pessoas aturarem famílias abusivas e violentas das quais, provavelmente, já teriam se libertado há muito tempo se não fosse o doentio fetiche pró-família de nossa cultura.
Ironicamente, dos grandes pensadores e líderes espirituais da Humanidade, poucos atacaram o conceito de família tão ferozmente quanto o próprio Jesus.
Pois, na verdade, ele defendia um novo conceito de família, mais amplo e mais belo.
De todos os autores do Novo Testamento, Paulo é o único que conhecemos com certeza. Algumas das cartas atribuídas a ele são apócrifas, mas existe um cerne que seguramente foi escrito por ele, o apóstolo Paulo de Tarso, ali, no meio da ação, no calor do momento, na vida prática das primeiras comunidades cristãs.
O Apocalipse não é apenas um livro, ele é todo um gênero literário.
O livro que fecha a Bíblia cristã, o Apocalipse de João de Patmos, é um apocalipse entre centenas de outros: sua distinção maior é a de ter sido canonizado.
O gênero apocalíptico floresceu no Oriente Médio, nos séculos I e II AEC, e aparece nas literaturas judaica, cristã, gnóstica, grega, persa e latina. A palavra “apocalipse” quer dizer “revelação” em grego, e essa é a essência de um apocalipse: não o fim do mundo, como geralmente se pensa, mas uma revelação do futuro glorioso que aguarda os escolhidos do Senhor.
Nenhum poema sobre a desordem poderia ser tão bem ordenado. Nenhum poema tão pouco heróico poderia ser tão heróico. Cada agricultor e cada enxada, cada cabra e cada abelha, são herois de sua própria luta pela existência diária.
São raros os livros de História das décadas passadas, ou mesmo dos séculos passados, que ainda se lêem como livros de História: Declínio e queda do Império Romano, de Edward Gibbon é um dos poucos e, sem dúvida, o melhor. Nunca mais ninguém teve a temeridade de empreender uma análise histórica com tamanha envergadura tanto no tempo quanto no espaço: do reinado de Marco Aurélio, no ano 100, até a queda de Constantinopla, em 1453, cobrindo toda a gigantesca área do Império Romano. A força literária de Declínio e queda está na união entre a história mais interessante de todos os tempos (como pôde a instituição humana mais sólida que jamais existiu se esfacelar tão completamente?) e um dos melhores e mais talentosos narradores também de todos os tempos. Poucas leituras são mais instrutivas, mais deleitosas, mais polêmicas: sua tese central, de que foi o Cristianismo que apodreceu o Império Romano por dentro, ainda gera controvérsias exaltadas até hoje. Como escreveu Jorge Luis Borges, antes líamos Declínio e queda para nos informar sobre Roma. Hoje, além disso, lemos para conhecer as opiniões de um fascinante cavalheiro inglês do século XVIII, mestre contador de histórias, sobre Roma.
Depois da morte de Jesus, sua mensagem radical começa a se espalhar como fogo na palha nas comunidades pobres da Palestina e do Oriente Médio. Os primeiros cristãos acreditavam piamente que veriam o fim dos tempos ainda em suas vidas, então, não havia preocupação de escrever nada, de construir nada. A prioridade era viver bem, reformar os costumes, deixar de pecar, garantir lugar no céu. Eram comunidades apocalípticas e milenaristas.
Roma é fundada provavelmente no século VIII aEC. A cidade fazia parte da civilização etrusca, que era uma rede de cidades-estado conectadas que falavam uma língua só, compartilhavam a mesma cultura, mas tinham identidades políticas diferentes.
Os etruscos somente conheciam duas classes: mestres, de um lado, e servos, escravos, clientes, agregados, de outros. A primeira novidade de Roma é a criação da plebe, uma classe intermediária, de pessoas livres e pobres.
(Quero muito saber sua opinião. Para falar comigo, é só responder esse email ou deixar um comentário.)
Sempre que vejo uma artista celebrando tantos anos de carreira, penso:
“Que lindo, mas por onde começaram a contar?”
Assim como não sei com quantas pessoas transei porque não consigo definir o que é sexo, também não saberia marcar o início da minha carreira.
Pergunta de uma participante do meu curso Introdução à Grande Conversa:
“O que significa ler Declínio e queda do Império Romano como literatura e não como história?”
A pergunta tem duas respostas que estranhamente tanto se anulam quanto se complementam:
Em primeiro lugar: história é literatura, oras!
Em segundo, história são os fatos expostos e a tese defendida, e literatura, o estilo criado e a narrativa desenvolvida.
O que é, como ler, qual edição usar, como melhor aproveitar Declínio e queda do Império Romano, de Edward Gibbon.
A Grécia Clássica oscilava entre dois polos: o apolíneo, mais racional, e o dionisíaco, mais instintivo. Duas peças, nos dois extremos cronológicos da Grécia Clássica, a Orestéia, no seu começo, e As bacantes, no seu fim, ilustram esse movimento, que continua marcando a arte ocidental até hoje.
Ilíada, de Homero
A Ilíada é um poema em ponto de fuga, cada linha apontando para um final cataclísmico além da obra.
A tensão nunca relaxa, mesmo nos momentos de distensão: os ventos da batalha sopram para cá ou para lá; Aquiles é birrento ou Heitor, razoável; a vantagem oscila de um lado a outro; mas, ainda assim, todas sabemos: no final, inevitável e intransponível, inexorável e intolerável, Tróia será arrasada; os troianos, mortos; as troianas, escravizadas.
A Orestéia simboliza o apogeu da Grécia Clássica e de sua ênfase nas infinitas possibilidades da racionalidade humana, e celebra a vitória das instituições democráticas sobre o infindável e sangrento código de vingança ancestral.
A última cena da série Game of Thrones, com todos os personagens sobreviventes, em uma reunião burocrática, começando a fazer as contas para reconstruir o país, deve muito ao espírito esperançoso (e institucionalizador) da Orestéia.
As tragédias do teatro grego eram sempre escritas e encenadas na forma de trilogias, onde cada peça comentava e complementava as outras. A Orestéia é a única trilogia que sobreviveu, o que só nos faz lamentar a perdas das outras. As peças que acompanhavam Édipo Rei ou Antígona, As bacantes ou Medeia, o que mais teriam nos revelado sobre essas obras-primas? Jamais saberemos.
Qual Ilíada ler?
Uma boa tradução pode ser a diferença entre uma leitura empolgante e uma experiência tediosa.
As bacantes é a última, talvez a maior das tragédias gregas clássicas. A mais bela e mais complexa, a mais aterrorizante e mais incompreensível.
É difícil exagerar por quão pouco não perdemos todas as tragédias gregas.
A experiência de ir ao teatro na Grécia Antiga era tão diferente da nossa que é difícil até nos colocarmos nesse lugar.
Tersites é tudo que os herois homéricos não são, que ninguém mais é, que até então não existia. Tersites é uma figura que acaba de surgir na história humana: agitador popular e revolucionário marxista, um revoltado e um silenciado, o primeiro anarquista e o primeiro protestante. Um criador de caso que não sabe o seu lugar, um homem do povo que diz que o rei está nu. Um teórico da conspiração, um herói da classe trabalhadora. Tersites é aquilo que somente então se torna concebível.
Já é na próxima quinta a segunda aula, Gregos, do curso Introdução à Grande Conversa: Um Passeio pela História do Ocidente através da Literatura.
A leitura principal é a Ilíada. As leituras secundárias são a Orestéia, de Ésquilo, e As bacantes, de Eurípedes.
Para quem não teve tempo de ler tudo, ou quiser só dar uma relida nos partes principais, eis aqui os trechos mais importantes que vou abordar na aula de quinta feira, 23 de julho: