Ao longo de todo o século XIX, a escravidão foi a grande vergonha nacional. Assim que é abolida, não há nada que nossa elite quer mais do que esquecer que ela jamais existiu. Entre a Abolição (1888) e o lançamento de Casa Grande & Senzala (1933), a escravidão praticamente desaparece da Grande Conversa Brasileira. Ninguém simboliza, representa, encarna esse processo melhor do que Joaquim Nabuco: ele foi, ao mesmo tempo, o maior inimigo da escravidão brasileira e, também, o primeiro a esquecer que ela jamais existiu.
Gilberto Freyre não era e não se considerava historiador, mas usava uma abordagem histórica para explicar problemáticas sociológicas. Ele estuda seu objeto de dentro, colocando-se ele mesmo como parte do objeto de análise: ele se faz personagem de seu próprio livro (Benzaquen). Enquanto historiador, ele realiza uma transposição, uma transferência de si mesmo ao passado brasileiro, para revivê-lo empaticamente, usando um estilo sugerido, instintivo, incompleto, etc, que o impede de ser definitivamente rotulado.
Para muitas gerações de brasileiros, Castro Alves é o “poeta dos escravos”. Seu poema “O Navio-Negreiro” é um dos mais citados e antologizados de nossa literatura. Na tradição literária brasileira, praticamente livre de pessoas protagonistas negras, onde as pessoas escravizadas são em geral retratadas somente em papéis coadjuvantes e chapados, sem profundidade e sem humanidade, Castro Alves apresenta-se como uma conspícua exceção. Apesar de alguns excessos juvenis (tinha apenas vinte e quatro anos ao morrer), o poeta consegue unir o lírico ao social e cria uma poesia ao mesmo tempo romântica e politicamente contundente: pela primeira vez no Brasil, as pessoas escravizadas são vistas como indivíduos, com problemas existenciais e vidas privadas intensas, capazes de amar e de odiar, de perdoar e de se vingar.
Castro Alves entrou muito cedo no cânone literário e nunca deixou de ser polêmico. Algumas críticas literárias o acusam de só lutar contra a escravidão quando ela já estava quase derrotada, um poeta reacionário canonizado justamente por saber o ponto exato até onde poderia ir antes de ofender as sensibilidades burguesas de suas pessoas leitoras escravocratas. Outras, o celebram por ser abolicionista antes que o abolicionismo virasse moda, quando ainda não era uma posição política conveniente para jovens responsáveis. Algumas, o elogiam por mostrar, pela primeira vez na literatura brasileira, a humanidade da pessoa escravizada; outras, o censuram por nunca adotar a perspectiva negra e escrever sempre do ponto de vista do homem branco, relegando a pessoa negra a uma eterna posição de alteridade.
No texto abaixo, apresentaremos a vida e obra do poeta, destacaremos os aspectos mais transgressores (e também os mais conservadores) de sua poesia abolicionista, situaremos sua obra dentro do contexto da luta internacional pela abolição da escravatura, chamaremos a atenção para a oralidade de sua poesia e faremos um breve resumo das controvérsias em torno de seu status canônico.
O período entre a abolição da escravatura (1888) e o lançamento de Casa Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre, é marcado por uma quase completa ausência da escravidão do discurso intelectual brasileiro, um processo consciente de rasura por parte da elite brasileira no qual a escravidão, como categoria explicativa de Brasil, é substituída por raça e mestiçagem. O discurso racista-cientificista que impera nessa época (exemplificado em obras como Os sertões, que leremos na quinta aula) nega a contribuição africana ao Brasil e afirma, pelo contrário, que a própria existência das pessoas negras seria um problema nacional, a ser corrigido por imigração e branqueamento. Como veremos nas leituras da sexta aula, a negritude era constantemente associada à degeneração, alcoolismo, incapacidade mental e imoralidade. E não pelo fato de as pessoas negras terem sido exploradas por 350 anos e, então, libertadas sem nenhuma ajuda financeira ou plano de inserção social, mas por pretensa inferioridade étnica.
É nesse cenário intelectual que Casa Grande & Senzala explode como uma verdadeira bomba. Poucos livros foram tão influentes, tão impactantes, tão polêmicos. Ele pode e deve ser criticado, mas sua maior contribuição foi justamente ter recolocado a escravidão no centro do pensamento nacional: depois de Casa Grande & Senzala, nunca mais será possível entender o Brasil que não a partir do fato central de termos sido a maior civilização escravista do mundo moderno.
Dois espectros rondam as ciências sociais brasileiras: a “democracia racial” e o “homem cordial”. Quem os critica se refere a eles, sempre desdenhosamente, como “mitos”: “o mito da democracia racial”, “o mito do homem cordial”. Mas, na verdade, são meta-mitos, ou seja, é um mito que sejam mitos, são mitos que jamais foram mitos. No texto abaixo, tentarei desmascarar não o “mito da democracia racial” mas sim o “mito do mito da democracia racial”; não o “mito do homem cordial”, mas sim o “mito do mito do homem cordial”.
Títulos sem contos
Existem autores que publicam contos sem títulos: eu publico títulos sem contos.
Minha seleção de “Títulos sem contos” faz parte do meu novo livro Mentiras reunidas, em pré-venda só até 15 de abril.
(A pré-venda de Mentiras reunidas se encerra essa semana. Depois, não vai ter mais como comprar. Se você deixou para a última hora… a última hora é agora!)
Te espero no açougue, conto
“Te espero no açougue” é um dos contos inéditos do meu novo livro Mentiras reunidas, em pré-venda só até 15 de abril. Abaixo, o conto na íntegra.
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“Quando morrem os pêssegos” é um dos contos do meu novo livro Mentiras reunidas, em pré-venda só até 15 de abril. Ele foi originalmente publicado em Onde perdemos tudo (2011). Abaixo, o conto na íntegra.
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O livro Onde perdemos tudo, originalmente lançado em 2011, faz parte do livro Mentiras reunidas, em pré-venda até 15 de abril.
Cinco contos unidos pelo tema comum da perda.
A história de Libeca é um trecho do meu romance Mulher de um homem só que pode ser lido de forma independente. Talvez seja o meu preferido.
Mulher de um homem só faz parte do meu novo livro Mentiras reunidas, em pré-venda até 15 de abril.
O meu romance Mulher de um homem só, originalmente lançado em 2009, agora reescrito e revisado (com um final um pouco diferente!), faz parte do meu livro Mentiras Reunidas, em pré-venda até 15 de abril.
Um romance sobre as agruras e desafios de ser mãe & mulher, filha & esposa; sobre religião & amizade, monogamia & destino. Minha tentativa de entrar na cabeça de uma mulher, pensar como ela, sentir como ela, escrever como ela. (Será que consegui?)
Primeiras mentiras
Meu livro Mentiras reunidas já está em pré-venda. Ele reúne toda a minha ficção publicada e ainda traz 12 contos inéditos. Abaixo, a introdução do livro e a descrição do conteúdo.
Uma comparação entre dois poemas de Jorge Luis Borges, em espanhol.
A cachorra atropelada, conto
“A cachorra atropelada” é um dos contos inéditos do meu novo livro Mentiras reunidas. Abaixo, a primeira parte.
Nossas duas leituras da última do curso Introdução à Grande Conversa: um passeio pela história do ocidente através da literatura são Borges e Tchecov.
Em um curso sobre o cânone ocidental, são ambos outsiders: Tchecov de uma nação que ninguém considera ocidental e Borges, de outra nas margens do Ocidente. Naturalmente, não é por acaso que estão aqui.
Anton Tchecov
Reler Tchecov, pra mim, é um contínuo processo de re-embasbacamento.
Conheci Tchecov aos 25 anos. Pensei: esse homem é o maior artista literário de todos os tempos.
Mas eu era jovem, tinha lido pouco, não sabia de nada. Décadas se passaram. Meus gostos mudaram. Continuei lendo alucinadamente.
Nenhuma das centenas de pessoas que li desde então nem mesmo ameaçou a liderança isolada de Tchecov como meu artista literário preferido.
Esse texto é para tentar explicar o porquê.
A Primeira Guerra Mundial efetivamente encerra o século XIX, ao matar, destruir, enterrar o otimismo e confiança no progresso que caracterizaram a Europa nesse período e que, hoje, nos parece tão estrangeiro, tão impossivelmente distante. O mundo do pós-guerra, mais cínico, mais desconfiado, mais machucado, mais violento, já é o nosso mundo, a nossa perspectiva, um jeito de pensar que já conseguimos mais reconhecer como nosso. Por isso, ao começar efetivamente a nossa época, também termina o nosso curso Introdução à Grande Conversa: um passeio pela história do ocidente através da literatura.
Os Estados Unidos, enquanto país, tem uma relação única com seus próprios ideais fundacionais.
Talvez a coisa mais dificil de entender sobre os EUA é que eles são, verdadeiramente, um caso único de nação fundada em torno de um ideal abstrato universalista que as suas habitantes ainda levam muito a sério.
Uma vez, me perguntaram quais eram meus três poetas favoritos. A resposta: Whitman, Whitman, Whitman.
A história das leituras de Martín Fierro, de José Hernández, é a própria história da literatura argentina, em eterna tensão entre civilização e barbárie.
A abordagem borgiana do já polêmico Martín Fierro não poderia deixar de ser também polêmica. Seus contos hernandianos (“Biografía de Tadeo Isidoro Cruz (1829-1874)” e “El Fin”) e gauchescos (“La Otra Muerte”, “El Sur”, etc) são vistos tanto como traições ao gênero gauchesco e ataques ao Martín Fierro, quanto como homenagens a essa tradição literária nacionalista. De qualquer modo, todos concordam que Borges corrige e reescreve o Martín Fierro. Mas como? Qual é o eixo dessa reescritura?
O ponto central do debate é um julgamento moral sobre as escolhas, atitudes e ações do personagem Martín Fierro. Será ele um herói forte e virtuoso ou um desertor brigão e hipócrita? Devem os argentinos tomar o Martín Fierro como ideal heróico? Merece Martín Fierro ser um modelo a ser seguido?
Nesse julgamento moral do gaúcho, o principal argumento da acusação são as atitudes de Martín Fierro em relação a dois negros. Em La Ida, enquanto está bêbado, ele puxa uma briga com um negro, o mata na frente de sua mulher e ainda a humilha. Em La Vuelta, o irmão do Negro desafia Martín Fierro para uma payada: o gaúcho aceita mas acaba fugindo do duelo que se seguiria.
Por que Hernández utiliza dois negros para ilustrar as duas ações mais baixas do seu personagem? Como esses dois negros, em especial o segundo, são mostrados pelo autor em comparação com o protagonista? Qual é a atitude de Martín Fierro em relação aos dois negros? Dentro do plano da obra, qual o significado dessas baixezas por parte do protagonista? Ou seja, por que Hernández faz seu protagonista cometer tamanhas atrocidades?
Na esteira dessas perguntas, analisaremos também o conto “El Fin”, de Jorge Luis Borges. Por que Borges escolhe justamente essa relação entre Fierro e o Moreno para glossar? De que modo a interação entre ambos personagens é diferente em Borges e em Hernández? Afinal, Martín Fierro é ou não um herói do povo argentino? Estudaremos a figura do negro em Martín Fierro, avaliaremos como essas personagens são tratadas na obra ensaística borgiana sobre o poema e, por fim, consideraremos a recriação que Borges executa do Moreno em seu conto “El Fin”.