As prisões são as bolas de ferro mentais e emocionais que arrastamos pela vida: as ideias pré-concebidas, as tradições mal explicadas, os costumes sem-sentido:
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Verdade
Dinheiro
Trabalho
Privilégio
Monogamia
Religião
Patriotismo
Obediência
Sucesso
Felicidade
Autossuficiência
Conhecimento
Eu
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A fonte de todas as prisões é o nosso próprio autocentramento e a única solução é mais atenção e mais cuidado. Por isso, proponho alguns Exercícios de Atenção:
1. Praticar um olhar generoso
2. Dar-se conta das pessoas
3. Ver na sua totalidade
4. Ouvir com atenção plena
5. Cultivar o não-conhecimento
6. Exercer a não-opinião
7. Não ser a constante
8. Colocar-se em outra pessoa
9. Escolher agir com cuidado
10. Visualizar o privilégio
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As Prisões (trechos)
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Prisão Verdade
A Verdade não é um valor inquestionável, mas sim uma ferramenta: útil em algumas ocasiões, inútil em outras.
As verdades que carrego dentro de mim foram ensinadas por pessoas que erravam e mentiam. Quando verbalizo uma dessas verdades, estou canalizando suas opiniões e seus preconceitos.
Por isso, hoje, em vez de tentar aprender novas verdades, busco me livrar das antigas.
Quando encontro uma Verdade em meu cérebro que não sei de onde veio, eu pergunto: “tenho certeza disso?”
(Leia a Prisão Verdade.)
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Prisão Religião
Religião é ideologia, ideologia é religião.
Não é que a religião seja um tipo de ideologia. Não é que a ideologia funcione como se fosse uma religião.
É que religião e ideologia são a mesma coisa: teorias abrangentes que utilizamos para fazer sentido da realidade, sejam elas o cristianismo ou o candomblé, o neoliberalismo ou o marxismo, o método científico ou a psicanálise freudiana.
Todas as pessoas, inclusive eu e você, enxergamos o mundo através de uma ou mais ideologias, e não há nada de errado nisso. (Pelo contrário, é impossível ser a-ideológico.)
É só quando não conseguimos enxergar além das barras de nossa ideologia que ela pode se
tornar uma prisão.
Infelizmente, quase ninguém consegue: a gente não acredita no que quer, mas no que PODE.
Um telescópio pode ser usado para enxergar galáxias a milhares de anos-luz de distância, mas nunca poderá ser usado para enxergar a si mesmo. Toda ideologia/religião dá conta de explicar o universo, mas não dá conta de explicar a si mesma.
(Leia a Prisão Religião.)
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Prisão Monogamia
A monogamia é uma prisão quando não é vista como uma escolha.
Afirmar que a monogamia é uma prisão não é uma crítica às pessoas que escolheram viver relacionamentos monogâmicos.
É uma crítica à monogamia enquanto sistema institucional hegemônico quasecompulsório, vendido por nossa sociedade, pelas religiões, pelas famílias e pelas comédias românticas como a única opção possível e concebível para se relacionar e constituir família, tachando de imorais, doentes e antiéticos todo e qualquer arranjo amoroso-sexual não-monogâmico.
Esse sistema nos convence de uma série de “verdades”. Entre elas, que só se pode amar uma pessoa de cada vez; que se amarmos realmente a-pessoa-que-está-conosco, nunca sentiremos tesão por outra; que as pessoas em um casal precisam suprir todas as necessidades afetivas, sexuais, emocionais, etc, uma da outra.
Mas nem todas as pessoas são assim.
Existem pessoas que, de fato, só amam uma pessoa de cada vez (e elas estão muito felizes em seus relacionamentos monogâmicos) mas também existem muitas que amam mais de uma pessoa de cada vez (e essas estarão mais felizes em relacionamentos nãomonogâmicos).
Quando as pessoas entram em um relacionamento monogâmico não porque escolheram a monogamia entre um sem-número de possíveis arranjos não-monogâmicos que poderiam ter escolhido, mas simplesmente porque nunca se deram conta de que havia opções possíveis fora da monogamia, então, sim, nesses casos a monogamia pode ser uma prisão.
(Leia a Prisão Monogamia.)
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Prisão Trabalho
O trabalho não é, por definição, aprisionante e terrível.
Somos seres construtores, produtivos. Idealmente, o trabalho nos permite dar vazão ao nosso afã criador e, ao mesmo tempo, ganhar o dinheiro que precisamos para viver nossa vida e realizar nossos projetos pessoais.
Muitas vezes, entretanto, o trabalho custa caro: ele suga quase toda nossa energia vital e nos dá somente uns míseros tostões em troca.
Nesses casos, sim, o trabalho é uma prisão.
(Leia a Prisão Trabalho.)
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Prisão Dinheiro
O dinheiro não é o vilão.
Ele nos permite viver, realizar nossos sonhos, e até salva nossa vida quando precisamos.
Ter dinheiro é uma das formas mais concretas de ser livre.
Entretanto, se o colocamos no centro de nosso universo, ele pode sim se tornar uma prisão.
(Leia a Prisão Dinheiro.)
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Prisão Privilégio
Estamos algemadas à Prisão Privilégio quando simplesmente nos recusamos a encarar e reconhecer nossos privilégios, mesmo quando eles estão em nossa cara, gritando e bufando.
Quando pergunto se as pessoas são ricas, elas ou dão respostas abstratas (“sou rico em oportunidades”) ou negam (“olha, eu até ganho bem, mas não me considero rica porque não consigo comprar tudo o que eu quero.”).
Ninguém acha que é rica, ou que é privilegiada, pois isso acarretaria obrigações sociais que queremos evitar, uma autoimagem da qual fugimos.
O privilegiado é sempre um outro.
(Leia a Prisão Privilégio.)
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Prisão Patriotismo
É deliciosa a sensação de irmandade que nos acolhe quando estamos em nossa terra, cercadas de iguais, praticando nossos costumes, ouvindo nossa língua, nosso sotaque.
É reconfortante fazermos parte de um estado-nação que nos reconhece como pessoas cidadãs, que garante nossos direitos humanos fundamentais, que nos fornece um passaporte aceito por outras nações.
Infelizmente, essa nossa sensação de comunidade, que não é menos real, concreta e verdadeira por ter sido imaginada, fabricada, construída, muitas vezes nos leva a odiar ou desprezar as outras pessoas que não nasceram no nosso chão, que tem outros costumes, outras línguas, outros sotaques.
Então, se amamos exaltadamente essas abstrações políticas imaginárias, com seus simbolozinhos e musiquinhas; se nos dispomos a matar e morrer por elas; se engolimos acriticamente o discurso nacionalista-excludente do “ame-o ou deixe-o”, então, sim, o patriotismo pode ser uma prisão.
(Leia a Prisão Patriotismo.)
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Prisão Obediência
Existem muitas ilusões às quais nos apegamos para poder funcionar como pessoas humanas.
Uma das maiores delas é a de que existe algo que possamos fazer para não encherem mais o nosso saco, para a família parar de se meter em nossa vida, para o mundo finalmente ficar satisfeito com nossas escolhas.
Mas não existe.
O mundo é como um namorado ciumento. Se usarmos uma saia mais longa, ele não vai ficar satisfeito com sua namorada obediente e pudica: vai querer mandar no nosso decote.
A obediência, além de ser uma prisão, simplesmente não funciona.
(Leia a Prisão Obediência.)
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Prisão Sucesso
Muitas pessoas buscam fugir da mediocridade e ambicionam o sucesso.
Mas… fugir de qual mediocridade? Ambicionar qual sucesso?
Quando nossa definição de mediocridade é externa, quando nossos critérios de sucesso não foram escolhidos por nós, então até mesmo ser bem sucedida pode ser uma prisão.
Talvez as pessoas mais bem-sucedidas sejam justamente as mais medíocres.
Talvez a resposta seja transcender essa dicotomia cartesiana entre sucesso e mediocridade.
(Leia a Prisão Sucesso.)
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Prisão Felicidade
Nossa própria felicidade individual é vendida de forma quase unânime por nossos pais, por nossa cultura, por nossa publicidade, até por grande parte de nossas filosofias e religiões, como sendo o mais importante objetivo último da vida de qualquer pessoa.
Por isso, para muitas de nós, é extremamente difícil perceber que essa felicidade compulsória pode ser uma prisão, e ainda mais difícil conceber que podem existir outros objetivos de vida igualmente válidos.
Uma amiga explicou que, para ela, sua felicidade individual era o critério que utilizava para saber se uma coisa era boa ou não. Por exemplo:
“Ajudo ou não a minha amiga? Qual é a opção que me fará uma pessoa mais feliz? Acho que serei mais feliz se ajudá-la, logo ajudá-la é bom.”
Do ponto de vista de minha amiga, se excluísse a felicidade como fim último, não teria como saber se uma ação possível a se tomar era boa ou não, ou se as consequências dessa ação eram desejáveis ou não.
A Prisão Felicidade é justamente isso: não é escolhermos a felicidade como o objetivo último de nossas vidas (afinal, todas temos o direito de vivermos em função do que quisermos) mas sim não conseguimos enxergar nenhum outro objetivo último possível para nossas vidas que não seja a nossa própria felicidade individual.
Se não existe opção à felicidade, então a felicidade, automaticamente, por definição, é uma prisão.
(Leia a Prisão Felicidade.)
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Os Exercícios de Atenção
Poucos conselhos são mais canalhas do que “seja você mesma”. A maioria dos problemas do mundo veio de pessoas que estavam simplesmente “sendo elas mesmas”.
Mais importante do que sermos nós mesmas é sermos quem queremos ser.
Todas as forças do universo nos impelem a nos conformar, a aceitar as regras do mundo, a ceder, nos moldar. Ser a pessoa que queremos ser é uma das tarefas mais difíceis do mundo. É uma luta diária, surda, interna, contra nossos próprios preconceitos, nossas mesquinharias, nossos egoísmos.
Ser quem queremos ser é o mínimo que devemos a nós mesmas. Se não somos nem isso, então não somos nada.
Decidir ser uma pessoa mais empática, entretanto, é fácil.
Ser de fato uma pessoa mais empática, todos os dias, sistematicamente, é muito mais difícil.
Daí os exercícios de empatia. Afinal, já exercitamos tanta coisa, da memória ao abdômen, por que não a empatia?
(Leia os Exercícios de Atenção.)
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