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Quais são as Prisões, uma por uma

Está começando em agosto de 2024 uma nova turma do Curso das Prisões. Meu curso principal. Com o produto de mais de vinte anos de reflexões. (Saiba mais sobre o curso aqui.)

Mas, afinal, o que são essas tais Prisões sobre as quais eu tanto falo, tanto escrevo, há tanto tempo?

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Prisão Liberdade

Quem busca um curso chamado de As Prisões, quem tenta viver a não-monogamia na prática, entre muitos outros exemplos, tendem a ser pessoas com um interesse acima do normal em liberdade, ou, mais especificamente, em sua própria liberdade. Sentem-se tolhidas por amarras, cadeias, costumes — eu chamo de “Prisões” — e desejam ser mais livres.

Mas, paradoxalmente, a busca pela liberdade também pode ser uma prisão. A chave é lutarmos não pela liberdade de realizar nossos desejos, como uma vela que vai onde o vento sopra, mas sim pela liberdade de podermos escolher novos desejos, como o leme que determina o rumo a seguir. A verdadeira liberdade não é negativa, ou seja, estarmos livres de interferências externas, mas sim positiva: sermos livres para pautarmos nossos próprios atos.

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Prisão Monogamia

Nada pode ser mais capitalista e individualista do que a família nuclear monogâmica, com pessoas fechadas em grupos cada vez menores, exclusivos, isolados. Falar em não-monogamia é destravar a possibilidade de criarmos novos tipos de relacionamento, inclusive não-sexuais. E não tem como falar de relações românticas ou sexuais, de monogamia ou não monogamia, sem encarar de frente o fato de que, em nossa sociedade misógina, toda relação homem-mulher é sempre assimétrica.

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Prisão Autossuficiência

Um dos motivos que nos leva a querer trabalhar tanto para juntar tanto dinheiro é uma busca desesperada pela pretensa segurança da autossuficiência. Afinal, ninguém quer depender dos outros, não é? Como posso ser livre se não sou independente?

Nossa ânsia por autossuficiência não é acidental: apesar de sermos uma espécie gregária, apesar de nosso maior superpoder ser nossa capacidade única de nos unirmos para trabalharmos juntas em prol de objetivos comuns, o capitalismo nunca para de nos vender a autossuficiência como uma das qualidades mais importantes da vida.

Não é difícil de entender o porquê. Quem está bem inserida em sua comunidade, quem dispõe de uma extensa rede de apoio, pode resolver seus problemas comunitariamente – eu pinto sua parede, você me leva no aeroporto. Entretanto, se somos autossuficientes, ou seja, se estamos isoladas, todos os serviços precisam ser comprados, do Uber ao Marido de Aluguel.

Como parte da ideologia capitalista, a sociedade nos vende um ideal de autossuficiência individual que, além de impossível e indesejável, nos impede de enxergar a interdependência de todos os seres. Somos intensamente gregárias: não temos como não nos importar com a opinião das pessoas à nossa volta, não temos como não ser influenciadas e pautadas por elas. Mas temos sim como escolher quem serão essas pessoas que estarão a nossa volta.

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Prisão Trabalho

O problema não é o dinheiro: todas precisamos de dinheiro, ele garante nossa liberdade e nos permite viver nossas vidas nos nossos próprios termos. O problema não é o trabalho: somos seres criativos, gostamos, precisamos trabalhar, produzir, criar. O problema é só trabalharmos em prol dos projetos de outras pessoas, ao invés ou dos nossos projetos pessoais ou de projetos coletivos que nos sejam importantes. O problema é fazermos isso por muito tempo e por pouco dinheiro, que modo que não nos sobra nem tempo nem energia para nossos próprios projetos. Então, sim, tanto o trabalho quanto o dinheiro podem se tornar prisões.

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Prisão Patriotismo

Se nossa identidade de classe nos aprisiona, nossas muitas identidades tribais também. Mas faz sentido isso? Além da nossa criação, existe uma essência brasileira, baiana, carioca? Somos seres gregários que só sabem existir em grupos, mas como existir coletivamente sem xenofobia contra outros coletivos?

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Prisão Classe

Estamos algemadas à Prisão Classe quando simplesmente nos recusamos a encarar e reconhecer nossos privilégios de classe, mesmo quando eles estão em nossa cara, gritando e bufando.

Quando pergunto se as pessoas são ricas, elas ou dão respostas abstratas (“sou rico em oportunidades”) ou negam (“olha, eu até ganho bem, mas não me considero rica porque não consigo comprar tudo o que eu quero.”). Ninguém acha que é rica, ou que é privilegiada, pois isso acarretaria obrigações sociais que queremos evitar, uma autoimagem da qual fugimos. O privilegiado é sempre um Outro.

Mais ainda, nenhum privilégio de classe é apenas um privilégio de classe. Pois a distinções de classe permeiam tudo nessa nossa sociedade tão desigual. As mulheres ganham menos que os homens. As pessoas negras ganham menos que as pessoas brancas. Todos os privilégios são, fundamentalmente, privilégios de classe, desfrutados com maior ou menor intensidade dependendo de nossa classe social.

Por isso, é tão engraçado quando algum negacionista do racismo, já sem argumentos, diz: “Bem, mas isso não é uma questão racial, é uma questão econômica!” O que equivale a dizer: “Isso não é uma questão culinária, é uma questão gastronômica!” O racismo e a misoginia também são questões econômicas. Também são questões de classe.

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Prisão Religião

Religião é ideologia, ideologia é religião. Não é que a religião seja um tipo de ideologia. Não é que a ideologia funcione como se fosse uma religião. É que religião e ideologia são a mesma coisa: teorias abrangentes que utilizamos para fazer sentido da realidade, sejam elas o cristianismo ou o candomblé, o liberalismo ou o marxismo, o método científico ou a psicanálise freudiana.

Todas as pessoas, inclusive eu e você, enxergamos o mundo através de uma ou mais ideologias, e não há nada de errado nisso. (Pelo contrário, é impossível ser a-ideológico.) É só quando não conseguimos enxergar além das barras de nossa ideologia que ela pode se tornar uma prisão. Infelizmente, quase ninguém consegue: a gente não acredita no que quer, mas no que pode.

Um telescópio pode ser usado para enxergar galáxias a milhares de anos-luz de distância, mas nunca poderá ser usado para enxergar a si mesmo. Toda ideologia/religião dá conta de explicar o universo, mas não dá conta de explicar a si mesma. Toda ideologia/religião pode questionar ou interpelar tudo, menos suas próprias certezas fundantes.

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Prisão Verdade

Para podermos nos libertar de nossas Prisões, precisamos primeiro conhecê-las. Como identificá-las com certeza? O que é uma Prisão de verdade?

Infelizmente, a primeira Prisão é justamente a caixinha de ferramentas que utilizamos para apreender as Prisões: o conhecimento, a certeza e, enfim, a Verdade.