em 2003, entrei na internet para publicar os primeiros textos da série “as prisões“.
na época, criei para mim a narrativa de ser um escritor “liberal”, “libertário”, “libertino”, que pensava e escrevia o que bem entendia, doa a quem doer, etc.
ao longo dos anos, dia a dia, texto a texto, sempre em público, essa narrativa foi mudando.
enquanto isso, fui morar no exterior e pude observar as mazelas sociais do brasil de longe, ao mesmo tempo em que senti na pele os efeitos da enorme tragédia social que foi o furacão katrina.
hoje, para minha surpresa, percebo que criei para mim uma nova narrativa: a de que sou uma pessoa ruim, narcisista, vaidosa, egocêntrica, mas que tenta ser uma pessoa melhor, mais aberta, mais generosa, mais empática.
apesar de muitos deslizes pessoais da minha parte, as pessoas de modo geral acreditam nessa narrativa: quando me encontram ou interagem comigo, essa é a pessoa que esperam que eu seja.
por isso, mesmo nos dias em que não estou com saco de ser generoso ou empático, às vezes à minha revelia, acabo me vendo obrigado a me comportar de maneira a confirmar e sustentar essa narrativa.
então, ao agir de acordo com essa narrativa, eu acabo corporificando essa narrativa, reforçando e confirmando as expectativas alheias sobre mim, e criando assim um loop que se retroalimenta:
em minha próxima interação humana, será ainda mais difícil que eu escape dessa narrativa que eu mesmo criei e que eu, assim, corporifico.