Categorias
textos

corporificando a narrativa

ao agir de acordo com a narrativa que criei para mim, eu reforço as expectativas alheias, corporifico essa narrativa e crio assim um loop que se retroalimenta.

em 2003, entrei na internet para publicar os primeiros textos da série “as prisões“.

na época, criei para mim a narrativa de ser um escritor “liberal”, “libertário”, “libertino”, que pensava e escrevia o que bem entendia, doa a quem doer, etc.

ao longo dos anos, dia a dia, texto a texto, sempre em público, essa narrativa foi mudando.

enquanto isso, fui morar no exterior e pude observar as mazelas sociais do brasil de longe, ao mesmo tempo em que senti na pele os efeitos da enorme tragédia social que foi o furacão katrina.

hoje, para minha surpresa, percebo que criei para mim uma nova narrativa: a de que sou uma pessoa ruim, narcisista, vaidosa, egocêntrica, mas que tenta ser uma pessoa melhor, mais aberta, mais generosa, mais empática.

apesar de muitos deslizes pessoais da minha parte, as pessoas de modo geral acreditam nessa narrativa: quando me encontram ou interagem comigo, essa é a pessoa que esperam que eu seja.

por isso, mesmo nos dias em que não estou com saco de ser generoso ou empático, às vezes à minha revelia, acabo me vendo obrigado a me comportar de maneira a confirmar e sustentar essa narrativa.

então, ao agir de acordo com essa narrativa, eu acabo corporificando essa narrativa, reforçando e confirmando as expectativas alheias sobre mim, e criando assim um loop que se retroalimenta:

em minha próxima interação humana, será ainda mais difícil que eu escape dessa narrativa que eu mesmo criei e que eu, assim, corporifico.

* * *

de vez em quando, entre as pessoas que saem da minha newsletter, vejo nomes de pessoas leitoras que reconheço de comentários no meu blog de dez anos atrás, e penso:

“pronto, finalmente fui longe demais!”

e silenciosamente, como numa prece muda, agradeço a ela por ter me acompanhado até aqui.

* * *

os quatro votos do bodhisattva

1. as criações são inumeráveis, faço o voto de libertá-las;
2. as ilusões são inexauríveis, faço o voto de transformá-las;
3. a realidade é ilimitada, faço o voto de percebê-la;
4. o caminho do despertar é insuperável, faço o voto de corporificá-lo.

(fonte)

* * *

exploro essas questões no nono exercício de empatia, escolher agir com empatia.

nos últimos meses, tenho lido bastante sobre psicologia, livre-arbítrio, liberdade, cognição, e estou cada vez mais fascinado pelo poder das narrativas pessoais em nossas vidas. esse livro excelente faz um exemplo apanhado da nova literatura sobre isso: redirect: the surprising new science of psychological change.

por fim, meu depoimento completo sobre o furacão katrina: katrina, dez anos.

leia também o meu aviso de ficcionalidade.

* * *

o próximo encontro “as prisões” será no rio de janeiro, na minha casa, no domingo 22 de maio, das 8h às 23h. o preço sugerido é de r$89. inscreva-se.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *