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O cristianismo, de esquerda

Não existe nada anticristão na esquerda, nem antiesquerda no cristianismo. Se a esquerda não incorporar o discurso religioso, especificamente o cristão, especificamente no que tem de mais esquerdistas e igualitário, ela estará fadada a perder todas as eleições em um país majoritariamente religioso e cristão.

O PSOL indicou um pastor evangélico para concorrer à prefeitura do RJ e um amigo querido comentou, sem dúvida ecoando muitos outros:

“A TEOLOGIA CRISTÃ é incompatível com a militância de esquerda que o PSOL NOS PROMETEU DEFENDER!”

O pastor ainda não concordou e, enquanto isso, eu, ateu historiador, monge zen esquerdista, me permito discordar.

Os profetas hebraicos foram algumas das primeiras vozes a se erguer contra o sistema econômico e defendendo os direitos dos mais fracos.

(Sobre isso, gosto muito de dois livros de José Luiz Sicre Díaz: Introdução ao profetismo bíblico e Com os Pobres da Terra. A Justiça Social nos Profetas de Israel, e também do maravilhoso The Prophets de Abraham Heschel, que me tirou o fôlego.)

A única vez em que Jesus perdeu as estribeiras foi quando encontrou gente ganhando dinheiro nas dependências do templo.

A mensagem central dos profetas judeus e de Jesus é esquerdista na raiz, coletivista e igualitária do começo ao fim.

Foi Paulo de Tarso quem começou a perverter a mensagem de Jesus e, depois, a Igreja, quando se institucionalizou, terminou o serviço. (Falo mais sobre isso aqui.)

No Brasil, a bandeira do estado laico e da liberdade religiosa foi levantada e mantida pelas igrejas protestantes durante décadas e décadas até finalmente virar lei. ninguém defendeu mais separação igreja-estado do que eles.

(Sobre isso, dois artigos: O protestantismo e a Construção do Estado Laico brasileiro: Uma Breve Abordagem do Processo Histórico & A liberdade religiosa nas constituições brasileiras e o desenvolvimento da Igreja Protestante.)

Nosso momento atual é uma distorção histórica bizarra, que cabe às pessoas esquerdistas e cristãs tentarem reverter.

A maioria da população brasileira é cristã, e diz que religião é importante em sua vida. No Brasil, o Rio de Janeiro é o estado com mais evangélicos.

Por isso, a estratégia do PSOL é brilhante. Não vai ganhar, mas se só amealhar protestantes e cristãs simpatizantes para o lado da esquerda, já será meio caminho andado para ganhar as próximas.

Não existe nada anticristão na esquerda, nem antiesquerda no cristianismo. Se a esquerda não incorporar o discurso religioso, especificamente o cristão, especificamente no que tem de mais esquerdistas e igualitário, ela estará fadada a perder todas as eleições em um país majoritariamente religioso e cristão.

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Atualmente, os meus escritores e teóricos esquerdistas preferidos são os que falam a partir do cristianismo, como Harvey Cox e Franz Hinkelammert. Alguns links:

Market as god, de Harvey Cox

There is, however, one contradiction between the religion of The Market and the traditional religions that seems to be insurmountable. All of the traditional religions teach that human beings are finite creatures and that there are limits to any earthly enterprise. A Japanese Zen master once said to his disciples as he was dying, “I have learned only one thing in life: how much is enough.” He would find no niche in the chapel of The Market, for whom the First Commandment is “There is never enough.” Like the proverbial shark that stops moving, The Market that stops expanding dies. That could happen. If it does, then Nietzsche will have been right after all. He will just have had the wrong God in mind.

A rebelião dos limites: entrevista com Franz Hinkelammert

O problema reside no fato de que, até 40 anos atrás, havia uma ideia disponível sobre o socialismo, sabia-se o que deveria ser feito. Mas hoje, não. Estamos todos submersos na mesma questão, e na condição de críticos podemos trazer à luz o que falta, o que não foi solucionado, mas “como enfrentá-lo” continua sendo uma questão enigmática. Há propostas muito razoáveis, mas são parciais. E, muitas vezes (e não se entenda como uma queixa), são lembranças do Estado de Bem-estar, que é mil vezes preferível ao que temos, mas que mostrou seus limites.

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Religião e política em quatro textos

O absurdo da religiao

Quanto mais conheço mais e mais pessoas que dedicam suas vidas a idolatrar o deus-consumo, mais e mais respeito as pessoas que dedicam suas vidas a idolatrar os deuses de antigamente. Minhas amigas meio-intelectuais meio-de-esquerda gostam de fazer pouco de padres, esses adultos que fizeram voto de castidade e dedicam suas vidas a cumprir as pretensas vontades de seu amigo imaginário no céu. Mas, hoje em dia, me parece muito pior, muito mais infantil, muito mais indefensável, dedicarmos nossas vidas a fazer outras pessoas consumirem mais e mais produtos, em troca de salários com os quais compraremos mais e mais desses mesmos produtos.

O amor é político

Quanto mais leio e quanto mais reflito, quanto mais luto e quanto mais envelheço, mais percebo que falar de luta política e de mudança social sem falar de amor e de cuidado é inócuo, é vazio, é inconsequente. Da mesma maneira, falar de amor e de cuidado sem falar de luta política e de mudança social é pior que inócuo: é reacionário, é conservador, é conformista. Por isso, depois de muito pensar, apesar de toda minha simpatia pelo partido, não me filiei ao PSOL e sim me ordenei Irmão em uma ordem zen. Depois de muitas andanças, escolhi transitar entre pessoas, inteligentes e politizadas, para quem o amor é uma prioridade política, um gesto transformador, uma atitude revolucionária. Esse hoje é o meu mundo.

A religião é um espelho

Se posso fazer a escolha de ler a Bíblia assim, então, posso fazer a escolha de ler qualquer livro assim. Posso fazer a escolha de ler o livro do mundo assim. Posso fazer a escolha de ler as pessoas à minha volta assim. De fato, quando alguém fala comigo, esbarra na rua, critica meu livro, é sempre possível que a pessoa esteja me atacando, me insultando, me ofendendo. Mas, se houver alguma possibilidade de não estar, se houver alguma interpretação positiva possível, será essa que escolherei. Posso fazer a escolha de sempre presumir o melhor.

Um escritor no campo de concentração

Uma religião é uma visão de mundo e uma cosmogonia: minha religião influencia como me alimento e como me visto, como escrevo textos e como ouço pessoas. A religião, se for um chapéu que escolhemos usar ou não usar, dependendo do nosso estado de espírito, dependendo do clima lá fora, não é religião. Se a religião não arregaça a nossa vida pelo avesso, se não influencia quem somos e como agimos de uma maneira profunda e fundamental, então não é religião: é um hobby.

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O cristianismo, de esquerda é um texto no site do Alex Castro, publicado no dia 20 de maio de 2020, disponível na URL: alexcastro.com.br/cristianismo-de-esquerda // Se gostou, repasse para as pessoas amigas ou me siga nas redes sociais: Newsletter, Instagram, Facebook, Twitter, Goodreads. Esse, e todos os meus textos, só foram escritos graças à generosidade das pessoas mecenas. Se gostou muito, considere contribuir: alexcastro.com.br/mecenato

Uma resposta em “O cristianismo, de esquerda”

Achei seu texto fofinho, interessante. Infelizmente, os evangélicos, atualmente, subverteram a visão de socialismo da religião, subverteram inclusive o objetivo inicial da sua própria religião: o que vemos são pessoas vendendo coisas ungidas, ganhando muito dinheiro de pessoas pobres e apoiando fascistas. Fica difícil separá-los dos cristãos que não citam Deus em vão e sabem o que Jesus veio fazer na Terra. Na igreja católica parece que ainda se vive na aristocracia Deus, família e propriedade. Fica difícil comungar com esse conservadorismo. Sim, existem exceções, é possível haver essa comunicação entre religião e política, mas por que então nunca demos crédito à Marina Silva, por exemplo? Enfim, espero que a bancada evangélica desapareça logo.

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