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aula 07: reforma paraíso perdido

Paraíso Perdido, de John Milton

Na tensão interna de Paraíso Perdido, oscilando entre a religiosidade e a rebeldia, estão resumidas as grandes questões que animaram as revoluções europeias.

Paraíso Perdido é a história de uma revolta: Satã se levanta contra a tirania de Deus, tenta derrubá-lo, perde e é lançado aos abismos do inferno, depois de cair por nove dias e nove noites. Ainda revoltado, decide arruinar a Criação e oferece o fruto proibido a Eva.

O poema, que começa com a queda de Satã do Céu e termina com a Queda de toda a humanidade, no momento em que Adão e Eva são expulsos do Éden, poderia ser uma simples história carola, um fanfic da Bíblia, se não fosse contada pelo mais radical dos poetas.

A Revolução Francesa eclipsou a radicalidade da Revolução Inglesa, mas, um século antes, os ingleses já tinham feito o impensável: derrubaram e executaram seu rei e proclamaram uma República. John Milton, poeta radical, defensor da liberdade, apologista do divórcio, se tornou o principal propagandista no novo regime, encarregado de defendê-lo intelectualmente perante uma Europa de reis e rainhas horrorizados. A república teve duração efêmera, o filho do rei executado logo voltou ao trono e comandou um sangrento expurgo. Milton, velho e cego, escapou por pouco de uma execução humilhante, mas viu todos os seus sonhos, ambições e projetos serem destruídos. Nesse momento, escreve Paraíso Perdido.

O diabo deve tudo a Milton, escreveu Shelley. Escrito ostensivamente para exaltar Deus, Paraíso Perdido nos legou o maior rebelde da literatura, um personagem de infinito carisma. A Bíblia nunca nos informa as razões de Satã, mas Milton, sim. Em sua boca, estão articuladas todas as grandes questões políticas de sua época, e da nossa: quanta obediência devemos ao poder constituído? Quais são as obrigações do poder em relação aos seus dominados? É mais digna uma vida de revolta sem fim comparada à paz de uma submissão bovina? Ou, como bem coloca Satã, será melhor reinar no inferno do que obedecer no céu?

Nas palavras de Barbara Lewalski, Paraíso Perdido é um radical projeto pedagógico para nos educar sobre as virtudes, valores e atitudes que fazem um povo ser digno da liberdade.

Na insuportável tensão interna do poema, oscilando entre a religiosidade sincera de Milton e os seus ideais políticos revolucionários, estão resumidas as grandes questões religiosas e políticas que animaram a Reforma e a Contra-Reforma, as guerras religiosas na Europa, e todas as futuras revoluções cidadãs que abalariam a Europa, da Francesa à Russa.

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Existem três teorias principais sobre Paraíso Perdido, de Milton.

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Um poema religioso

A mais antiga, contemporânea ao poema, presume que Paraíso Perdido é o que diz ser: ou seja, um poema sobre a “primeira desobediência do homem”, sobre o “fruto da árvore proibida” e sobre o pecado inicial que trouxe a morte ao mundo.

É uma teoria bem possível. Além de constar do próprio poema, Milton também era um homem sinceramente muito religioso, puritano de raiz e versadíssimo na Bíblia.

(Mas, se era isso, como explicar a sedução do maravilhoso personagem Satã? Sustentam alguns estudiosos do século XX que, se Paraíso Perdido fosse realmente sobre isso, ele não teria mais nada a nos dizer, não se comunicaria mais conosco.)

Minha edição preferida e recomendada de Paradise Lost.

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Um poema político

Ao ler o poema, não é difícil de perceber que, enquanto Satã é um dos personagens mais fascinantes de todos os tempos, os outros, a começar por Deus e Jesus, são bastante apagados. No século XIX, alguns autores românticos (um movimento que valorizava o gótico e o macabro, a rebeldia e a insubmissão, e que era marcadamente antirreligioso) começam a defender que o herói do poema é Satã. Disse Blake: Milton, na verdade, era do partido do diabo. Disse Shelley: ninguém fez tanto pelo diabo quanto Milton.

É uma teoria bem possível. Milton também era um rebelde fracassado, que no começo do poema está exatamente na mesma posição de Satã, exilado e castigado por ter ousado desobedecer a autoridade máxima.

Paraíso Perdido seria, então, a desforra do perdedor insubmisso: o Deus insosso e tirânico do poema representaria o rei vitorioso que esmagara o experimento republicano inglês, e Satã seria o alter-ego de Milton, defendendo todas as teses republicanas pelas quais Milton arriscara a vida e que agora não podiam mais nem mesmo ser articuladas.

(Mas, se for isso, como explicar o final ignóbil e fraco de Satã? E que cada uma de suas maravilhosas falas é sempre imediatamente contradita e negada pela voz narrativa? Será tudo disfarce de Milton?)

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Um poema pedagógico

Durante mais de cem anos, ambas as posições (irreconciliáveis) travaram uma verdadeira batalha literária, cada lado considerando que o outro estava fazendo uma desleitura severa do poema. Naturalmente, como se pode adivinhar, os grupos também se dividiam por política e religião: os defensores da primeira teoria tendiam a ser mais religiosos e mais de direita; os da segunda, mais antirreligiosos e mais de esquerda.

Na década de 1960, surge uma nova teoria que tem a virtude de, pelo menos, conciliar os irreconciliáveis. Stanley Fish defende que, na verdade, Paraíso Perdido é um poema sobre a pessoa leitora e seus processos mentais; ou seja, é um poema pedagógico.

Milton, de fato, era o homem religioso que sabemos que era. O objetivo do poema seria demonstrar, na prática, o quão fácil era se deixar levar pela sedução do mal. Por isso, Satã seria tão sedutor, tão eloqüente, justamente para nos seduzir, nos levar, nos convencer. E, logo depois, a voz narrativa nos acordaria:

“Atenção! Está percebendo o que acabou de acontecer?! Você se pegou concordando com os argumentos do diabo! Olha aqui porque eles não fazem sentido, pelas razões A, B e C, etc.”

Esse mecanismo se repete múltiplas vezes: primeiro, o poema nos seduz; depois, nos humilha por termos nos deixado seduzir; e, por fim, nos mostra o que considera a sua verdade.

Essa teoria também explica algo antes inexplicável: por que Satã vai se deteriorando enquanto personagem? (No começo, ele está em seu mais sedutor, republicano, paladino da liberdade, herói solitário. A medida que o poema avança, porém, suas qualidades vão sumindo e ele se mostra cada vez mais invejoso, mesquinho, pequeno.) A resposta, naturalmente, é que, nós, pessoas leitoras, educadas pelo poema, conseguimos finalmente enxergar sua verdadeira natureza.

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Vale a pena sempre lembrar: essas são apenas três teorias sobre o poema. Nenhuma é intrinsecamente melhor que outra. Nenhuma é idiota, errada, tola. Todas têm seus méritos e foram defendidas por gente muito mais culta, inteligente, perceptiva que nós. Naturalmente, nada nos impede de concordar com qualquer uma dessas, ou com todas, ou com outras. Literatura é isso.

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Vida de Milton

Em nenhum outro épico, o autor introduz a si mesmo, e sua história pessoal, de forma tão intensa e concreta quanto Milton em Paraíso Perdido. Ele era um jovem muito intenso e muito religioso, que tinha plano de virar pastor, mas acabou desistindo, porque a Igreja Anglicana tomou um rumo que discordava, muito crítica ao Puritanismo que defendia. Então, em dúvida, atormentado, na verdade, entre seguir carreira poética (que significava ser sustentado pelo pai) ou carreira religiosa, acaba decidindo se dedicar à poesia, mas resolve o impasse decidindo que será um poeta religioso, que cantará a Deus, as glórias de Deus, etc. Ele também lutou por toda sua juventude contra seus desejos sexuais, pois achava que o correto era casar virgem. Em 1638, e o Milton, com 30 anos, teoricamente ainda virgem, ainda sustentado pelo pai, nunca tendo trabalhado, está prestes a embarcar em seu obrigatório tour pelo continente.

Milton era, basicamente, um tuiteiro. Ele fica famoso durante algo que chamamos de “guerra dos panfletos”, antes e durante a Guerra Civil, basicamente por defender três opiniões polêmicas (e, de certo modo, autocentradas): logo depois de ser abandonado pela esposa depois de um mês de casamento, defende o divórcio em casos de incompatibilidade; enquanto o rei estava sendo julgado, defende que cidadãos tenham o direito de executar um rei (executaram); por fim, enquanto escrevia esses panfletos e respondia e re-respondia todos os virulentos panfletos em resposta, defende liberdade de imprensa, que as opiniões diferentes possam ser ouvidas no mercado público das ideias.

(Na época, não existia o que chamamos de “imprensa”, ou seja, jornais, jornalistas, jornalismo. A liberdade de imprensa que menciona é que qualquer cidadão deveria poder ir numa imprensa, ou seja, numa gráfica, imprimir panfletos com suas opiniões e distribuí-los, sem precisar de autorização prévia do censor.)

A fama que Milton adquire nesses polêmicas é que leva ao convite de ser algo como “Porta-Voz para o Exterior” do novo regime revolucionário. Ao cortar fora a cabeça do Rei, o novo regime deixara a Europa inteira apavorada e escandalizada. (Não temos como mensurar hoje o horror que isso deve ter causado. Reis eram a manifestação da vontade de Deus na terra. Matá-lo era, de certa maneira, ir contra a ordem natural das coisas.) O trabalho de Milton era cuidar da comunicação com governos estrangeiros, explicar as razões do novo regime, manter os acordos e tratados. Nessa época, ao 36 anos, ele já estava cego de um olho e ficando cego do outro.

O primeiro casamento de Milton é inseparável da Guerra Civil. Um mês antes de eclodir a guerra, Milton, um virgem de trinta e muitos, se casa de repente com uma moça de Oxford. Ela vai morar com ele em Londres. Infelizmente, a família da noiva apoiava o Rei; Milton, o parlamento. Um mês depois do casamento, a esposa volta para a casa dos pais para o que seria uma breve visita. Mas o tempo passa e ela não volta. Nesse meio tempo, o rei escolheu Oxford como seu QG e deu início às hostilidades contra o parlamento, em Londres. Ou seja, Milton não tinha nem mais como visitar Oxford ou buscar a esposa.

Existem várias explicações para o fracasso do casamento. Desde uma verdadeira incompatibilidade de gênios até questões políticas: não seria adequado, naquele momento, para a família da esposa, ter um parlamentarista na família. Três anos depois, quando a maré da guerra vira e o rei abandona Oxford (ele em breve seria capturado e executado pelo parlamento), a família da noiva passa a considerar que ter um genro parlamentarista agora é uma grande vantagem. Ao final dos três anos de Guerra Civil, a esposa volta à casa de Milton. (Em breve, morrerá no parto, deixando-o viúvo.)

Depois da queda do regime, todos os piores medos políticos de Milton se realizam (seus melhores amigos e colegas são mortos, o anglicanismo triunfa, o rei retorna, todas as formas de oposição são reprimidas) mas seu pior medo pessoal não (apesar de ficar algumas semanas preso, ele não é executado). Na verdade, foi das melhores coisas que poderia nos ter acontecido: sem nenhuma possibilidade de ter uma vida política ou profissional, no auge de seus poderes poéticos e profissionais, só restou a Milton trabalhar em sua obra prima.

Milton, viúvo, cego, elaborava os versos de Paraíso Perdido em sua cabeça (entre 12 e 40 de cada vez) e ditava de manhã, para quem estivesse disponível. (Não eram só as filhas: havia muitos jovens fãs loucos pra ler ou anotar para o mestre e ouvir em primeira mão seus novos versos.) Se não havia ninguém disponível, ele ficava contrariado e dizia:

“Mas será possível que não tem ninguém aqui pra me ordenhar??!!”

(Barbara Lewalski, Life of Milton)

Milton e a Revolução Inglesa

A revolução inglesa é a primeira revolução moderna, precursora da Americana e da francesa. E Milton foi parte integrante dela. Ele é o maior poeta inglês que também era revolucionário, assim como o maior revolucionário inglês que também foi poeta. Como todos os homens de sua época, ele expressava idéias políticas de forma religiosa e idéias religiosas de forma política.

O puritanismo defendia que o conhecimento de Deus podia vir somente de um estudo da Bíblia. Ao substituir a hierarquia episcopal pelas escrituras como autoridade final, o puritanismo tirava o poder das mãos dos prelados e a colocava como monopólio da classe letrada. Em resposta a isso, os pobres, os analfabetos respondiam que não era o conhecimento formal mas a experiência espiritual interna que aproximavam o homem de Deus, que isso estava aberto a qualquer pessoa, de qualquer classe social. Daí surgiram os vários movimentos sociais protestantes ingleses. Milton, em sua atividade política e panfletária, defendeu ativamente essas causas. Depois da execução do rei, em 1649, Milton escreveu que era estúpido negar que todos os homens eram naturalmente nascidos livres, criados à imagem e semelhança de Deus, nascidos para comandar e não para obedecer:

“No man who knows ought, can be so stupid to deny that all men naturally were born free, being the image and resemblance of God himself, and were by privilege above all the creatures, born to command and not to obey … (The Tenure of Kings and Magistrates).”

Apesar de muitos enxergarem Satã como um rebelde, a verdade é que ele é um tirano também, e isso é demonstrado já nos primeiros livros, quando ele ainda está pagando de heroi. Ele faz os demônios se diminuírem para participarem do pandemônio; manipula as discussões, fazendo sua posição ser afirmada por outro; quando finalmente fala, encerra a discussão logo após para que ninguém possa objetar. (Ou seja, não é, como muitos sugerem, o modelo de um republicano que Milton queria promover, mas, pelo contrário, um pequeno tirano como tantos outros.)

A rebeldia e radicalismo de Milton estão escondidas em todas as entrelinhas do poema. Por exemplo, ele faz questão de mostrar que, ao contrário do dogma da época, seu Adão e sua Eva transavam no Paraíso, mas de maneira saudável e não pecaminosa:

Straight side by side were laid, nor tum’d I ween

Adam from his fair Spouse, nor Eve the Rites

Mysterious of connubial Love refus’d

Whatever Hypocrites austerely talk

Of purity and place and innocence

Defaming as impure what God declares

Pure. (IV 741-7)

E aproveita para, na sequência, fazer uma afirmação surpreendente e explosiva, dizendo que o casamento era a única propriedade, tudo mais era comum. Ou seja, o Paraíso era comunista:

Haile wedded Love, mysterious law, true source

Of human offspring, sole propriety

In Paradise of all things common else. (IV 750-2)

Desde a década pré-revolucionária de 1630, passando pelas décadas turbulentas de Guerra Civil e república, e incluindo os anos sombrios da restauração monárquica, Milton aparentemente manteve sempre seus ideais radicais e revolucionários. Assim que foi possível voltar a publicar panfletos políticos, em 1673, Milton voltou a escrever, textos sempre muito cuidadosos mas ainda combativos. É totalmente falsa a ideia de que ele, depois de velho e cego, ficou acomodado e conservador. Milton lutou até o fim.

Nesse contexto, Paraíso Perdido é uma tentativa de refletir e entender porque a causa de Milton, que ele considerava a causa de Deus, tinha sido tão espetacularmente mal-sucedida. “Como é possível?”, escreveu ele para um amigo, “Deus cuspiu na nossa cara!”. (Para Milton, não tinha sido nem Deus nem a Revolução a falhar, mas os homens é que tinham traído a causa de Deus.)

Quando os seus primeiros leitores encontraram Paraíso Perdido, é importante nos darmos conta do livro de quem estavam lendo. Para eles, seria impossível separar o texto em si da persona do autor como conheciam: Milton, o revolucionário radical, o puritano regicida, o polemista libertino. (Para nós, seria como, digamos, ler um livro escrito por Che Guevara. Como não ler o texto a partir da persona do Che Guevara que conhecemos?) Depois da Restauração, naturalmente, Milton manteve um perfil discreto, mas alimentava essas leituras. Por exemplo, no começo do livro VII, falando na persona do poeta-narrador, ele diz que “canta inalterado”, ou seja, ainda é o mesmo Milton republicano de sempre:

I sing… unchanged

To hoarse or mute, though fallenon evil days,

On evil days though fallen and evil tongues,

In darkness, and with dangers compassed round,

And solitude. (VII, 24-8)

Como interpretar esse “unchanged” que não como uma piscadela do autor a seus leitores? Deixando claro que ainda era o mesmo, que ainda mantinha as mesmas idéias, que seu silêncio era somente cautela?

(Milton and the English Revolution, Michael Wilding; Milton and the English Revolution, Christopher Hill)

Religião e política, ou religião política

Milton é, sem dúvida, o maior poeta político inglês. Mas só conseguiremos entendê-lo se entendermos como a religião, em sua época, era muito mais fundamentalmente política do que é hoje. A religião, em sua forma mais forte, na sociedade pré-capitalista, era substancialmente maior do que é hoje, ou seja, um mero hobby privado ou, no extremo, um subtexto ideológico entre tantos outros. Por outro lado, no mundo pré-secular e pré-cientifico, onde o próprio comercio em si é um fenômeno esporádico e limitado, a religião é texto ideológico dominante, é o texto-mor onde todos os outros assuntos, códigos, idéias são debatidos. (Para nós, é praticamente inconcebível, tanto que freqüentemente, diante de manifestações religiosas dos antigos, preferimos considerá-las hipocrisias do que conceber a possibilidade de um sentimento religioso tão forte, tão sincero.)

Na verdade, estamos acostumadas a pensar em religião em termos de crença. Mas crença é um fenômeno privatizado e subjetivo. Na verdade, o próprio conceito de crença é o que sobra depois da destruição e diluição do velho conceito de religião, que era simplesmente uma ideologia civilizacional que englobava tudo. Se entendermos as questões religiosas de Milton somente em termos de crença, estaremos tendo uma ideia muito limitada e reduzida de sua importância.

(Fredric Jameson, Religion and ideology: a political reading of Paradise Lost, em Paradise Lost, ed. Teskey, 488)

Os primeiros versos

Com incrível economia narrativa, já nos primeiros 26 versos Milton indica o seu tema: a desobediência e queda da humanidade; que sua fonte básica será o livro do Gênese; que essa falta será redimida por um Homem maior (Jesus); que está escrevendo um épico à moda clássica mas que pretende, com a ajuda de sua musa, que não é apenas grega, mas cristã, transcender essa fonte; que, autoconfiante, pretende escrever algo que nunca antes tinha sido escrito; que estava cego e precisava de luz; que seu fim último é pedagógico e teológico, explicar as maneiras de Deus aos homens.

Mais ainda, ao fazer diversas referências à Bíblia Hebraica, ao Novo Testamento e aos épicos clássicos, Milton consegue rapidamente amarrar em um único pacote os eixos principais da cultura ocidental que estamos estudando em nosso curso:

Of Man’s first disobedience and the fruit

Of that forbidden tree whose mortal taste

Brought death into the world and all our woe

With loss of Eden till one greater Man

Restore us and regain the blissful seat

Sing Heav’nly Muse, that on the secret top

Of Oreb or of Sinai didst inspire

That shepherd who first taught the chosen seed,

In the beginning, how the heav’ns and earth

Rose out of chaos. Or if Sion hill

Delight thee more and Siloa’s brook that flowed

Fast by the oracle of God, I thence

Invoke thy aid to my advent’rous song

That with no middle flight intends to soar

Above th’ Aonian mount while it pursues

Things unattempted yet in prose or rhyme.

And chiefly thou, O Spirit, that dost prefer

Before all temples th’ upright heart and pure

Instruct me, for thou know’st, thou from the first

Wast present and with mighty wings outspread

Dove-like sat’st brooding on the vast abyss

And mad’st it pregnant. What in me is dark

Illumine, what is low raise and support,

That to the heighth of this great argument

I may assert Eternal Providence

And justify the ways of God to men.

O começo de Paraíso Perdido

Poucas coisas são mais reveladoras do que o ponto onde uma artista escolhe começar e terminar a sua narração. Muitas vezes, é a melhor pista que ela nos dá sobre qual é a verdadeira história que teve a intenção de contar.

Milton, em seu épico cristão sobre “a primeira desobediência do homem”, poderia ter começado em diversos pontos, seja anteriores (na própria criação do mundo, ou na criação de Adão e Eva, etc) ou posteriores (no primeiro encontro de Satã com Eva, etc) mas escolhe começar com os demônios, largados pelo inferno depois do colapso de sua rebelião, completamente desorientados por uma derrota total que lhes pegou totalmente de surpresa, tentando entender o que houve, o que fazer, como prosseguir.

Qual outro autor escolheria exatamente esse momento? Impossível deixar de pensar que Milton, ao escrever essas linhas, acabara de passar por uma experiência muito parecida. Os demônios decidem se vingar de Deus corrompendo a humanidade; Milton decide escrever Paraíso Perdido. Talvez também para corromper a humanidade, por que não?

Esse momento que Milton estava vivendo quando escreve Paraíso Perdido, da derrota da revolução, da dissipação do ethos revolucionário, a volta das velhas instituições, de frustração e amargor, de autocrítica e introspecção envergonhada, de fatiga e despolitização, de ênfase na salvação pessoal e de repudiação do milenarismo, pode ser considerado, em medidas gerais, o mesmo momento que estão passando os demônios no começo de Paraíso Perdido.

(Fredric Jameson, Religion and ideology: a political reading of Paradise Lost, em Paradise Lost, ed. Teskey, 488)

Um anti-épico

Milton deu à narrativa do Gênese as dimensões épicas e imaginativas de uma Ilíada ou Eneida. Com materiais tomados emprestados da épica clássica, mas transcendendo-os, Milton transforma aquela seca narrativa hebraica em um magnífico, moderno épico cristão. (Roger Shattuck, Forbidden knowledge, 54)

Paraíso Perdido é repleto de citações a épicos anteriores, não apenas os antigos, como a Ilíada e a Eneida, mas também recentes épicos renascentistas, como The Faerie Queene, de Spenser (ele dizia que Spenser era o seu “original”); Jerusalem libertada, de Tasso, e até mesmo Os Lusíadas, de Camões. Esses épicos ensinavam que era possível escrever um novo tipo de épico para os novos tempos, ao mesmo tempo cristão e renascentista: Tasso, um épico cristão histórico, passado na idade média e cujo assunto eram as cruzadas; Spenser, um épico alegórico mas não por isso menos nacionalista; e Camões, o mais realista e o mais nacionalista dos épicos, ancorado em feitos históricos bem recentes.

Milton produz o épico moderno por definição, superando todos esses. Enquanto Spenser buscou uma via alegoria em The Faerie Queene e Camões, a patriótica/nacionalista, Milton encara o texto ocidental por definição, o texto fundador do Ocidente, o Gênese, e cria um poema épico de proporções cósmicas, onde grande parte da força dramática vem de uma fratura interna: a necessidade e a impossibilidade de capturar a totalidade do cosmos em um único poema. (Ayesha Ramachandran, “This Pendant World”, em Paradise Lost, ed. Teskey, 533)

De fato, Paraíso Perdido tem diversos pontos de contato com os épicos tradicionais. Invocações a musa, um começo no meio da ação, um herói orgulhoso e rebelde como Aquiles; um “catálogo” dos generais; conselhos e assembléias no céu e no inferno; poderes sobrenaturais; batalhas gigantescas, narrativas cósmicas que rememoram a criação do mundo e também profecias sobre o futuro. Mas, apesar de tudo isso, Paraíso Perdido é fundamentalmente anti-épico: aquele que a princípio parece seu grande herói, Satã, subverte e desconstrói todas as convenções do heroísmo épico; seus dois protagonistas são um singelo casal doméstico; a verdadeira ação se passa em um pacífico e pastoral jardim; o desafio do casal não é vencer, descobrir, desafiar, derrotar, mas simplesmente viver melhor, de forma plena, aperfeiçoar suas vidas, sua relação, seu jardim — e, por extensão, toda a humanidade.

Muitos leitores, ao ler os primeiros dois livros de Paraíso Perdido, consideram que Satã é o verdadeiro herói da história. Naturalmente, não é, e toda a narrativa subsequente desmonta essa ideia verso a verso. Na verdade, mesmo nos primeiros dois livros, mesmo para um leitor que não saiba quem é Satã, ou que chegue nele sem preconceitos, não faltam pistas conceituais subvertendo esse heroísmo. Mas, se os leitores pensam que Satã é o herói épico do poema, é somente porque Milton, de fato, constrói Satã exatamente nos mesmos moldes dos heróis épicos clássicos.

Ele se orgulha de uma teimosia orgulhosa digna de Aquiles (“fixt mind / And high disdain, from sense of injur’d merit”) (I, 97–8) e, como Turnus, na Eneida, ele jura vingança eterna e potente (“eternal Warr / Irreconcilable”) (I, 121–2) — apesar de não ter sofrido as injustiças que ambos sofreram. Ele se gaba de suas virtudes guerreiras (“our own right hand /Shall teach us highest deeds, by proof to try / Who is our equal”) (V, 864–6) — mas perde todas as batalhas que trava. Como Eneias, ele escapa de uma cidade em chamas (o inferno) para conquistar um novo mundo (a terra) — mas acaba descobrindo que leva o inferno consigo onde quer que vá. Como Ulisses, ele empreende uma viagem perigosa onde só pode contar com sua inteligência e esperteza, mas não para voltar à sua esposa e filho, embora acabe encontrando uma filha-mulher que nem mesmo reconhece e filho bastardo de sua união incestuosa com ela. Ele se enxerga como Prometeu trágico, agüentando com vontade indomável os castigos de um tirano divino implacável (I.108) — mas Prometeu é castigado por tentar ajudar a humanidade, enquanto ele quer gratuitamente corrompê-la. Afirma heroicamente que, com o poder de sua mente e de sua vontade, ele pode modificar o ambiente e adaptá-lo a si (“The mind is its own place, and in itself / Can make a Heav’n of Hell, a Hell of Heav’n”) (I, 254–5) mas acaba descobrindo o oposto: que onde quer que vá, aí será o inferno (“Which way I flie is Hell; my self am Hell”) (IV, 75). Ele entra em um Jardim do Amor e faz a corte a uma dama com elogios exagerados e corteses, mas não consegue nem amor romântico, nem prazer sensual, nem qualquer alívio ou consolo verdadeiros, e só sente ainda mais intensamente sua solidão e a dor de seus desejos insatisfeitos, frustrados (IV, 505).

Entretanto, ao associar o pai da mentira aos “moldes épicos clássicos”, o que Milton está fazendo é subverter essas virtudes. Na verdade, ele parece estar falando duas coisas, simultânea e alternadamente: em primeiro lugar, se essas virtudes épicas são tão facilmente articuladas e defendidas e encarnadas por Satã, então é porque essas virtudes não são realmente virtudes: se fossem, então, por definição, Satã não as adotaria. Temos que ter em mente que Milton sabia que seus leitores consideram Satã o pai de todo mal: então, associar qualquer coisa a Satã imediatamente “sujava” essa coisa por associação. (Da mesma maneira, hoje, quando algumas pessoas apontam que Hitler era vegetariano, isso é muito mais uma tentativa de criticar o vegetarianismo por associação do que uma afirmação sobre a pessoa de Hitler.)

Milton usa essas comparações não necessariamente para condenar a épica clássica, ou para exaltar Satã como herói, mas para demonstrar como o Mal pode ser atraente em todas as suas manifestações. Ao mostrar Satã se apropriando e pervertendo as qualidades mais apreciadas da épica clássica (ainda muito lida e valorizada), Milton está demonstrando como essas qualidades são corrompíveis, corrompidas, decaídas. Ou, em outras palavras, o valor do heroísmo épico clássico é corrompido justamente por sua disponibilidade de ser tão facilmente imitado e cooptado pelos demônios. Em oposição a isso, os modelos que Milton oferece são o amor sacrificial do Filho, a coragem moral de Abdiel, a resignação final de Adão e Eva.

Depois de Paraíso Perdido, o épico está efetivamente encerrado, esgotado como gênero literário viável. Daí em diante, ele é possível somente como sátira, como pastiche, como em The rape of lock, de Pope, ou Don Juan, de Byron.

(Barbara Lewalski, Life of Milton, Stanley Fish, Surprised by Sin.)

Um poema antiheroico

A intenção de Milton de subverter as qualidades épicas se revela mais fortemente no modo como o poema trata a guerra e as virtudes guerreiras. Em Paraíso Perdido, qualquer guerra, batalha, violência é pior que trágica, mas sempre completamente inútil, não leva a nada, não muda nada, não decide nada.

Fish lança a pergunta: Satã é verdadeiramente corajoso? O heroísmo de Satã, à moda dos épicos antigos, é a antítese do heroísmo cristão que Milton tenta promover. O poema continuamente apresenta, vende como desejável esse heroísmo épico à moda antiga, com o qual o leitor, vindo da Ilíada e da Eneida,, já está acostumado e familiarizado, só para na sequencia derrubá-lo, questioná-lo, subverte-lo e, então, oferecer como alternativa um heroísmo cristão fundado não mais na guerra e na violência, mas na constância, temperança, obediência.

Em um universo onde Deus está em todos os lugares, onipotente e onipresente, todos os concílios de demônios, todas as rebeldias, até mesmo todas as batalhas contra a rebeldia, tudo é vão. As ações dos anjos, tanto dos bons quanto dos maus, tanto dos leais quanto dos desleais, tem o mesmo valor: nenhum. Pois se Satã é incapaz de derrubar Deus, os anjos de Deus também são incapazes de impedir Satã de invadir o Paraíso. A necessidade de sentinelas no Paraíso, seu fracasso em impedir que Satã se aproxime de Eva, Deus libertando Satã na seqüência, tudo isso é patentemente absurdo, ridículo, vão. A seqüência desses absurdos (que se repetem infindavelmente na parte central do poema) acaba tendo o efeito cumulativo de tornar ridículos e absurdos não só todas as guerras e batalhas, mas também todos aqueles que confiam seu destino na força das armas. O poema parece nos dizer: o que quer que seja heroísmo, certamente não é isso que você pensava. Nós, leitoras, vamos ficando sadiamente desensibilizadas ao tão familiar discurso castrense das virtudes guerreiras blá blá blá. (Ao mesmo tempo que esperamos que, em algum momento, de alguma maneira, algo se decida!)

Como diz Gabriel a Satã, resumindo a postura geral do poema sobre façanhas militares, a força de ambos foi dada por Deus e não pode ser usada para nada do que para fazer a vontade de Deus:

Satan, I know thy strength and thou know’st mine:

Neither our own, but giv’n. What folly then

To boast what arms can do since thine no more

Than Heav’n permits-nor mine, though doubled now

To trample thee as mire. (IV, 1005-10)

Os heróis épicos antigos lutavam pela fama e pelo renome, para ter seus nomes conhecidos e lembrados. Aquiles abdica de uma vida longa e feliz por isso. Em Paraíso Perdido, em um dado momento, a voz narrativa diz que foram realizados feitos de fama eterna (“Deeds of eternal fame Were done, but infinite, for wide was spread”, VI, 240) e sentimos que estamos de novo em terreno conhecido, familiar. Poucos versos depois, entretanto, o poema mais uma vez nos puxa o tapete e desmente a si mesmo, e afirma que ninguém será lembrado, pois os bons anjos, sem vaidade, não precisam dessa recompensa consolatória por terem somente cumprido seu dever e os maus anjos, claro, não merecem.

I might relate of thousands and their names

Eternize here on Earth but those elect

Angels, contented with their fame in Heaven,

Seek not the praise of men. The other sort,

In might though wondrous and in acts of war,

Nor of renown less eager, yet by doom

Cancelled from Heav’n and sacred memory,

Nameless in dark oblivion let them dwell. (VI, 373-80)

Sem essa memória, a própria lógica, o próprio ethos, da poesia épica heróica perde o sentido, murcha, se desconstrói. Da mesma maneira, a gigantesca batalha do céu, que ocupa toda a parte central do poema, é um enorme exercício em futilidade, ainda mais absurda por mobilizar tanto poder, tantos seres eternos, tanta espada e armadura, tanta pirotecnia. A batalha “decisiva” não decide nada porque não havia nada a ser decidido, porque o final nunca esteve em dúvida. Uma leitora poderia se perguntar: mas por que dedicar tanto tempo e tanto espaço no poema para relatar em tanto detalhe batalhas que são, no fim das contas, completamente fúteis?

Porque a única maneira de escrever um épico verdadeiramente cristão, em oposição aos épicos antigos, é justamente enfatizando a futilidade de toda ação militar em um universo regido por um Deus bom e justo, onipotente e onisciente: mas isso não é algo que pode simplesmente ser dito, ou não será entendido, mas precisa ser enfatizado e demonstrado ao longo de infinitas batalhas progressivamente mais inúteis, até que a leitora seja literalmente, cumulativamente vencida pelo cansaço.

N0 fim, resta a questão: o que dar a um Deus que já tem tudo? O que fazer por alguém que já detém tamanho controle sobre a criação? Efetivamente, não há nada que possamos dar a Deus que ele não tenha, nada que possamos fazer por ele que ele não poderia fazer sozinho. A única coisa que nos resta para oferecer é o espetáculo de nossa obediência e devoção que, se não beneficia Deus em nada, ao menos demonstra nossa fé. Por isso, Abdiel não se chateia, não se frustra, na verdade, nem pisca, quando corre para avisar a Deus da revolta de Satã e descobre que Deus já sabia. Claro que sabia. Ele sempre soube, sempre sabe de tudo. Mas tudo o que Abdiel pode fazer por Deus é demonstrar sua fé, sua devoção, sua obediência, seu serviço. Esse é o modelo que, acredita Milton, deve ser emulado pelo bom cristão.

(Stanley Fish, “Standing only: Christian heroism”, Surprised by Sin)

Satã e Hitler

Quando consideramos Satã enquanto personagem, precisamos ter em conta como ele era visto, percebido, entre os primeiros leitores do livro. Hoje, para a maioria de nós, Satã é uma figura mitológica tão real quanto Zeus. Na melhor das hipóteses, é um símbolo do Mal. Na época de Milton, não: Satã era uma presença muito mais real, muito mais palpável, muito mais concreta na vida das pessoas.

Minha esposa tinha um colega de trabalho que era católico tradicionalista. Uma vez, deu algo de errado e ela disse: “Demônio!” como interjeição, mas ele entendeu literalmente e respondeu: “Sim! Isso é trabalho dele! Mas eu falo e as pessoas não acreditam!”

Para um puritano fervoroso do século XVII, escrevendo para leitores também cristãos, colocar Satã como personagem não era equivalente a colocar Zeus ou Shiva. Tudo é uma questão de contexto: nossa relação com Satã hoje é muito diferente da relação dos leitores originais com Satã. As primeiras pessoas leitoras do poema não leriam as falas e acompanhariam as ações de Satã como se ele fosse um personagem normal que não conhecessem, para poderem então decidir se ele estava certo ou errado, se suas palavras eram corretas ou incorretas: pelo contrário, já sabiam a priori que era o pai da mentira e a encarnação do mal, então, tudo o que dizia e fizesse seria lido, recebido, considerado, entendido por esse prisma.

Talvez o equivalente mais próximo seria se um romancista hoje escrevesse um romance cujo personagem fosse (lá vou ele mencioná-lo de novo) Hitler. Antes mesmo de abrirmos o romance e começarmos a ler, toda nossa experiência de leitura já seria matizada e determinada pelo fato de que consideramos Hitler a pessoa mais malvada que jamais existiu. Se alguém, duzentos anos depois, especulasse que o romancista na verdade achava que Hitler estava certo, ou que era do “partido de Hitler”, ou que usou o personagem de Hitler para verbalizar suas próprias opiniões verdadeiras, essas hipóteses nos soariam risíveis, pois sabemos que, se o romancista quisesse fazer isso, ele escolheria qualquer personagem histórico, menos Hitler, menos aquele que é universalmente detestado e temido. O romancista que escreve hoje um romance onde Hitler é personagem já escreve o romance presumindo que esse personagem vai ser lido e recebido com extrema hostilidade, raiva, medo. Essa expectativa de leitura já é necessariamente parte da escritura da obra. Não tem como pensar o Satã de Paraíso Perdido fora do contexto da hostilidade com a qual esse personagem seria recebido por seu primeiro público.

(Balachandra Rajan, Paradise Lost and the seventeenth century reader, em Paradise Lost, ed. Teskey, 432)

A degradação de Satã

A revolta de Satã é contraditória desde o princípio: ele parece querer e não querer hierarquia. Na prática, ele quer acabar com aquele que a fonte de seu próprio poder. Como disse C. S. Lewis, é como o aroma da flor tentando destruir a flor. Por vontade própria, ele se transforma em serpente; em breve, será transformado em serpente à sua revelia. Sua degradação progressiva é o grande arco narrativo do poema, cuidadosamente mapeada: ele começa dizendo que luta por liberdade; em breve já admite estar lutando por honra, domínio, gloria, renome (VI.420); e, por fim, na prática, precisa aceitar que seu único plano é degradar e corromper criaturas inocentes, que nunca lhe fizeram mal algum, pelo consolo vazio de importunar um adversário que não tem como vencer e a quem não quer se submeter. De herói a general, de general a político, de político a agente secreto, e daí para uma coisa escamosa que fica espiando pelas janelas dos banheiros, e então sapo, e por fim cobra. Esse é o progresso de Satã. Quem considera que ele é o herói do poema, ou que o poema foi feito para glorificá-lo, ou para defender seu ponto de vista, claramente não leu até o final. (C. S. Lewis, em Paradise Lost, ed. Teskey, 432)

É verdade que Milton (republicano revolucionário derrotado) provavelmente era mais capaz de entender e verbalizar e extrapolar as motivações de Satã do que, digamos, se estivesse estado do lado vitorioso na guerra. Mas também é importante lembrar que, na época de Milton, a retórica e a persuasão eram associadas ao mundo antigo, a oradores como Cícero, e, quase que por conseqüência, também ao diabo. A verdade de Deus, pelo contrário, se manifestaria com simplicidade e clareza, sem floreios verbais, sem retórica. Ou seja, o bom e vigilante cristão do século XVII já ficaria de sobreaviso ao se deparar com qualquer conteúdo retoricamente muito persuasivo.

O personagem de Satã é uma das maiores criações da literatura mundial, não pelos discursos heróicos e eloqüentes dos primeiros livros (a literatura épica está cheia deles) mas justamente pelo arco narrativo de sua progressiva degradação moral. Por exemplo, ainda no primeiro livro, Satã é descrito como uma torre e comparado ao sol — mas ao sol visto através de um nevoeiro (I, 589-604). Em relação a Satã, o poema sempre acrescenta um “mas” e, ao longo do poema, eles apenas se proliferam. (Para considerar Satã um herói é preciso ativamente ignorar todos esses “mas”, todas essas ressalvas, todas essas correções.) A partir do livro IV, Satã começa a ser descrito com metáforas animais — mas sempre de animais de carniça, algumas vezes animais baixos: corvo-marinho (IV, 196), corcel (IV, 858) e até sapo (IV, 800).

Logo após, Satã desaparece da narrativa, como se para enfatizar que a história não é sobre ele, que ele não é nem mesmo o antagonista principal. A verdade é que ele já está derrotado desde o começo, derrotado sem possibilidade alguma de vitória, sem disposição para uma guerra desesperada, e resignado apenas ao consolo rancoroso de causar desagrado ao inimigo (que não pode vencer) estragando algo que ele ama, a humanidade — sem se dar conta, naturalmente, que tudo que ele faz, desde o começo, é apenas porque Deus permite (I, 212). A derrota de Satã é tão completa que, mesmo se fosse vitorioso em sua intenção de corromper o brinquedo de Deus, continuaria derrotado. É como um menino que, impedido de pular o muro e comer as maçãs do quintal do vizinho, envenena seu cachorro só por maldade e despeito — mas continua sem as maçãs, que era o que queria.

Por fim, em sua última aparição no poema, três livros antes do fim, sem uma palavra grandiosa de despedida, Satã não é apenas derrotado: é esculachado. Deus e a voz narrativa lhe dão o equivalente a um tiro no rosto. Na cena mais horrível do poema, uma das mais horríveis da literatura, Deus transforma subitamente Satã e todos seus asseclas em serpentes, como se para enfatizar que poderia ter feito isso a qualquer momento e, logo, que tudo que fizeram foi por licença e permissão dele (I, 210). A cena das cobras não é nem mesmo de vitória: é de puro esculacho. É pra esfregar na cara que nunca foi nem uma briga, que os demônios só fizeram o que Deus quis. Para que Satã percebe que, mesmo quando desistiu de guerrear e se limitou a corromper a criação, também estava fazendo o jogo de Deus, apenas fazendo o que Deus tinha permitido.

Satã não tem como conseguir o que quer porque Satã não sabe o que quer. Isso fica claro nos dois primeiros livros. Ele não tem mais objetivo. Não existe caminho pra vitoria. Ele é como uma criança irritada com o vizinho que não lhe deixou comer maçãs na macieira e reage envenenando seu cachorro. Mesmo se conseguir, ainda assim não é uma vitória e só demonstra o quanto sua posição é pequena, mesquinha, invejosa, impotente. Ele perdeu tudo pelo qual lutou e termina apagado, diminuído, degradado. Ele conseguiu apenas aquilo que era o prêmio de consolação do prêmio de consolação (envenenar o cachorro), algo que não ajuda em nada sua situação e que sabemos que fazia parte do plano de Deus e, mais ainda, que até mesmo a dor que causou será em prol do final feliz último — a felix culpa, ou seja, a teoria de que a Queda foi para o bem, uma culpa feliz.

Milton some com seu antagonista na segunda metade do livro, como se enfatizando que ele não importa, nunca importou. Ele foi só uma ferramenta. Ele, Satã, com certeza se achava o herói da história, talvez o leitor distraído achasse também, mas, ao sumir com ele, ao lhe dar um final tão rápido e esculachado, Milton indica que não, que ele nem importava.

Na estrutura narrativa do poema, a degradação de Satã é importante e imprescindível: ele precisa primeiro ser eloqüente, persuasivo, sedutor, justamente para seduzir e convencer o leitor. Somos todos satanistas nos primeiros dois livros de Paraíso Perdido. Mas, então, a degradação de Satã precisa ser flagrante e inconfundível, para escancarar o erro de nossa falha original. Satã não é heróico e convincente porque Milton está “do lado de Satã”, mas porque Milton está nos educando a não nos deixar levar pelas palavras doces de qualquer charlatão demagogo. O que o poema faz é colocar a nós no lugar de Adão e Eva: como podemos condenar Adão e Eva por caírem na lábia de Satã no livro IX…. se nós mesmos, pessoas inteligentes que somos, super caímos na lábia dele nos livros I e II?

Um épico cristão

Paraíso Perdido é uma tentativa de escrever um épico cristão, “não menos, mas ainda mais heroico que a ira de Aquiles” (“Not less but more heroic than the wrath / Of stern Achilles”, IX, 14)

A diferença entre Paraíso Perdido e os seus modelos clássicos é justamente a diferença entre o cristianismo e a tradição religiosa e filosófica greco-romana que ele busca superar. Onde antes o homem era regido por seu destino, agora ele é guiado pela providência, que muda tudo, pois ela se origina do amor eterno de Deus. Por isso, por causa da bondade divina de Deus, não pode nunca haver uma “divina tragédia”, somente “divina comédia”, mesmo se tiver muitos lances e episódios trágicos. (Daí o final do poema terminar na Felix culpa, ou seja, na teoria que a Queda, no fim das contas, foi para o Bem, pois tudo que Deus faz, ou permite que aconteça, é, no fim das contas, para o Bem. Apesar de tudo, o poema tem um final feliz.)

Apesar da forte inclinação de Milton, e do humanismo cristão, de emular Virgilio, Milton estava tentando ir mais longe do que Virgilio teria podido ir. Para Milton, ainda mais depois da fragorosa derrota de todos seus ideais, era fundamental a articulação não apenas de um novo tipo de heroísmo mas, mais especificamente, de um heroísmo na derrota. Afinal, até Jesus havia sido aparentemente, temporariamente derrota, mas a vitória final seria dele e dos seus. (De certo modo, Paraíso Perdido, criado por um poeta na mais absoluta derrota e impotência, é um poema apocalíptico.)

Por que Satã é tão forte, sedutor, convincente? Não porque Milton seja “do partido de Satã”, mas porque o épico, por definição, e até mesmo esse anti-épico cristão que Milton está tentando inventar, precisa de um oponente à altura de seu protagonista, senão não existe conflito, não existe glória, não existe desafio. A diferença é que, em Paraíso Perdido, a glória não é militar, nem alcançada pela força bruta. Na verdade, nesse antiépico, é Satã que parece ter todas as marcas do herói épico: como Aquiles, ele é forte, ousado, mas também temerário e irresponsável, desejoso por glória e impaciente com suas limitações, além de um pouco mimado, mas, mais importante, ambos compartilham de um pathos trágico. Ou seja, Satã é sim forte e heróico, mas um heroísmo pagão, um heroísmo como o de Aquiles, mimado e temerário. Ao longo da narrativa, até mesmo isso Satã perde, e vai se tornando cada vez mais invejoso e mesquinho, até não restar nada de seu heroísmo inicial. (O Satã dos primeiros dois livros poderia ser confundido com Aquiles. O Satã do quinto livro em diante, jamais.) A mensagem de Milton parece ser: sem as virtudes cristãs, sem heroísmo cristão, o próprio conceito de heroísmo é uma mentira.

(A.S.P. Woodhouse, “The heavenly muse”, em Paradise Lost, ed. Teskey, 468)

Um poema da derrota

Milton ficou completamente cego ainda durante o governo Cromwell. Logo depois, viu todos seus objetivos políticos ruírem e quase perdeu a vida. Para um homem religioso como ele, seria difícil não ver nisso um excelente do desagrado de Deus para com ele. (Aliás, isso se tornou um lugar comum entre seus adversários: era autoevidente que Milton estava errado em sua atividade política, ou Deus não teria permitido que ficasse completamente cego.) Para um homem como Milton, competitivo, orgulhoso, agressivo, nada poderia ser mais humilhante do que admitir seu erro: não que tinha apoiado uma causa errada, naturalmente, mas seu erro em achar que Deus recompensaria as boas causas com a vitória.

Agora, na casa dos cinqüenta e depois da completa catástrofe, Milton poderia dizer o mesmo que :

“Ele me esmaga por um cabelo, e sem razão multiplica minhas feridas. Não me deixa retomar alento e me enche de amargura! Recorrer à força? Ele é mais forte! Ao tribunal? Quem o citará? Mesmo que eu fosse justo, sua boca condenar-me-ia; se fosse íntegro, declarar-me-ia culpado. Sou íntegro? Eu mesmo já não sei, desprezo a existência! É por isso que digo: é a mesma coisa! Ele extermina o íntegro e o ímpio!” (9, 17-22)

Ou talvez Milton pensasse sobre si mesmo quando escreveu alguns dos lamentos dos demônios derrotados:

“Others apart sat on a hill retired

In thoughts more elevate and reasoned high

Of providence, foreknowledge, will and fate,

Fixed fate, free will, foreknowledge absolute,

And found no end in wand’ring mazes lost.

Of good and evil much they argued then,

Of happiness and final misery,

Passion and apathy, and glory and shame.” (II.557-64)

E na Areopagitica, seu discurso pela liberdade de expressão, Milton escreve:

“Não posso louvar uma virtude fugitiva e enclausurada, sem exercício e sem coroa, que nunca se afasta e vê seu adversário, mas foge da corrida, onde aquela guirlanda imortal deve ser disputada, não sem poeira e calor. Certamente não trazemos inocência ao mundo, mas sim impurezas; aquilo que nos purifica é provação, e provação é pelo contrário.”

“I cannot praise a fugitive and cloistered virtue, unexercised and unbreathed, that never sallies out and sees her adversary but slinks out of the race, where that immortal garland is to be run for, not without dust and heat. Assuredly we bring not innocence into the world, we bring impurity much rather; that which purifies us is trial, and trial is by what is contrary.”

Se a privação purifica, as catástrofes de sua vida teriam transformado Milton no maior dos puros. Milton foi derrotado, humilhado, purificado. Paraíso Perdido é o poema dessa derrota. O grande problema dos derrotados e humilhados é que eles muitas vezes esquecem de seu próprio estado de espírito antes da derrota e da humilhação. Não Milton. Milton lembra de tudo. Seu Satã é tão fascinante, tão sedutor, tão real, porque Milton despeja nele tudo o que sentiu durante seus anos de polemista, de político, de estadista, na vitória e na derrota: seu orgulho, seu desejo, sua ambição, sua raiva, seu rancor, sua inveja, sua sensação de estar sendo tratado injustamente e sua sensação de superioridade sobre aqueles que lhe derrotaram.

Talvez por isso também Satã seja um personagem tão superior a Deus: Deus é Deus e precisa ser tratado por respeito. Em seu Deus, Milton não podia despejar a si mesmo, como faz em Satã. Pelo contrário, quase tudo que Deus diz (para evitar blasfêmia) é uma paráfrase da Biblia, então, Milton de fato escreveu seu Deus com muitas limitações.

A confiança e a fé dos pecadores (como Milton) podem até vacilar diante das derrotas terrenas. Mas, para Deus, como tudo é sempre-presente, a verdade, a justiça, o Bem, a vitória também estão sempre presentes, sempre visíveis, pois tudo acontece ao mesmo tempo. Por isso, ao tentar ver a vida, o universo, o cosmos pelos olhos de Deus também é possível possuir um Paraíso mais verdadeiro, estar sempre na presença do verdadeiro, do justo, independentemente de o quanto se esteja rodeado pelo Mal. Foi assim, se imaginando enxergando pelos olhos de Deus, que Milton encontrou seu segundo Paraíso e o ponto de vista a partir do qual narrar seu poema. Afinal, de que outra maneira representar Deus que não falando a partir de uma fé inabalável, redimida, justificada, sempre em paz? Em Paraíso Perdido, Deus nunca se abala, nunca tem medo, nunca vacila: ele está sempre sereno, seguro, inflexível. Seu tom é de serena veracidade. Milton estava convencido que a entidade que ele chama Deus era a “encarnação” da justiça mais autentica, da versão mais verdadeira dos fatos, da intenção mais providencial, da disposição mais sabia e compassiva. Talvez nós, aqui no século XXI, não consigamos imaginar o Bem, a Verdade, a Justiça Radiante unidos em um único ser não-criado… mas Milton conseguia. Deus, imaginou ele, falaria como nós falaríamos se fôssemos completamente virtuosos e enxergássemos tudo, o passado, o presente, o futuro, sem preconceitos.

Comparar os textos raivosos e radicais do Milton polemista da década de 1640 com o poeta dos livros do Paraíso Perdido é entender o quanto seu caráter e seu temperamento foram moldados pela derrota de seus ideais políticos, tanto pela experiência, quanto pela reflexão em si, pelo humilhação, pelo castigo, pela redenção, pelo autoentendimento.

O cerne moral de Paraíso Perdido é a confissão torturada de um homem que tudo tentou e tudo perdeu.

O problema do Mal e o problema da Liberdade

No mundo politeísta, o Mal não era um problema, pois havia Deuses de todos os tipos. Um belo dia, as religiões abrâmicas inventando o monoteísmo de um Deus onipotente, onipresente e onisciente, e criam assim um novo problema: como explicar o Mal? Se esse Deus permite o Mal, ele não é bom. Se ele não tem como impedir esse mal de existir, ele não é onipotente. O Livro de Jó é uma tentativa de explicar esse dilema. Paraíso Perdido é outra. Milton se pergunta: como pode uma revolução tão justa, tão cristã quanto a sua ter sido tão retumbantemente derrotada?

Em seu discurso inicial, no começo do livro três, Deus deixa claras as suas prioridades: para Ele, o importante é preservar a liberdade do homem, mesmo se o custo disso for o surgimento do mal. Talvez seja a frase mais importante, mais conseqüente, mais repetida, mais enfatizada do livro:

“Fi-lo justo e reto, capaz de se opor, livre de [para] cair.” (“I made him just and right, Sufficient to have stood though free to fall”, III, 98-99)

Para Milton, a virtude não era algo para ficar fugitiva e enclausurada, sem nunca ser exercitada, sem nunca ver seu adversário, mas sim algo para ser exercitado na arena diária, na poeira e no calor. A virtude seria a difícil experiência da racionalidade e da liberdade, das eternas escolhas entre alternativas difíceis, do eterno processo de não se deixar enganar pelas alternativas sedutoras.

Quando Adão deixa Eva partir sozinha, mesmo intuindo que estão correndo perigo, ele faz com ela a mesma coisa que Deus faz com a humanidade: escolhe conceder a liberdade, mesmo sabendo que pode estar dando uma chance ao Mal — pois restringir a liberdade de Eva, ou da humanidade, já seria um mal maior, imediato, agora. Nós também, pessoas leitoras, somos livres para ler ou não o poema, entender ou não suas lições, por nossa própria conta e risco.

(Fowler, “Introduction”, em Paradise Lost.)

Monarquia e república

O fato de Satã usar a retórica republicana pode ser considerado um indício de que Milton falava por sua boca. Por outro lado, me parece mais provável que isso simplesmente simbolize a decepção de Milton com seus correligionários e com sua retórica — embora não necessariamente com a causa. Ao demonstrar que não pode haver associação possível entre a realeza divina e a terrena, ele está negando a comparação fácil dos vencedores, entre o Rei e os monarquistas com Deus, e os puritanos e rebeldes com o diabo. Só Deus seria um rei legítimo: todos os outros, charlatães. Quando Satã usurpa o linguajar monárquico e se declara Rei, Milton só faz enfatizar o quão ridículo é o espetáculo de um rei que claramente não é rei, que não tem favor divino, que só é arrogante — e não são assim todos os reis humanos e terrenos?

(Barbara Lewalski, Life of Milton, 466-9)

Deus, o Personagem

Ao contrário de Satã, Deus não pode nem degenerar nem se desenvolver: por definição, é estático, o que torna necessariamente um personagem dramático menos interessante. (Marjorie Nicolson, A reader’s guide to John Milton, 223)

Em Of Reformation, Milton tinha escrito que a verdadeira essência da verdade divina era ser simples (plain) e brilhante, sendo que distorção e a escuridão eram todas nossas: “The very essence of Truth is plainess and brightness, the darkness and crookedness is our own.” Daí a própria retórica das falas de Deus ser uma parte importante de sua caracterização como personagem: enquanto Satã usa floreios verbais retóricos e apelativos, a sintaxe austera, breve, concisa de Deus seria ela mesma uma das provas da verdade de suas afirmações. (A engenhosidade verbal era considerada suspeita.) (Stanley Fish, Surprised by Sin, 83)

Muitos daqueles que desgostam do personagem Deus, diz C. S Lewis, simplesmente, na verdade, desgostam do próprio Deus, ou seja, desse conceito de soberania infinita na teoria e poder infinito na prática, unidos a um amor infinito que não pode ser separado de uma ira infinita — não é só em poesia que as pessoas não gostam disso. Talvez o Deus de Milton seja um personagem literário desagradável porque as pessoas acham que a própria ideia de Deus desagradável. (C. S. Lewis, A preface to Paradise Lost, in Paradise Lost, ed. Teskey, 438)

Para William Empson, o Deus cristão é cruel e Milton, coerente com o que diz no verso 25, tenta justificá-lo para nós, e até consegue fazer com que pareça menos perverso, mas, não muito: afinal, precisa se manter fiel às escrituras. Milton teria escrito com toda a sinceridade para justificar Deus, mas não consegue: o próprio ato de escrever o poema teria demonstrado ou convencido Milton de que Deus era cruel demais para ser “salvo” ou justificado ou defendido. Por isso, o poema é tão bom. Essa fratura, entre um Deus claramente perverso e um autor que tenta justificá-lo, é uma das principais fontes de pathos e de energia do poema: Paraíso Perdido não é bom apesar de sua “confusão moral”, mas por causa dela. Esse poema horrível e maravilhoso é bom porque faz Deus parecer tão mau. Em alguns momentos, o poema realmente dá a impressão que Milton concordaria com Empson: que Deus realmente não é dos personagens mais agradáveis ou mais corretos. Milton, porém, acrescentaria: mas ele é Deus, é o que tem para hoje, tem que ser adorado e obedecido. (William Empson, “Critics”, em Milton’s God)

Milton de fato representa Deus muito bem e o problema é justamente esse: os cristãos amam a Deus, mas de longe, como conceito incorpóreo. Ver essa ideia corporificada em um personagem é desagradável. Deus, por ser Deus, é infinitamente arrogante e seguro de si, como não poderia deixar de ser, e mais outras tantas características que seriam inevitáveis em Deus mas intoleráveis em uma pessoa. Como diz Northrup Frye, “teologicamente, nada poderia ser mais correto; dramaticamente, nada poderia ser mais irritante.” (Northrup Frye, The return of Eden, in Paradise Lost, ed. Teskey, 441)

Por fim, vários autores, como Fowler, defendem a caracterização do Deus de Milton. Ele seria mais que um personagem, mas uma ficção alegórica. Naturalmente que ele soa estranho a leitores acostumados a personagens de romances: o Deus de Milton é abstrato; está placidamente livre de emoções não resolvidas; capaz de fazer tudo e ver tudo ao mesmo tempo. Chega a ser espantosa a ambição de representar isso ficcionalmente. Naturalmente, não há como ter sucesso nessa tarefa, mas a execução de Milton é impressionante. O Deus de Milton é, ao mesmo tempo, uma figura paterna universal; enigmático e capaz de inspirar debates infinitos; sublime e espantoso; e distante da humanidade ao ponto de soar verossímil como Deus. (Fowler, “Introducion”, em Paradise Lost.)

A vitória do cristianismo

Foi muito interessante e instrutivo, inclusive para mim, essa leitura, intensiva e sequencial, das grandes obras da tradição ocidental, começando pela Bíblia Hebraica, depois passando para os gregos, depois para o Novo Testamento, e então para os romanos, e passando por toda a Idade Média, para chegar agora na Renascença.

Ao reler agora Paraíso Perdido, depois de refazer todo esse percurso, uma coisa ficou clara: o cristianismo triunfou porque ele tinha muito mais a oferecer, vendia uma narrativa muito melhor, muito mais compassiva, do que a civilização grecoromana clássica.

Nos primeiros dois livros, com seu Satã heroico e irredutível, Milton faz quase um pastiche do típico épico heróico clássico. Satã poderia ser Jasão ou Aquiles, Odisseu ou Enéas. É uma voz sedutora, impossível não se deixar arrebatar por esse rebelde, por esse underdog, por esse perdedor que se recusa a aceitar a derrota. (Não é por acaso que boa parte das obras narrativas que mais apreciamos, tanto antes quanto depois de Milton, são protagonizadas por antiheróis desse mesmo molde.)

Mas, já no começo do terceiro livro, o Deus judaico-cristão entra em cena e Milton puxa nosso tapete pela primeira vez. Satã é heróico e épico, sim, mas é heróico e épico no molde das grandes civilizações clássicas, e o que elas ofereciam ao ser humano? Nada além de uma vida curta e brutal, sendo joguete de forças cósmicas e divindades egoístas, antes de passar uma eternidade como espectro nos reinos abissais? Já o Deus judaico-cristão, como mostrado no terceiro livro, no momento em que estamos mais seduzidos por Satã, é puro amor, pura promessa, pura compaixão.

Harold Bloom, e não só ele, considerava que o ponto mais baixo, o ponto mais fraco de Paraíso Perdido era a caracterização de Deus enquanto personagem. Mas isso depende do que esperamos de um personagem. Em Paraíso Perdido, Satã precisa nos seduzir e nos convencer, Deus não: Deus somente é. Deus fala com palavras simples e diretas aquilo que-é, sem se gabar, sem nos convencer, apenas afirmando a Verdade nos termos mais secos, discretos, não-ornados possíveis.

Naturalmente que é um personagem, enquanto personagem, tedioso, no sentido de trazer pouca fricção dramática, mas não deixa por isso de ser um dos pontos mais altos, mais belos, do poema.

O discurso inicial de Deus, no começo do terceiro livro, especialmente vindo na sequência de dois livros de sedutores discursos épicos-clássicos de Satã, explica — na verdade, praticamente exemplifica — como e porque o Cristianismo derrubou com tanta facilidade a civilização clássica.

O céu de Milton

Até o renascimento, o céu era tradicionalmente visto de forma estática, contemplativa. Adão e Eva teoricamente não faziam sexo. (Embora Agostinho defendesse que sim.) Para Milton, entretanto, tanto o céu quanto o Jardim do Eden eram locais dinâmicos, de processos políticos e de trabalho no campo. Não lugares onde o Bem reina supremo e estático, mas onde o Bem é fruto de escolhas contínuas e constantemente refeitas. O jardim de Eva cresce, se multiplica, e precisa do trabalho de ambos para não sair do controle. Milton não considera a perfeição estática, mas sim um processo contínuo, fruto de desafios, escolhas, crescimento.

(Barbara Lewalski, Life of Milton, 465-6)

Paraíso Perdido e as Grandes Navegações

Milton, homem renascentista e leitor de Camões, faz diversas alusões ao Novo Mundo, às Grandes Navegações, ao colonialismo. O Eden é descrito com os termos normalmente usados para descrever o Novo Mundo, o que não era incomum. Na verdade, assim que a América é descoberta, ela é imediatamente comparada ao Eden. Na época de Milton, isso já era lugar-comum. Mas, em diversos momentos, Satã é comparado aos exploradores navais. No começo, Satã avança sozinho em direção ao desconhecido, destemido como Vasco da Gama. Ele descobre o jardim do Eden e planeja, depois de conquistar Adão e Eva, povoá-lo com seus demônios. Ele mente para Eva, planejando corrompe-la e roubar sua terra. Ao encontrar Adão e Eva, ele diz claramente que pretende explorar o Eden e seus habitantes para seu uso próprio — ou seja, para construir um império, não apenas para vingança. Ele também planeja transportar esses “nativos” de volta para sua própria terra (4.375–88) e justifica a empreitada apelando para a “razão pública”:

And should I at your harmless innocence

Melt, as I do, yet public reason just,

Honor and empire with revenge enlarged

By conquering this new world compels me now

To do what else, though damned, I should abhor. (4.388-92)

Por fim, depois da Queda, seus asseclas esperam pela volta do grande aventureiro, explorador de terras estrangeiras (“their great adventurer from the search / Of Forrein Worlds”) (10.440–1). Nada disso quer dizer que Milton fosse antiimperialista ou anticolonialista, mas sim significa que ele coloca Satã como precursor de todos os grandes navegadores e exploradores. Mesmo se não for uma crítica ao imperialismo e colonialismo em si, Milton pelo menos indica (como em sua crítica ao heroísmo) que era fácil essas empreitadas serem subvertidas e cooptadas pelo Mal.

(Barbara Lewalski, Life of Milton, 470-1)

Pecado e Morte

O encontro de Satã com a Morte e o Pecado, no final do livro dois, é bastante polêmico. Algumas pessoas não gostam por ser o único trecho escancaradamente alegórico do poema, quebrando o clima geral de “realismo”. Uma teoria defende que ambos não seriam “reais”, somente espectros da imaginação satânica. “Hoje em dia”, diz um crítico, “abstrações personificadas destroem a suspensão de descrença, mas, na época de Milton, o naturalismo era menos exigente”. (Fowler, Paradise Lost, 142)

O episódio tem uma função teológica importante, entretanto: na teologia tradicional, defendida por Agostinho, é a Queda que faz com que o Pecado e a Morte entrem no mundo. Ou seja, a culpa do Pecado e da Morte é toda de Eva. Em Milton, não: o pecado nasce por geração espontânea, da cabeça de Lúcifer (ainda não Satã) quando ele começa a pensar em revolta: ou seja, pensar em revolta é literalmente o primeiro pecado, escreve o revolucionário Milton. E a morte nasce da união de Satã com o pecado. E ambos, mais importantes, já existem muito antes de Adão e Eva pensarem em comer da fruta proibida, formando assim uma versão oposta da Santíssima Trindade. De um lado, Deus, Cristo, Espírito Santo; do outro, Satã, Pecado, Morte. (Roger Shattuck, Forbidden knowledge, 57)

Por fim, é interessante que Milton descreve em detalhes Pecado mas não Morte: afinal, Pecado é algo que todo ser humano conhece. Já Morte, não. Ela é como um monstro de filme: ainda mais assustadora por ser tão indefinida.

Adão e Eva, o primeiro casal feliz

Um dos desafios de Milton ao representar a vida de Adão e Eva antes da Queda era a total falta de qualquer modelo literário de casamento feliz. Virgilio, Dante, Petrarca, Shakespeare não tinham modelos a oferecer — literalmente o único casal feliz e funcional em Shakespeare são os Macbeths. Na literatura até então, casamento era um objetivo a ser alcançado, um problema, um fato da vida — mas nunca simplesmente uma relação feliz e funcional entre duas pessoas. Milton acreditava, como diz em suas obras defendendo o divórcio, que o cerne do casamento era uma conversa íntima entre homem e mulher, mas ele não tinha paralelos para isso — aparentemente, nem na sua vida, nem na literatura.

(Stephen Greenblatt, The rise and fall of Adam and Eve, em Paradise Lost, ed. Teskey, 453)

A Evíada: gênero em Paraíso Perdido

Naturalmente, Paraíso Perdido é misógino, pois é fruto de uma cultura misógina, de uma religião misógina, de uma tradição misógina. Entretanto, se isolarmos, em um lado, a misoginia que já veio pronta e, do outro, as contribuições originais de Milton, veremos que existe muita coisa em Paraíso Perdido que subverte as noções correntes de gênero.

Em primeiro lugar, as tarefas não são tão divididas por gênero quanto era corrente na época. Algumas tarefas domésticas são de Eva, mas ambos compartilham igualmente a tarefa de cuidar do mundo e manter seu ecosssistema. Além disso, Eva tem autonomia de nomear as plantas, compartilhando assim com Adão o poder simbólico de dar nome ao mundo.

Além disso, Eva demonstra muito mais autonomia e iniciativa do que seria apropriado em uma sociedade patriarcal como a de Milton. Tanto antes quanto depois da Queda (ou seja, não é um comportamento nem mostrado como somente ideal ou somente decaído), Eva propõe assuntos para discussão, inicia a ação, avança em novas direções. Ela levanta perguntas sobre a ordem do cosmos; ela propõe a ideia proto-capitalista de divisão de tarefas, diante do crescimento desordenado do jardim; ela é a primeira a se arrepender depois da Queda; ela propõe suicídio ou abstinência para evitar que o pecado deles se propague para toda a humanidade. Ao rememorar suas primeiras memórias, ela constrói a primeira narrativa autobiográfica, demonstrando autoconsciência e capacidade de interpretar suas próprias experiências e de interrogar sua subjetividade, tornando-se assim autora de si mesma. Em sua narrativa, ela se autoconstroi através de uma autocontemplação prazerosa, observando seu próprio reflexo, e, quando decide se unir a Adão, não é, como ele, por carência e por necessidade, mas por uma decisão racional e livre.

Antes da Queda, ela dá início à discussão matrimonial; ela decide sair sozinha; ela trava um longo diálogo com a serpente; ela analisa seus próprios motivos e ideias antes de comer a fruta. Depois da Queda, ela aceita o julgamento de Deus — já Adão sente que Eva não apreciou seu gesto de também comer a fruta, fica desorientado, culpa Eva, culpa até Deus. Eva, por seu lado, apesar de ter tomado uma decisão errada, nunca perde a cabeça: ela consegue quebrar o ciclo de recriminações e trazer Adão de volta da paralisia do desespero com muito amor, arrependimento, reconciliação. Para Barbara Lewalski diz que não seria um exagero chamar o poema de “Evíada”.

(Barbara Lewalski, Life of Milton)

Um poema sobre curiosidade e conhecimento

Em seu livro Forbidden knowledge, Roger Shattuck defende que Paraíso Perdido é um poema sobre a curiosidade e o conhecimento. Em nossa época, a curiosidade é considerada algo bom e desejável, mas nem sempre foi assim. A curiosidade era a “luxúria por saber” ou, como dizia Bernardo de Claraval, “o começo de todos os pecados”. Nesse sentido, Paraíso Perdido como ser lido como uma descida em direção a uma sabedoria proibida e subterrânea, começando na curiosidade e passando pelo pecado. No Gênese, Deus diz que se Adão e Eva provarem da Árvore do Conhecimento, com certeza morrerão. Já a serpente afirma que seus olhos se abrirão e que serão como Deuses, dotados do conhecimento sobre o Bem e o Mal. Em Paraíso Perdido, Milton parece afirmar que ambos são verdade: pois são a morte e o conhecimento que definem a experiência humana.

(Roger Shattuck, Forbidden knowledge.)

Um poema sobre educar e saber

Tanto o leitor quanto os personagens estão sempre aprendendo: mais da metade do poema é composta por um Anjo simplesmente ensinando, tanto Adão e Eva, quanto o leitor, sobre religião, vida, liberdade, e a natureza do universo. Deus tem diálogos socráticos com o Filho, sobre a queda e redenção da humanidade, e com Adão, sobre sua escolha de companheira. Adão e Eva estão sempre conversando, e, nessas conversas, educando e instruindo um ao outro sobre si mesmos e sobre o mundo. A voz narrativa está sempre desafiando o leitor em questões de liberdade, valores, escolhas.

(Barbara Lewalski, Life of Milton, 460)

Um poema sobre o tempo

Paraíso Perdido tenta simular poeticamente uma linguagem fora do tempo, uma posição narrativa ao mesmo tempo antes e depois, e simultânea de tudo. O narrador parece tomar emprestada a onisciência de Deus: ele é ao mesmo tempo o poeta cego e idoso John Milton, mas também um contador de histórias onisciente que, aparentemente por inspiração divina, tudo vê, no passado, no presente, no futuro. Nenhum poema antes ou depois jamais foi tão ambicioso: Milton, em sua sede de conhecimento, quer conhecer tudo, saber tudo, ver tudo. Só a partir desse ponto de vista, o poema parece dizer, Milton pode realizar sua ambição de justificar a Deus (I.25).

Lendo o poema, temos a impressão não de uma cronologia de eventos que pode ser descrita e determinada, mas de uma estrutura circular que dá voltas sobre um mesmo ponto. O poema inteiro parece se passar em um “momento eterno”, em um tempo mítico que é ao mesmo tempo passado, presente, futuro e sempre. Os críticos que reclamam da “seqüência temporal impossível ou contraditória” ou das “repetições desastradas” não estão se dando conta que é justamente isso que cria, que constrói a cuidadosa noção de tempo de Paraíso Perdido.

As primeiras linhas do poema parecem resumir o enredo de forma clara: o homem desobedece, come a fruta, sofre, espera resgate. Uma história antiga, de um passado remoto, todos conhecemos. Mas os começos vão se multiplicando. Qual é o começo da história? É Adão e Eva comendo a fruta? Ou é a tentação? Ou é a criação de Adão e Eva? Ou é a batalha no céu? Ou é a rebelião dos anjos? Deveria ser fácil ordenar esses fatos cronologicamente (acabei de fazer na frase acima) mas o poema continuamente sugere, ou nos faz sentir, que essa ordem cronológica, que o próprio tempo, é uma ilusão.

Quando, na linha 54 do livro um, o leitor é jogado subitamente no presente de Satã (“for now the thought”) recém-caído, ainda não levantado, acorrentado no inferno, a impressão que temos é que nossas certezas foram questionadas, nosso tapete foi puxado, tudo pode acontecer. Cada acontecimento do enredo dá a impressão de ter acontecido no passado distante, de estar acontecendo agora e, ainda mais estranho, de que vai continuar acontecendo para sempre.

Finalmente, nos últimos versos, nossa perspectiva temporal subitamente muda, mais uma vez, pela última vez: somos transferidos do final dos tempos para o começo. Quando nos damos conta, estamos de volta ao começo de tudo, Adão e Eva titubeando para fora do Paraíso, toda a história humana à sua frente, ainda por viver. O final é o começo, o poema come a sua própria cauda.

Um chamado à ação

Esse visão melancólica de um paraíso irrevocavelmente perdido, ao lado da promessa de um paraíso interior, ainda maior, pode parecer uma conclusão quietista, conformista. Como se o velho revolucionário derrotado estivesse pregando que todos fizessem como ele: saíssem da arena pública e fossem ser introspectivos em casa. Mas, na verdade, o tom do último discurso de Miguel para Adão e Eva é o exato oposto, é um forte chamado contra a passividade, tanto em termos morais, espirituais e até políticos. O que Miguel está falando é que, em todas as eras, apesar de ser impossível qualquer tipo de vitória decisiva na guerra contra o Mal, um punhado de justos é chamado por Deus para lutar contra os Faraós e Nimrods — ou contra os realistas que perseguiam puritanos. Milton parece estar apontando o dedo para nós, leitores: o que vamos fazer? Como vamos nos engajar? De que lado estamos?

Os últimos versos de Paraíso Perdido são maravilhosamente evocativos e comoventes, dos mais belos da literatura. Está tudo aí, desde a trágica perda até a delicada consolação. E, em tudo que passou e em tudo que passará, Adão e Eva estão juntos, de mãos dadas, mas também, paradoxalmente, num caminho “solitário”:

They, looking back, all th’ eastern side beheld

Of Paradise, so late their happy seat,

Waved over by that flaming brand. The gate

With dreadful faces thronged and fiery arms.

Some natural tears they dropped but wiped them soon. 645

The world was all before them, where to choose

Their place of rest, and Providence their guide.

They hand in hand with wand’ring steps and slow

Through Eden took their solitary way. (XII, 641-649)

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Esse texto faz parte dos guias de leitura para a sétima aula, Reforma, do meu curso Introdução à Grande Conversa: um passeio pela história do ocidente através da literatura. Esses guias são escritos especialmente para as pessoas alunas, para responder suas dúvidas e ajudar em suas leituras. Entretanto, como acredito que o conhecimento deve ser sempre aberto e que esses textos podem ajudar outras pessoas, também faço questão de também publicá-los aqui no site. Todos os guias de leitura das aulas estão aqui. O curso aconteceu entre julho de 2020 e março de 2021 — quem se inscrever depois dessa data tem acesso aos vídeos das aulas anteriores.

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Paraíso Perdido, de John Milton é um texto no site do Alex Castro, publicado no dia 16 de março de 2021, disponível na URL: alexcastro.com.br/paraiso-perdido-de-john-milton // Sempre quero saber a opinião de vocês: para falar comigo, deixe um comentário, me escreva ou responda esse email. Se gostou, repasse para as pessoas amigas ou me siga nas redes sociais: Newsletter, Instagram, Facebook, Twitter, Goodreads. // Todos os links de livros levam para Amazon Brasil. Clicando aqui e comprando lá, você apoia meu trabalho e me ajuda a escrever futuros textos. // Tudo o que produzo é sempre graças à generosidade das pessoas mecenas. Se gostou, considere contribuir: alexcastro.com.br/mecenato

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