Sobre o trabalho de artistas vivas, eu só falo coisas boas. As ruins, eu calo.
Na primeira semana de novembro de 2016 — entre o Dia de Todos os Santos, quando todos os maus espíritos estão soltos no mundo, e uma eleição norte-americana entre uma direitista militarista e um louco racista misógino; enquanto meu país sofre sob um desgoverno ilegítimo e meu estado enfrenta a ressaca pós-olímpica cortando serviços essenciais — participei de um retiro zen-budista em Auschwitz, na Polônia, realizado pela Ordem dos Pacificadores Zen.
Para quem está chegando agora, recomendo começar por meu texto Um escritor no campo de concentração, escrito antes do retiro. Abaixo, algumas palavras sobre a experiência pós-retiro zen em Auschwitz.

* * *
contra a hipocrisia
nada pode ser mais hipócrita do que acusar alguém de hipocrisia.
recomendação
quando os nazistas tomaram a áustria, freud pediu pra sair.
o mundo inteiro estava olhando e os nazistas não ousaram fazer mal ao zero-um da psicanálise, mas dificultaram ao máximo o processo.
por exemplo, para obter o visto de saída, freud teve que assinar um documento que dizia:
“eu, professor sigmund freud, confirmo ter sido bem tratado pelas autoridades alemãs, em especial pela gestapo, com todo o respeito e consideração devidos à minha reputação científica, que pude viver e trabalhar em plena liberdade, que pude continuar minhas atividades por todas as maneiras à minha vontade, que encontrei cabal apoio de todas as autoridades a esse respeito, e que não tenho qualquer razão de queixa.”
freud não hesitou em assinar o documento e só perguntou se poderia acrescentar uma frase:
“posso, de coração, recomendar a gestapo a qualquer pessoa.”
Depois de um ano tão ruim…
…um ano que infelizmente promete ser o prelúdio de anos muito piores…
(a eleição do Trump é ruim, mas seu primeiro ano na presidência seguramente será pior, etc)
…uma historinha que ousa ser otimista diante da tragédia.
leituras de 2016
minhas leituras são a história da minha vida.
* * *
escravidão: o passado é o presente
a polícia militar não invade do mesmo jeito a cobertura do descendente do escravizador e o barraco do descendente do escravizado.
o passado, como uma pedra jogada na água, cria ondas concêntricas que repercutem no presente.
Prisão Conhecimento
Cultivando o não-conhecimento e abraçando a não-certeza, exercendo a não-opinião e praticando o não-debate. Ouvindo e aceitando, acolhendo e abraçando.
um escritor no campo de concentração
O que é ideologia
durante a rio2016, arrumei um celular, voltei ao facebook e compartilhei por lá minhas experiências em tempo real.
os textos sobre a primeira semana estão aqui. abaixo, escritos no calor do momento e não-editados, alguns trechos sobre a segunda e última semana de jogos.
* * *
mais um ouro para o brasil
entre o parque olímpico e o metrô jardim oceânico, o brt tem somente uma parada: no barrashopping.
infelizmente, em um desses dias olímpicos lotados, esqueceram de informar ao motorista, que passou direto.
a galera veio abaixo, gritando, mandando parar.
ele parou e começou a voltar, devagarinho, dando ré naquele ônibus gigantesco, claramente com muito cuidado e dificuldade.
demorou um tempinho.
quando finalmente conseguiu, a galera veio abaixo de novo, dessa vez batendo palmas e assobiando:
“é ouro! é ouro, brasil!”
sem saber se era sério ou se era sarcasmo, o motorista levantou os braços, agradeceu e seguimos viagem.
querida correspondente estrangeira
acompanhei com afinco sua cobertura sobre os dias que antecederam a catastrófica rio2016 e, inclusive, confiando no seu conhecimento da realidade brasileira, até cancelei minhas reservas e revendi meus ingressos.
infelizmente, na véspera da calamitosa festa de abertura, passei mal e entrei em coma, do qual acabei de sair, duas semanas depois.
agora, quero escrever meu próprio artigo sobre o caos da rio2016, mas estou com dificuldades de encontrar informações abalizadas.
por favor, você poderia me confirmar:
dentre o um milhão de visitantes…
— quantas foram executadas pelos esquadrões da morte das favelas?
— quantas turistas morreram por conta de atentados terroristas?
— quantas atletas contraíram zika?
— quantas iatistas caíram vitimadas pelas águas de esgoto aberto?
— quantas competições tiveram que ser canceladas porque os estádios não ficaram prontos?
— dentre os estádios milagrosamente “finalizados”, quantos desabaram por terem sido construídos de forma corrupta e apressada e incompetente?
— quantos nadadores foram roubados justo na noite em que queriam fugir de outros compromissos?
na certeza de que esses números devem estar na ponta dos seus dedos, fico no aguardo.
estou absolutamente feliz com a rio2016: arrumei um celular, voltei ao facebook e estou compartilhando por lá minhas experiências em tempo real.
abaixo, alguns dos menos piores momentos.
a coragem de não ter coragem
de vez em quando, dizem que sou “corajoso”.
mas não sou não.
pelo contrário, olho em volta e quase todas as pessoas são bem mais corajosas do que eu.
cinco perguntas sobre religião
o que é ser uma pessoa religiosa?
como lidar com fãs
se a pessoa gosta muito dos meus textos… é provavelmente porque leu pouco.
“meu texto é bom?”
um texto só pode ser bom em função do seu objetivo. aquilo que “sai pronto de você” “em um jato de inspiração”… é urina.
a arte melhora uma cidade
em el bolsón, na patagônia, existe uma tradição local de artistas entalharem imagens em árvores mortas.
para melhorar a cidade.
a verdade é que tudo é mentira. a mentira é que nada é verdade.
quando a pessoa começa a dar o conselho não-solicitado, eu dou mute nela dentro da minha cabeça;
fico pensando em outra coisa enquanto ela está mexendo a boca;
quando vejo que ela parou de mexer a boca, eu seguro em sua mão, dou um sorriso caloroso e verdadeiro e digo, “poxa, muito, muito obrigado mesmo pelo seu carinho, infelizmente, agora eu tenho que correr, mas vou levar suas palavras no coração por toda a vida”;
vou embora e passo a evitar essa pessoa.
tem funcionado muito bem pelos últimos 41 anos. a maior vantagem é pouco a pouco ir construindo um círculo de amizades de pessoas que não se metem nas vidas umas das outras.