Depois de um ano tão ruim…
…um ano que infelizmente promete ser o prelúdio de anos muito piores…
(a eleição do Trump é ruim, mas seu primeiro ano na presidência seguramente será pior, etc)
…uma historinha que ousa ser otimista diante da tragédia.
* * *
Estamos no ano 588 antes da Era Comum.
Jerusalém, capital do pequeno reino de Judá, está sitiada pelas tropas do rei Nabucodonosor, da Babilônia, a superpotência da época.
O Profeta Jeremias, por ter repetidas vezes profetizado que o rei babilônico destruiria Jerusalém e levaria seu povo cativo para a Mesopotâmia, estava preso e, sinceramente, com sorte por ainda estar vivo.
Mas os profetas não profetizavam somente com sua palavra, mas com seus corpos: sua própria vida era uma profecia sendo encenada ao vivo, diante do povo.
Então, nesse momento de crise, com a cidade cercada pelo exército que ele mesmo profetizara que a destruiria, Jeremias abandona o cárcere e… compra um terreno!
Ele segue escrupulosamente todo o ritual burocrático: redige duas vias do contrato, arranja testemunhas para assiná-las e, na presença delas, pesa as peças de prata, sela uma das vias e guarda ambas em uma jarra de barro.
(Como ainda não haviam moedas, o dinheiro tinha que ser pesado; as duas vias eram guardadas juntas, a oficial selada e outra, aberta, para consulta; em caso de dúvida, quebrava-se o selo para conferir se ambas eram iguais; a jarra de barro retinha umidade e preservava o documento.)
E o povo, incrédulo, pergunta:
“Mas, Jeremias, você não profetizou que Nabucodonosor vai tomar Jerusalém, arrasar a cidade, levar o povo escravizado? E está comprando um terreno?”
E Jeremias confirma que sim, infelizmente, todos os horrores que profetizara iriam acontecer, que os próximos anos serão sim duríssimos, mas que depois seria a vez de a Babilônia cair, como todo império sempre cai, e o povo voltaria a Jerusalém, a cidade seria reconstruída e repovoada, e se ouviriam novamente a voz alegre e a voz festiva, a voz da noiva e a voz do noivo.
E termina com uma das mais lindas mensagens de esperança de sua carreira profética tão dura:
“Ainda se comprarão casas e campos e vinhas nessa terra!”
* * *
Poucos meses depois, Nabucodonosor de fato tomou e destruiu Jerusalém, e levou seu povo cativo para a Babilônia. Setenta anos depois, voltaram. Mais tarde, perderam a cidade de novo. E recuperaram. E perderam. Hoje, para bem ou para mal (há controvérsias), estão lá.
Sim, as coisas vão melhorar. Talvez não hoje, talvez não amanhã, mas em breve. (E depois vão piorar de novo, aliás.)
Não necessariamente porque Deus nos prometeu, mas porque esses altos e baixos são a própria definição de História. “Os donos de Brasília não podem ser eternos”, nem os de Washington ou de Londres, nem Putin nem Macri.
Até lá, resistimos.
Bom 2017.
* * *
“Não vou sair”
Deixo vocês com uma canção paraense, que deveria ser mais conhecida no Brasil todo, “Não vou sair”, de Celso Viáfora.
(Obrigado a minha querida ex-esposa paraense, Diane, por ter me exposto a tantas coisas incríveis que nunca chegam aqui embaixo.)
Eu, que já saí da minha terra e estou muito muito muito feliz de ter voltado, não consigo ver a lua batendo nas águas da Guanabara e não cantar essa música na minha cabeça.
“Não Vou Sair (Celso Viáfora)
A geração da gente
Não teve muita chance
de se afirmar, de arrasar, de ser felizSem nada pela frente
Pintou aquele lance
de se mudar, de se mandar desse paísE aí, você partiu pro Canadá
Mas eu fiquei no já vou já, pois quando tava me arrumando
Pra ir, bati com os olhos no luar
A lua foi bater no mar e eu fui que fui ficandoDistante tantas milhas
são tristes os invernos
Não vou sair, tá mal aqui, mas vai mudarOs donos de Brasília
não podem ser eternos
pior que foi, pior que tá, não vai ficarNão vou sair
melhor você voltar pra cá
não vou deixar esse lugar.”
Interpretada por Nilson Chaves & por Lucila Novaes.