um texto só pode ser bom em função do seu objetivo. aquilo que “sai pronto de você” “em um jato de inspiração”… é urina.
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jovem escritora me manda seu texto e pergunta:
“o texto é bom?”
e respondo:
“não sei. para que é o texto?”
e ela:
“pra nada. é só um texto.”
e eu:
“então não tenho como responder.”
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um texto só pode ser bom em função do que se propõe.
o texto que é excelente para fazer rir pode ser péssimo em causar terror; o texto que é excelente para informar sobre química orgânica é péssimo em ensinar inglês.
se a pessoa autora não sabe para que o texto serve, se não sabe para que escreveu aquele texto, então o texto não tem chance de ser bom.
ou melhor, pode até ser bom, mas por acidente e à revelia, do mesmo modo que um relógio parado estará certo uma vez a cada doze horas – e errado praticamente o tempo todo.
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nada pode existir no vácuo. nada pode ser bom por acaso.
a coisa-que-é-boa só é boa porque cumpriu o objetivo que se propôs a atingir.
portanto, é impossível julgar se ela é boa ou não sem saber qual era esse objetivo.
um martelo é “bom” se eu tenho um prego para enfiar em uma parede.
se quero fritar um ovo ou trocar uma lâmpada, o martelo não me serve pra nada.
se uma cientista sai de seu laboratório, me pergunta se a nova ferramenta que acabou de inventar “é boa”, mas não sabe dizer para que serve…
… como responder?
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algumas pessoas leram esse texto e me acusaram de “utilitarista”, como se tudo tivesse que “ter objetivo!”:
“e a arte, alex?! e a arte?!”
mas “produzir arte pela arte” é um objetivo.
os objetivos de um texto podem incluir, desde o mais vago até o mais específico, coisas como “fazer as pessoas leitoras viajarem”, ou “estimular o sentido estético”, ou até mesmo um singelo “produzir arte”.
só não pode deixar de ser ALGUMA COISA.
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às vezes, essas pessoas me falam:
“eu não tinha objetivo. não tinha plano. o texto saiu de mim assim e pronto.”
“mas, se você não tinha objetivo nem plano, como vai revisar o texto? afinal, o processo de revisão nada mais é do que ajudar o texto a dizer melhor aquilo que ele se propõe a dizer.”
“deus me livre mexer no meu texto, alex! isso seria uma traição à minha inspiração artística. ele irrompeu de mim como um jato e pronto!”
e me dá vontade de responder:
colega, o que “sai de você assim e pronto” é cocô. o que “irrompe de você como um jato e pronto” é urina.
arte é criação consciente.
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o próximo encontro “as prisões” será em curitiba, no domingo, 2 de outubro. mais detalhes aqui.