uma pergunta: o quanto de um livro eu preciso ler para poder dizer que li esse livro?
outra pergunta: quem se importa?
uma pergunta: o quanto de um livro eu preciso ler para poder dizer que li esse livro?
outra pergunta: quem se importa?
o mundo é tão, mas tão misógino que inventa novas maneiras de ser misógino até com mulheres que nem mesmo existem.
* * *
deus ex machina:
expressão grega. literalmente, “deus surgido da máquina”. quando, no fim de uma tragédia, deus desce dos céus e literalmente resgata o protagonista, criando assim um inesperado, improvável e mirabolante final feliz.
estupro ex machina:
neologismo, séc.XXI. quando, em uma obra de ficção, uma ou mais mulheres são estupradas, objetificadas, humilhadas somente para chocar a platéia e/ou avançar o arco narrativo de um personagem masculino, que precisa de um motivo para 1) sofrer, 2) se vingar, 3) tornar-se um homem forte, duro e silencioso, 4) etc etc.
as pessoas são fracas.
elas não sabem o que querem e não tem a menor ideia de quem são. agem contra seus próprios interesses, machucam quem gostam, fazem tudo errado.
inclusive eu e você.
ou reconhecemos que somos todas assim (que essa é nossa condição existencial) e desenvolvemos uma maior tolerância para as fraquezas humanas (que também são as nossas)…
ou passaremos a vida em um triste e solitário pedestal, julgando e criticando as pessoas abaixo de nós pelas mesmas fraquezas que cometemos sem perceber.
às vezes, em resposta a algum dos meus textos, ouço a seguinte objeção:
“e se todo mundo fizesse como você, hein? nisso você não pensa, né?”
ted talks são onde o conhecimento vai para morrer.
de morte horrível, convulsionada, agonizante.
“se gritar pega ladrão, só fica a dilma, irmão.”
Quanto mais cética e cínica a pessoa, mais crédula e ingênua ela será.
As notícias falsas se tornaram um problema justamente porque as pessoas estão tão céticas que, em seu ceticismo crédulo, acreditam ingenuamente em qualquer narrativa alternativa.
Esse é o grande paradoxo dos tempos atuais.
tenho 45 anos e sou historiador.
meu lado quarentão acha, sinceramente, que o mundo está indo pro saco, que as pessoas perderam a noção, que estamos começando uma nova era de barbárie.
meu lado historiador sabe, comprovadamente, que em todas as épocas a geração que ia chegando na meia-idade sempre achava que o mundo estava indo pro saco, que as pessoas tinham perdido a noção, que estava começando uma nova era de barbárie.
quando você não confia em sua própria opinião, está na hora de enfiar a viola no saco e ir ler a ilíada offline.
dirigir no rio com uma haole* é recuperar um pouco de uma noção do absurdo que já perdemos há décadas.
bondes circulam no centro do rio de janeiro.
a febre amarela está de volta.
ministro considerado para o supremo defende “submissão da mulher”.
o lado bom é que a qualquer momento machado de assis deve lançar um novo romance.
Nunca vi nostalgia alguma que não fosse fundamentada numa sólida ignorância do passado.
lisa era pobre mas tinha um nome importante. o seu marido era rico, bem mais velho, mas não tinha nome. casaram. para marcar sua ascensão social, encomendaram um retrato da esposa, então com vinte e poucos. ela posou para o pintor diversas vezes ao longo de anos. ele fazia de tudo para distraí-la e manter sempre um sorriso em seus lábios. (como seria a convivência entre os dois? do que conversavam?) o pintor não ficou satisfeito com o quadro. nunca recebeu o dinheiro da comissão, nunca entregou o quadro inacabado. quando se mudou de cidade, levou o quadro junto. não sabemos a relação do casal com o quadro que encomendaram, não pagaram, não levaram. será que viram? devem ter vivido suas vidas sem pensar muito nisso. lisa teve 5 filhos e morreu aos setenta e poucos. hoje, 500 anos depois, ela talvez seja o rosto humano mais famoso de todos os tempos.
quero chacoalhar e incomodar. se você não se sente chacoalhada e incomodada lendo meus textos, então, não está funcionando.
Estar confusa só faz bem.
acidentes aéreos escancaram nossa impotência diante do acaso. teorias da conspiração recuperam alguma medida de controle sobre nosso destino.
O que importa não é a vida que levei, mas o que faço com ela hoje.
somos todas primatas sem alma, vivendo vidas sem sentido, presas na superfície de uma bola de pedra girando em torno de si mesma e se deslocando em círculos pelo vazio do espaço, destinadas a morrer em breve, junto com todas nossas pessoas queridas, assim como nossos países, nossas culturas e nossos idiomas, que vão desaparecer também, aquecidas por um sol que logo se auto-destruirá, levando com ele tudo o que já conhecemos.
então, sinceramente, no grande esquema das coisas, que importância pode ter esse seu probleminha aí?
depois de toda uma vida intensa em leituras, esses são meus livros preferidos.
bíblia, isolada na liderança há 20 anos.
declínio e queda do império romano, firme em segundo lugar, há 15 anos.
dois livros que são tudo que um livro têm que ser: imensos, inexauríveis, inesgotáveis.
dois livros que dá pra passar a vida lendo, que, se fossem os únicos livros que uma pessoa lesse, daria para extrair deles o universo.
só fofocas.