quero chacoalhar e incomodar. se você não se sente chacoalhada e incomodada lendo meus textos, então, não está funcionando.
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há muitos anos, eu dava aulas de português e literatura brasileira em uma universidade norte-americana.
um dia, depois de uma aula onde tínhamos discutido a questão das empregadas domésticas no brasil, uma aluna me procurou pra dizer que o tema foi perturbador (“disturbing”) e que ela se sentiu muito desconfortável (“uncomfortable”) durante a discussão.
eu perguntei se ela se sentiu desrespeitada em algum momento. ela respondeu que não.
fiquei aliviado e continuei:
pois bem, respondi, uma sala de aula (ainda mais em um liberal arts research university) não é mesmo para ser um ambiente confortável. nossa discussão tinha sido sobre uma grande parcela de mulheres brasileiras que ainda trabalha em condições parecidas à escravidão.
quando dou “quarto de despejo”, de carolina maria de jesus, para uma turma de pessoas norte-americanas brancas, privilegiadas e bem-alimentadas é claro que meu objetivo é pertubá-las, incomodá-las.
só uma pessoa sem coração e sem empatia conseguiria ler o diário da carolina sem se sentir perturbada e incomodada.
bom saber que você tem consciência, eu disse.
não quero nunca que se sinta desrespeitada na minha sala de aula. mas, ao longo desse semestre, ainda vamos ler os sertões e casa-grande e senzala.
se você NÃO se sentir desconfortável e incomodada, por favor, me avise!
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hoje, nos meus textos, sigo a mesma regra.
escrevo sempre com muito cuidado, mas meu objetivo continua sendo confortar as pessoas aflitas e, em larga medida, afligir as confortáveis.
quero chacoalhar e incomodar.
se você não se sente chacoalhada e incomodada lendo meus textos, então, não está funcionando.
se você não quer se sentir chacoalhada e incomodada, melhor não ler.