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Prisão Monogamia

Falar em não-monogamia é destravar a possibilidade de criarmos novos tipos de relacionamento, inclusive não-sexuais.

Nada pode ser mais capitalista e individualista do que a família nuclear monogâmica, com pessoas fechadas em grupos cada vez menores, exclusivos, isolados. Falar em não-monogamia é destravar a possibilidade de criarmos novos tipos de relacionamento, inclusive não-sexuais. E não tem como falar de relações românticas ou sexuais, de monogamia ou não monogamia, sem encarar de frente o fato de que, em nossa sociedade misógina, toda relação homem-mulher é sempre assimétrica.

(Essa é a versão final completa da Prisão Monogamia. Como parte do Curso das Prisões e para futura publicação pela Editora Rocco, estou revisando e reescrevendo todos os textos da série As Prisões. A Prisão Monogamia é a oitava, depois das Prisões VerdadeReligiãoClassePatriotismoRespeitoTrabalho e Autossuficiência. As inscrições para o curso estão abertas.)

Introdução

Dizer que a monogamia é uma prisão não é uma crítica às pessoas que escolheram viver relacionamentos monogâmicos, mas sim ao sistema institucional hegemônico quase-compulsório, vendido por nossa sociedade, pelas religiões, pelas famílias e pelas comédias românticas como a única opção possível e concebível para se relacionar e constituir família, tachando de imorais, doentes e antiéticos todo e qualquer arranjo amoroso-sexual não-monogâmico. Esse sistema nos convence de uma série de “verdades”. Entre elas, que só se pode amar uma pessoa de cada vez; que se amarmos realmente a-pessoa-que-está-conosco, nunca sentiremos tesão por outra; que as pessoas em um casal precisam suprir todas as necessidades afetivas, sexuais, emocionais, etc, uma da outra.

Mas nem todas as pessoas são assim. Existem pessoas que, de fato, só amam uma pessoa de cada vez (e elas estão muito felizes em seus relacionamentos monogâmicos) mas também existem muitas que amam mais de uma pessoa de cada vez (e essas estarão mais felizes em relacionamentos não-monogâmicos).

Quando as pessoas entram em um relacionamento monogâmico não porque escolheram a monogamia entre um sem-número de possíveis arranjos não-monogâmicos que poderiam ter escolhido, mas simplesmente porque nunca se deram conta de que havia opções possíveis fora da monogamia, então, sim, nesses casos a monogamia pode ser uma prisão. Ou seja, a monogamia é uma prisão quando não é vista como uma escolha.

O objetivo desse texto não é falar contra a monogamia, ou criticar as pessoas que escolheram a monogamia, mas simplesmente mostrar que, ao contrário do que afirma o sistema monogâmico, existem outras maneiras igualmente válidas de organizarmos nossos relacionamentos. Temos a liberdade de escolher a monogamia (sim, por que não?) mas também precisamos ter a liberdade de escolher qualquer uma das outras infinitas formas de viver, de amar e de transar. A escolha é nossa.

Como em todos os textos das Prisões, o objetivo aqui não é te convencer de nada, mas te mostrar que você sempre teve uma escolha que talvez nunca tivesse se dado conta.

Não-monogamia: o que é

Relacionamentos não-monogâmicos são quaisquer relacionamentos sexuais, românticos, amorosos ou afetivos consensuais, entre duas ou mais pessoas de quaisquer sexos e gêneros, que vão além da normatividade monogâmica da nossa sociedade e onde não exista a restrição aos envolvimentos com outras pessoas de fora do relacionamento.

Utilizo a expressão ampla “relacionamentos não-monogâmicos” intencionalmente para evitar outras expressões mais específicas, como poliamor, relações abertas, relações livres, anarquia relacional, etc. Todas essas, e outras mais, são variantes possíveis dentro de “relacionamentos não-monogâmicos.”

Esse texto não é cisheteronormativo. Todos os casos se aplicam a relacionamentos entre pessoas de quaisquer identidade, sexo, gênero ou orientação, a não ser quando explicitamente mencionado. (Alguns exemplos vão tratar especificamente das canalhices que alguns homens heterossexuais fazem com algumas mulheres heterossexuais.)

Não-monogamia: o que não é

O oposto de monogamia não é poligamia. Poligamia, poliandria e poliginia são arranjos não-necessariamente consensuais e que, por isso, muitas vezes se convertem em sistemas de dominação tão potencialmente opressores quanto a monogamia também pode ser. Já nos relacionamentos não-monogâmicos, conforme definidos aqui, todas as participantes, homens e mulheres, pessoas cis e trans, pessoas hétero, homo e bissexuais, chegam e permanecem sempre em pé de igualdade: pessoas humanas adultas que podem usar e dispor de seus corpos livremente, consensualmente. Se não for livre, consensual e acordado previamente, não é uma relação não-monogâmica.

Swing não é não-monogamia. Swing se refere a uma prática sexual entre casais onde, em uma situação bem específica e bem delimitada, ambas as pessoas de um casal podem transar com outras pessoas de fora do casal. Por isso, via de regra, o swing acontece em contextos monogâmicos, onde o tesão é justamente aquela “transgressão controlada”. Pessoas não-monogâmicas também podem frequentar o swing (apesar de provavelmente não desfrutarem do prazer dessa pequena transgressão) e praticantes do swing também podem ser não-monogâmicas, mas uma coisa não tem necessariamente nada a ver com a outra.

Relacionamentos não-monogâmicos não são (necessariamente) putaria desenfreada. Quem quer transar com uma pessoa por noite normalmente prefere uma solteirice desimpedida a relacionamentos, mesmo se não-monogâmicos. Um relacionamento não-monogâmico é, antes de tudo, um relacionamento. Um relacionamento com pactos, compromissos, amor, planos — e o que mais as pessoas participantes consensualmente decidirem. O que não exclui, naturalmente, pactos de putaria desenfreada. (O preconceito é achar que qualquer coisa que não seja monogamia é necessariamente putaria desenfreada.)

A monogamia é um sistema

Uma amiga uma vez me perguntou se eu não tinha “períodos monogâmicos” na vida e respondi que não, que eu seria completamente incapaz de viver assim. Ela ficou impressionadíssima, como se eu tivesse dito que transava com uma pessoa diferente por dia, como se rejeitar a monogamia significasse algum tipo de obrigação ou compulsão de sair toda noite procurando alguém para fazer sexo! (É cansativo só de imaginar uma coisa dessas!)

Monogamia não significa simplesmente “transar com apenas uma pessoa”. Se fosse, a monogamia não seria tão potencialmente nociva, e eu, e a maioria das pessoas não-monogâmicas, de fato teríamos sido monogâmicas por grande parte de nossas vidas.

Mas a monogamia é o sistema. Não é apenas um pacto entre duas pessoas de só poderem se relacionar de forma amorosa, romântica, afetiva ou sexual uma com a outra, mas também um pacto público e socialmente aceito, vigiado e aplicado por toda a nossa civilização cristã-monogâmica, mantido pela família, pelos costumes, pela religião, pelas leis, inclusive pela polícia. (Até pouco tempo atrás, quebrar o pacto monogâmico era crime tipificado no Código Civil, dava prisão, justificava divórcio, podia levar à perda de pensão alimentícia e guarda das crianças e até mesmo — se o homicida fosse homem, naturalmente — atenuava o homicídio.)

Então, se estou em um relacionamento não-monogâmico e passei um ano inteiro transando “apenas” com a pessoa-com-quem-estou (como se fosse pouco ou insuficiente transar apenas com ela!), ou mesmo se passei o ano inteiro sem transar com ninguém, isso não quer dizer que passei o ano monogâmico. Pelo contrário, passei o ano tão livre quanto sempre fui, primata adulto e sexual que sou, flertando, vivendo, namorando, dispondo da minha vida e das minhas vontades ao meu bel-prazer.

Não existe segurança em nenhum relacionamento

Relacionamentos não-monogâmicos são difíceis, trabalhosos, quase impossíveis. É duro encarar a verdade de que a pessoa-que-está-conosco é tão livre quanto nós. Que estamos sim o tempo todo competindo com todas as outras pessoas do mundo pela atenção e amor e afeto da pessoa-que-está-conosco. Que ela pode sim, a qualquer momento, escolher ser feliz, fazer amizade, confidenciar, se divertir, se apaixonar por outra pessoa e que isso não é errado, não é canalha, não é traição: é nosso direito inerente de primatas livres. Pode ser enlouquecedor aceitar a completa e inescapável falta de segurança e de estabilidade que define a condição humana, e aceitar com tranquilidade (ou, ao menos, resignação) o fato de que a pessoa-que-está-conosco pode sim ir embora qualquer momento. Mais difícil ainda é aceitar tudo isso ao mesmo tempo em que você ama de verdade essa outra pessoa (ou pessoas) com quem você está em uma relação compromissada, cúmplice, confidente, onde existem sonhos e planos compartilhados.

O que a maioria das pessoas ignora é que todos esses perigos, sem exceção, se aplicam igualmente às relações monogâmicas e não-monogâmicas.

Porque a maior mentira da monogamia é vender uma falsa segurança: ela diz que, se apenas formos fiéis, as pessoas-com-quem-estamos não vão nos trair nem nos abandonar. E nós, pequenas e inseguras, carentes e temerosas, apesar de todas conhecermos centenas de histórias de relacionamentos monogâmicos onde isso não aconteceu, nos deixamos levar pela esperança de que conosco será diferente e, em troca dessa aconchegante miragem, abrimos mão de nossa liberdade.

Em minha vida, pelo contrário, preferi encarar esses riscos: aceito a insegurança inerente a qualquer relacionamento. Não valeria a pena trocar liberdade por segurança nem se a segurança fosse possível. Mas não é. Não existe segurança.

Sexo não é um jogo de soma zero

Se estou longe e a pessoa-com-quem-estou transa com alguém… por que isso é um problema? Se esse tal alguém foi à minha casa e comeu uma maçã, eu de fato fiquei com uma maçã a menos. Se transou com a pessoa-com-quem-estou… fiquei com menos o quê? Sexo não é um jogo de soma zero: essa transa a mais para a pessoa-que-está-comigo não significou uma transa a menos para mim. (E, mesmo se significasse uma a menos, assim como a maçã, tem mais de onde saiu essa.) Por que seria uma terrível traição a pessoa-que-está-comigo passar a tarde transando com alguém mas não, digamos, jogando tênis ou vendo tevê ou cozinhando com essa mesma pessoa?

A melhor resposta é “porque havia um acordo de não fazer isso” e eu concordo plenamente que os acordos, desde que estabelecidos de forma livre e consensual, devem ser mantidos. Mas por que esse acordo? Por que a possibilidade de as pessoas-que-estão-conosco transarem com outras pessoas é um problema tão grande que é necessário um acordo específico para evitar que isso aconteça? Aliás, não só um acordo específico, mas todo um sistema de leis, investigações, punições?

A importância excessiva do sexo na monogamia

Uma objeção comum aos relacionamentos não-monogâmicos:

— Se a pessoa com quem estou puder sair com outras, então aumentam as chances de ela me largar.

Esse comentário é repetido com tanta frequência que ele claramente deve soar até autoevidente para muitas das pessoas leitoras. Para os meus ouvidos, porém, soa tristíssimo. Tenho vontade de abraçar essa pessoa e dizer:

— Você é menos pior do que se imagina, e a pessoa-com-quem-está é menos leviana do que você pensa.

Pois, para fazer esse comentário, uma pessoa precisa presumir duas coisas. Em primeiro lugar, que ela é pior e menos desejável do que a média da humanidade. Logo, se a pessoa-com-quem-está sair com outras, será provavelmente com gente melhor que ela. E, em segundo, que a pessoa-com-quem-está é leviana e superficial, pois seria capaz de abandonar o relacionamento (e toda sua cumplicidade conquistada e companheirismo compartilhado) somente por ter encontrado alguém melhor de cama – como se fosse o sexo a única cola a unir o casal.

Bons relacionamentos, cúmplices, companheiros, carinhosos, são muito difíceis de encontrar. E vão muito além do sexo. Não quero de modo algum atacar a monogamia (o raciocínio acima é perfeitamente válido) mas apenas mostrar que existem outras lógicas de relacionamento, outras maneiras de pensar o afeto, outros jeitos de encarar as mesmas questões amorosas.

A lógica monogâmica diz que não podia estar saudável um relacionamento que termina porque uma das pessoas transou fora – pois, se estivesse, não teria havido esse desejo sexual por uma terceira.

A lógica não-monogâmica, por sua vez, diz que não pode estar saudável um relacionamento que termina porque uma das pessoas transou fora – pois, se estivesse, não teria terminado por uma besteira dessas.

Na mídia, as pessoas não-monogâmicas são geralmente representadas como “libertinas insaciáveis que só se importam com sexo.” Mas, pelo contrário, são as leis e costumes das sociedades monogâmicas que colocam o sexo no centro dos relacionamentos, que legislam que um casamento pode ser anulado se não houver sexo, que consideram o sexo dito “impróprio” como justificativa válida para separar famílias e até mesmo atenuar homicídios – a famosa “legítima defesa da honra”.

Um relacionamento comprometido é um vasto mecanismo composto por histórias compartilhadas, planos futuros, famílias entreligadas, vivências comuns, etc. Entre tantas peças constitutivas do mecanismo, por que priorizar e quase sacralizar justamente o sexo?

A importância relativa do sexo na não-monogamia

Como toda atividade que envolve pessoas, o sexo pode ou não ser importante, dependendo da importância que nós, pessoas humanas, damos a ele. A importância não está no ato, mas em nós. Ir na padaria da esquina pode ser a experiência mais rotineira e desimportante do mundo (como o sexo pode ser rotineiro e desimportante) e também a mais linda e transcendental do mundo, como no dia em que conheci a pessoa-com-quem-estou na fila da padaria e isso mudou nossas vidas (assim como o sexo pode ser incrível e transcendental e mudar nossas vidas).

Ao atribuir ao sexo uma importância compulsória, o sistema monogâmico acaba estigmatizando tanto as pessoas que praticam relações de sexo mais casual, sem necessariamente envolvimentos amorosos ou sentimentais, quanto as que não sentem atração sexual e levam suas vidas em grande parte sem sexo, as hoje chamadas “assexuais”.

Pois se o sexo é algo importante e mágico por definição, se o sexo é o que define o companheirismo, o afeto, a cumplicidade, então essas pessoas, seus estilos de vida, seus relacionamentos, são todos de segundo escalão. É como se o sistema monogâmico tivesse arbitrariamente instituído uma quantidade ótima de sexo que cada pessoa deve fazer: quem faz mais é “vadia”, quem faz menos é “loser”, mas o número mágico em si nunca é revelado.

Afirmar que sexo não é importante por definição não é afirmar que o sexo não é possivelmente perigoso ou fatal. Dirigir também pode ser perigoso e fatal (assim como o sexo) e, por isso, precisamos de todo um aparato de segurança, como carteira de habilitação e cinto abdominal dianteiro (ou camisinha e testes de HIV), mas isso não quer dizer que dirigir seja “importante” – pelo menos, não do jeito que o sistema monogâmico vende que o sexo é “importante”.

Assim como afirmar que sexo não é importante por definição não quer dizer aprovar que as pessoas usem ou objetifiquem ou desrespeitem umas às outras durante o sexo. Não é necessário considerar uma atividade “importante” para agir de forma respeitosa com as pessoas que praticam essa atividade conosco. Toda atividade em que pessoas estejam envolvidas deve ser praticada com cuidado, com respeito, de forma consensual, reconhecendo a humanidade, os limites e a liberdade de escolha das outras pessoas que estão desenvolvendo essa atividade com você, seja abrir uma empresa, jogar vôlei ou fazer uma suruba.

Viver de forma plena a não-monogamia também significa reconhecer que todas as pessoas têm o direito de atribuir ao sexo a importância que desejarem, e que nada disso nos exime da obrigação de tratá-las com respeito.

Não-monogamia também é para quem quer menos sexo

Quando andamos pela rua e vemos aqueles cartazes “trago a pessoa amada em três dias”, sempre nos colocamos no lugar na pessoa que traz: “hmm, quem eu mandaria trazer?” Mas eu sempre me coloco no lugar da pessoa trazida: “imagina que horror eu estar em casa de boa e, de repente, começar a sentir um desejo repentino, uma necessidade irreprimível por uma pessoa que já era página virada na minha vida?”

O lugar comum da nossa sociedade é que as pessoas não-monogâmicas são sedentas por sexo, não se saciam com uma pessoa só, precisam de mais, mAIS, MAIS! E, de fato, essas pessoas existem. Para elas, a não-monogamia é uma maneira de resolverem ao mesmo tempo nossa necessidade humana compartilhada por conexão humana e sua necessidade individual por sexo. E tudo bem.

Mas a não-monogamia também é um porto seguro para pessoas que precisam de menos sexo.

Eu, por exemplo, durante muito tempo achei que tinha uma baixíssima libido. Certamente, bem mais baixa do que os homens a minha volta diziam ter. Hoje, porém, depois de considerar o quanto os homens se vêem socialmente obrigados a se afirmarem garanhões, concluí que não tenho como saber. Aliás, o que seria uma libido normal? Existiria um número mágico?

Mas o fato é que, na minha vida, relacionamentos românticos, gostosos, cúmplices, compromissados, sempre foram muito mais importantes do que sexo. Então, em muitas e muitas ocasiões, o sexo foi muito mais algo que fazia para manter esses relacionamentos do que um fim em si. É como se para deixar minha namorada feliz e satisfeita eu tivesse que comer pizza com ela todo dia. Eu adoro pizza, e adoro comer pizza com ela, mas teria comido tanta pizza se não fosse essa obrigatoriedade? Certamente não.

A regra monogâmica de “você só pode transar com uma única pessoa” é por definição limitante, mas a regra “a outra pessoa só pode transar com você” me parece ainda mais opressora, angustiosa até:

— Benhê! Estou saindo do escritório, vai preparando o jantar porque vou chegar morta de fome!

— Mas, amor, passei o dia escrevendo, estou muito cansado. Você não pode comer alguma coisa pela rua? Passar num restaurante?

— Não! Você sabe que só posso comer da sua comida! Se não quiser cozinhar, vou dormir com fome. E vou continuar passando fome até você querer cozinhar pra mim de novo!

— Mas… mas… Tem um árabe aí na esquina do seu trabalho. Você adorava esse árabe. Por favor, resolve sua fome no árabe. Só hoje. Estou exausto.

— Ai, benhê, depois que provei da sua comida, não consigo nem sentir vontade de comer nenhuma outra. Tem que ser a sua ou é a fome!

Para a maioria das pessoas, esse diálogo parece perfeitamente comum, talvez até ideal, algo romântico, um sonho. Para mim, ele soa obsessivo e doentio. Fico cansado só de imaginar uma pessoa que toda vez que quiser sexo tem que ser comigo. Só poder transar com uma única pessoa é ruim, mas ser o único supridor de sexo de outra é infinitamente pior.

Quantas das pessoas me lendo, especialmente as mulheres, já fizeram sexo contra a vontade, inclusive com pessoas que realmente amavam e desejavam, só por causa das obrigatoriedades sexuais monogâmicas?

A não-monogamia também serve para nos libertar desse peso.

O risco de sermos trocadas

Muitas pessoas monogâmicas me fazem o seguinte comentário:

— Se a pessoa-com-quem-estou transar com outra, aumentam as chances de eu ser trocada, não?

Se a pessoa-que-está-comigo sentir interesse, tesão, paixonite por alguém fora do nosso relacionamento e transar com ela dentro das regras do nosso pacto não-monogâmico, existe a possibilidade de ela me trocar por essa pessoa. Mas se a pessoa-que-está-comigo sentir interesse, tesão, paixonite por alguém fora do nosso relacionamento e não transar com ela por respeito às regras do nosso pacto monogâmico, também existe a possibilidade de ela me trocar por essa pessoa. A grande maioria das pessoas que escolhe a monogamia parece calcular que as chances de rejeição no primeiro cenário são autoevidentemente muito maiores do que no segundo cenário. Quanto a mim, confesso não ter dados para quantificar qual cenário é mais “arriscado”: dependeria das pessoas envolvidas, do momento que estão em suas vidas e em seus relacionamentos, de muitos fatores imponderáveis. Naturalmente, se não é possível saber quais são as chances de rejeição em cada tipo de relacionamento, também não é possível saber se uma transa fora do relacionamento por parte de uma pessoa aumenta ou diminui as chances da outra pessoa ser rejeitada.

Vivo relacionamentos não-monogâmicos porque, na impossibilidade de determinar qual cenário é mais “arriscado”, prefiro sempre errar em prol de mais liberdade para mim e para as pessoas que escolhem se relacionar comigo.

Um dos tantos fatores imponderáveis que tornam o cálculo desse risco impossível é como eu me comparo em relação às outras pessoas. Em certa medida, o medo que sentimos de ser trocadas se a pessoa-que-está-conosco transar fora do relacionamento é inversamente proporcional à nossa autoestima. Afinal, se me considero “abaixo da média” (o que quer que isso seja!), então, se a pessoa-que-está-comigo transar fora provavelmente será com alguém “melhor” que eu e, portanto, as chances de eu ser trocada são maiores. Por outro lado, se me considero “acima da média”, posso presumir o oposto: que ao transar com outras pessoas, ela vai dar ainda mais valor a mim, ao nosso relacionamento, a nossa cumplicidade, à nossa história.

Outro dos fatores imponderáveis é o quão leviana e superficial eu considero a pessoa-que-está-comigo. Pois, se tenho confiança nela, no nosso relacionamento, em nosso carinho, em nossa história compartilhada e em nossos planos futuros, então também tenho confiança de que não vai jogar fora tudo isso que construímos juntos só por uma foda – por melhor que seja a foda.

Cabe também problematizar essas noções competitivas de “melhor foda”, “acima da média”, etc. O que seria isso? Quais seriam os critérios? Existiria uma medição assim tão objetiva? Muitas vezes, o que faz o sexo ser “melhor” ou “pior” tem pouco a ver com a mecânica em si do ato sexual e tudo a ver com as emoções, as expectativas, o carinho, o afeto, a confiança que trazemos para a cama. Além disso, um relacionamento é muito, muito mais do que sexo, bom ou ruim, acima ou abaixo da média. Nada impede a pessoa-que-está-comigo de transar com alguém “melhor de cama” do que eu e, ainda assim, continuar comigo, porque gosta do jeito como leio histórias para ela dormir, porque sente falta do meu toque, porque valoriza toda uma vida de casal que construímos juntos.

Então, ela pode manter o relacionamento comprometido que tem comigo e, ao mesmo tempo, também continuar transando com a tal pessoa “melhor de cama” do que eu, estabelecendo com ela um outro relacionamento ou não. E, quem sabe, também pode sair com outra pessoa, “pior de cama” que todas, mas que faz aquela coisa com a língua que só ela sabe fazer. Ou, para não ficarmos apenas no sexo, também pode sair com uma pessoa com quem ela nem transa, mas com quem adora dormir agarradinha e assistir filme comendo pipoca no sofá. Ou pode não sair com ninguém. Por que não?

Na verdade, a maior dádiva que os relacionamentos não-monogâmicos nos oferecem é justamente, quando sentimos interesse romântico ou sexual por mais de uma pessoa, a possibilidade de não ter que escolher: podemos nos dar o direito de nos relacionar com ambas.

Nunca houve relacionamento bom que terminou

Relacionamentos terminam porque uma ou mais pessoas estão infelizes ou insatisfeitas, e porque falta vontade ou capacidade para resolver essas questões. Então, se a pessoa-que-está-comigo não quiser mais ficar comigo, seja para ficar com outra pessoa ou para ficar sozinha, essa mudança, apesar de dolorosa, é provavelmente mudança positiva, ou para ela ou para mim, ou para ambos. Eu me sentiria a pessoa mais egoísta e menos generosa do mundo se quisesse manter ao meu lado alguém que já concluiu que sua vida estaria melhor sozinha ou com outra pessoa. Nada disso quer dizer que não vou sofrer como um cão, chorando na sarjeta, uivando para a lua. Mas o meu luto é problema meu, não da pessoa-que-esteve-comigo.

Quem não se ama não tem como amar ninguém

Só quem ama a si mesma pode amar outra pessoa de peito aberto, de igual pra igual, com destemor e companheirismo.

A pessoa que se odeia, que não se ama, que se acha indigna de ser amada… ela, por definição, não sabe amar. O que ela pode sentir por outras pessoas nunca vai ser amor, mas, no máximo, admiração por essas pessoas incríveis que, bem, não são ela.

Quem não ama a si mesma não ama ninguém, pois só sabe estabelecer relações de inferioridade e superioridade, dominação e submissão. Pois se a pessoa-que-não-se-ama se acha tão inferior, ruim, inadequada ao ponto de nem mesmo se amar, e se ela ama outra pessoa, ou seja, se acha que essa outra pessoa é tudo o que ela não é, superior, melhor, adequada… Então, não tem como ser uma relação de igualdade, pois a pessoa-que-não-se-ama já chega no relacionamento se colocando em posição subalterna a essa outra que, ao contrário de si mesma, ela acha que, sim, merece ser amada. Se eu não acho que mereço ser amada, mas amo alguém que acho que, sim, essa pessoa sim, merece ser amada, como eu não me colocaria em posição inferior a ela? Como pode ser verdadeiro, igualitário, companheiro um amor assim subserviente?

Sempre que enfatiza a importância de se amar, ainda mais eu sendo um praticante budismo que também fala muito de atenção e egocentrismo, alguém me pergunta:

— Mas se amar, ou se amar demais, não é narcisismo e autocentramento?

Sim. A solução para a baixa auto-estima não é fazermos o caminho inverso e chafurdarmos no autoamor exagerado. A pessoa que se odeia e a pessoa apaixonada pelo próprio reflexo são duas faces do mesmíssimo narcisismo autocentrado. Se amar demais, ou se amar de menos, são duas prisões que nos mantém sempre olhando para nosso próprio umbigo e tratando as relações humanas como se fossem uma contabilidade onde as entradas precisam bater com as saídas.

O caminho é justamente desapegar desse Eu. Não precisamos ficar tabulando nossos merecimentos para calcular se somos mais ou menos merecedoras. Ninguém é nem melhor, nem pior; nem mais, nem menos merecedora de amor. Todas as pessoas são merecedoras. Todas nós apenas somos. Só seremos livres para de fato enxergar as pessoas a nossa volta e amar sem barreiras quando nosso Eu deixar de ser uma questão tão absorvente. Só dá pra amar de verdade desapegando da Prisão Eu.

— Mas, Alex, o que é pra você “amar a si mesma”?

Imagina se vou ser juiz de um negócio desses! Aceito a autodeclaração das pessoas. Se ela diz que se ama, acredito. Talvez mais importante, se diz que não, acredito também.

Novas pessoas não tiram, só acrescentam

Muitas vezes, nas relações monogâmicas, um sexo quente e clandestino na hora do almoço pode fazer com que uma pessoa recupere o desejo há muito perdido por seu cônjuge. Pois o sexo e amor, como já foi dito, não são jogos de soma-zero. Quanto mais amamos, mais amor temos para dar. Nada desperta tanto o tesão quanto mais tesão.

Quando eu ou a pessoa-que-está-comigo voltamos de estar com outras pessoas, além de trazermos novas experiências e novas histórias, talvez um novo jeito de dedar, talvez uma nova perspectiva sobre a vida, também estamos renovadas e cheias de tesão, livres e felizes. Trazemos uma energia nova. (Nos textos em inglês, new relationship energy.)

Todas as pessoas com quem as pessoas-com-quem-eu-estava já se relacionaram, longe de me “tomarem” algo ou de me prejudicarem de qualquer maneira, me adicionaram vivências lindas e incríveis. Muitas delas acabaram se tornando algumas das pessoas que mais gosto nessa vida, seja como amigas, amantes ou, por que não?, ambos. Afinal, já temos um enorme ponto de contato: o bom-gosto da pessoa que nos escolheu.

Como lidar com o ciúme

De vez em quando, algumas pessoas me dizem:

— Adoraria viver relacionamentos não-monogâmicos, só que tenho muito, muito ciúme. Como lidar?

Mas não existe nada de errado com o ciúme. É uma emoção como outra qualquer. A questão é o que fazemos com ele. Vamos lidar com o nosso ciúme nós mesmas, como pessoas adultas e dotadas de autocontrole, ou vamos usá-lo para atormentar, controlar, violentar as pessoas com quem estamos nos relacionando?

— O que você faz quando sente muita, muita vontade de dar um tapa num colega de trabalho que foi cretino com você?

— Nada, né?

— Pois bem. A resposta é essa. Não tem atalho. Não tem simpatia onde você possa dar três pulinhos e a raiva ou o ciúme vão sumir. Se você acha que é errado dar tapas em colegas de trabalho ou submeter a pessoa-que-está-com-você aos seus ataques de ciúmes, a única solução é simplesmente não fazer.

E cabe nos perguntarmos: de onde veio esse ciúme obsessivo que nos habita? Será que já nascemos pessoas naturalmente ciumentas? Ou será que esse ciúme é construído por toda uma cultura que nos ensina desde crianças a sermos possessivas, acumuladoras, egoístas?

O que construíram dentro de nós também pode ser desconstruído por nós.

O que é o ciúme

Não existe somente um ciúme. Quando uma pessoa diz que sente ciúme e a outra responde “eu também…” podem estar falando de emoções vastamente diferentes. Então, quando o ciúme se torna um problema, a primeira conversa a se ter é: “De qual ciúme estamos falando?”

Meu ciúme, por exemplo, pode ser medo de rejeição (1), como se o mero fato da pessoa-com-quem-estou querer sair com outra já significasse uma perda pra mim. Mas será mesmo que essa possível conexão entre duas outras pessoas tem a ver comigo? Uma das premissas da não-monogamia é justamente que minha parceira ter interesse ou sair ou transar com outras pessoas não significa que perdi nada, ou que fui rejeitado. Muitas vezes, esse medo de rejeição é somente um resquício (que pode ser forte) de sentimentos que a monogamia nos condicionou a sentir.

Indo mais além, nessa mesma linha, pode ser um medo de abandono (2): se minha parceira está saindo com outra pessoa, é porque estou a ponto de perdê-la, logo ela já não vai mais querer nada comigo, nosso relacionamento terminará, e ficarei sozinho, solteiro, abandonado. É possível? Sim, sempre é. A outra pessoa, afinal de contas, é livre. Mas uma das belezas da não-monogamia é justamente que nossa parceira pode se interessar por outra pessoa sem que isso signifique, necessariamente, que o relacionamento está em crise ou perigando terminar. Por isso, como tantos tipos de ciúme, o medo de abandono também pode ser um resquício de condicionamentos monogâmicos dos quais ainda não conseguimos nos livrar.

No extremo dessa tendência, o ciúme pode nascer de uma baixa auto-estima e se transformar em um medo de inadequação (3). É uma certeza insana e insistente de que minha parceira só está comigo porque ainda não sabe o quão todo errado eu sou, mas, se sair com mais e mais pessoas, será matematicamente impossível que não descubra em breve. Afinal, naquele canto da minha mente onde sempre são quatro da manhã, todo mundo é muito melhor que eu em quase tudo. Esse ciúme é uma mistura dos dois primeiros, pois une o medo da rejeição ao medo do abandono, como se minha parceira gostasse também de outra pessoa não porque elas duas têm uma conexão humana própria, mas sim porque eu sou feio, chato, bobo! Quando me pego olhando para esse abismo, e antes que ele me olhe de volta, procuro me lembrar que minha parceira é uma pessoa incrível. (Todas as minhas parceiras foram pessoas incríveis.) Se ela viu qualidades em mim que justificassem se relacionar publicamente comigo, tão errado assim eu não devo ser. Posso não confiar no meu discernimento, mas confio no dela. E dou um passinho atrás, para longe da borda.

O ciúme também pode ser uma variação de FOMO (do inglês fear of missing out), ou seja, medo de ficar de fora (4), uma irritação comparativa ao pensar que minha parceira está se divertindo mais do que eu. Muitas pessoas, começando na não-monogamia, às vezes já superaram os condicionamentos monogâmicos acima, mas ainda caem presa de condicionamentos capitalistas como esse, um certo pensamento competitivo de contabilizar quem saiu com mais gente, quem foi a mais festas, etc. Um bom relacionamento, porém, é uma cooperativa igualitária, não uma bolsa de valores onde alguns títulos sobem e outros descem. Sim, se minha parceira saiu com uma pessoa, posso passar a noite mandando quantos “oi, sumida” forem necessários até arrumar uma companhia noturna, mas também posso aproveitar para ler um livro ou cozinhar, sair com amigas ou dormir. A vida não é uma competição – muito menos com a pessoa que eu amo e escolhi me relacionar.

Nessa mesma linha, o ciúme pode ser uma simples inveja (5): não tenho necessariamente nada contra o que minha parceira está fazendo com outra pessoa, exceto pelo fato de que gostaria de estar fazendo isso com ela também, seja ir à praia ou maratonar uma série, cozinhar juntos ou fazer o frango assado. De todos os ciúmes, esse é o mais fácil de resolver, às vezes com uma simples conversa. Aqui, a competitividade e a comparação podem até ser saudáveis: “não me incomodo de você ir à praia com ela, se combinarmos que vamos nós sempre à praia na sequência”, etc.

Por fim, o ciúme pode ser um medo de vergonha pública (6). De todos os medos, certamente esse é o mais real: somos macaquinhas gregárias, vivemos em comunidade e dependemos de nossa reputação entre nossos pares: gostemos ou não, o comportamento das pessoas-que-estão-conosco sempre reflete, em alguma medida, em nós. Além disso, mulheres sempre pagam um preço maior por qualquer transgressão social. Nem todas as pessoas têm o privilégio de serem artistas para quem a não-monogamia pode se converter em bandeira pública. Aqui cabem conversas práticas sobre não só quem pode ser vista em público fazendo o quê com quem, mas também quais podem ser as consequências reais e concretas que podem resultar disso.

De qualquer modo, o ciúme é sempre uma manifestação de alguma questão nossa (medo ou insegurança, inveja ou vergonha?) que estamos projetando na outra pessoa. Por isso, de novo e sempre, uma maneira potencial de resolver quaisquer problemas de ciúme, seja o nosso ou da outra pessoa, é a pergunta salvadora: “Exatamente o que está me/te incomodando?” A resposta necessariamente ajuda a definir de qual ciúme estamos falando e, daí em diante, possíveis soluções podem ser conversadas e propostas, rejeitadas ou acordadas.

Sentir ciúme não é errado, porque nenhuma emoção é errada. Só o que pode ser errado é usarmos nossas emoções para atormentarmos umas às outras. Já abrir nossas emoções para as pessoas que escolheram viver a vida conosco é chamá-las para resolvermos juntas as emoções que estão nos atormentando.

Relacionamentos que funcionam

Escuto muito:

— Ah, relação não-monogâmica não funciona.

Algumas vezes, de fato, quem diz isso são pessoas que experimentaram uma ou mais relações não-monogâmicas, tiveram variados problemas e, então, voltaram à monogamia. Respeito as opiniões e vivências dessas pessoas, mas gosto apenas de acrescentar que não é que “relações não-monogâmicas não funcionam”, e sim que relações não-monogâmicas não funcionaram para elas naquela fase específica de suas vidas. Senão, eu também poderia dizer, bastante convicta, que cursar faculdade de engenharia ou ter filhos também são coisas que não funcionam – somente por eu saber que são coisas que não funcionam para mim, por causa de minhas próprias limitações de temperamento e de experiência de vida.

Em grande parte das vezes, entretanto, quem diz que “relação não-monogâmica não funciona” são pessoas que nunca tiveram nenhuma vivência desse tipo de relacionamento, nem nas próprias vidas, nem nas vidas de pessoas próximas. De onde será que vem essa certeza de que um estilo de vida sobre o qual sabem tão pouco “não funciona”?

Nas vidas das pessoas à minha volta, testemunhei um número literalmente incalculável de relacionamentos monogâmicos disfuncionais, violentos, abusivos e infiéis. Entretanto, nada disso me permite afirmar que “a monogamia não funciona” e sim que esses relacionamentos, entre essas pessoas, nesses contextos, eram disfuncionais, violentos, abusivos e infiéis. (Quando digo que a “monogamia é uma prisão” não é porque ela funciona ou não funciona, mas porque ela se apresenta como a única opção concebível para organizarmos nossos relacionamentos, relegando todos os outros tipos possíveis de relacionamentos à marginalidade.)

O que significa na prática dizer que um relacionamento, ou um tipo de relacionamento, não funciona? Um relacionamento que funciona com uma pessoa não funcionaria com outra. Um relacionamento que funciona em uma fase da nossa vida não funcionaria em outra. As variáveis são infinitas.

No fim das contas, porém, eu teria que dar o braço a torcer: sim, relacionamentos não-monogâmicos não dão certo. Mas os relacionamentos monogâmicos também não dão certo. Porque fundamentalmente nada dá certo: vivemos vidas repletas de dor e de confusão, eternamente buscando por conexões humanas sempre efêmeras, até que todas morremos, inclusive o sol e as estrelas, que vão se apagar uma a uma.

A questão é outra: no pouco tempo que temos disponível para viver e amar, qual é o tipo de relacionamento que nos parece mais adequado para viver com aquelas pessoas específicas, naquelas situações específicas, naquelas fases específicas de nossas vidas?

O problema da discussão sobre “relacionamentos que funcionam” é que ela confunde fins com meios. Um relacionamento não é um fim, um objetivo, uma destinação. (Se chegamos, deu certo; se nos perdemos, deu errado, etc). Pelo contrário, um relacionamento é um meio, uma prática, um dia-a-dia. Ele não está indo para lugar algum: só está sendo.

O que esperamos de nossos relacionamentos?

Uma amiga querida veio reclamar comigo que estava saindo com um cara ótimo, budista, gente fina, grande pessoa, que só tinha um grande problema: ela mandava mensagem pra ele e o homem demorava horas, as vezes dias pra responder, e ela ficava doida, subia pelas paredes de ansiedade, como é que ele achava que era razoável fazer um negócio desses?

E respondi:

— Ele é uma pessoa ótima, budista, coordena um templo, lidera um grupo, tem uma filha, ele funciona num outro tempo, num outro ritmo. Ele provavelmente nem imagina que está te fazendo subir pelas paredes de ansiedade. Você já falou isso pra ele? Pediu pra responder mais rápido?

— Claro que não, ué. Precisa explicar pra um adulto que não pode demorar dias pra responder uma mensagem?!

Ela acabou terminando com ele.

No ano seguinte, ela começou a namorar um outro cara, mais velho, pessoa boa toda vida, que só tinha um grande problema: mandava mensagens demais, e ela ficava doida, subia pelas paredes de raiva, como é que ele achava que era razoável fazer um negócio desses? E respondi:

— Ele é uma pessoa ótima, executivo ocupado, paizão de adolescente, ativo e presente na vida dos filhos, apaixonado por ela. Ele provavelmente nem imagina que está te fazendo subir pelas paredes de raiva. Você já falou isso pra ele? Pediu pra não mandar tanta mensagem?

— Claro que não, ué. Precisa explicar pra um adulto que não pode ficar mandando tanta mensagem durante o dia de trabalho?!

Ela acabou terminando com ele.

E perguntei:

— Você percebe que está se condenando à loteria de só poder ter relacionamentos com pessoas que calham de ter a mesma frequência de comunicação que você? Precisa explicar para uma adulta que ela tem que comunicar aos seus parceiros o que ela quer, o que precisa, o que espera?

As regras da não-monogamia

Tudo precisa de regras, mas existem regras e regras.

Muitas pessoas, começando relações não-monogâmicas, estabelecem regras que, na prática, servem de muleta psicológica para lhes dar um pouco mais de segurança e de apoio nessa transição, que pode ser assustadora, a um modelo mais aberto de relacionamento. Por exemplo, pode sair com outras pessoas, menos aos domingos, o domingo é só nosso; ou a regra oposta, só pode sair com outras pessoas no domingo; não pode passar a noite fora; não pode transar com outras pessoas na nossa cama; não pode viajar com outras pessoas; etc. Usualmente, as regras que vejo funcionar são as objetivas, como essas acima.

O tipo de regra que quase nunca funciona, e que sempre causa dor de cabeça, são as subjetivas, tipo “pode transar, mas não pode se apaixonar/gostar/se envolver”, justamente porque cada pessoa define essas coisas de maneira diferente, quase sempre as define de maneira a se beneficiar e, mais importante, quando a pessoa percebe, já está gostando, e aí já era.

Na minha experiência, sempre que as regras entram em conflito com o mundo real, o mundo real tende a vencer, até que, pouco a pouco, elas acabam sendo abolidas em prol de, simplesmente, conversas caso a caso, mais abertas e mais empáticas em relação às necessidades e limitações da outra pessoa.

Se estou num relacionamento e temos o pacto de nunca sair com outras pessoas na quarta, mas tem uma pessoa com quem a minha companheira quer muito sair e namorar e se relacionar, mas ela só está na cidade na quarta…. eu vou realmente preferir que minha companheira fique em casa, amuada e frustrada, olhando de rabo de olho pra mim, só pra respeitar uma regra arbitrária?

A felicidade, as vontades, os desejos da minha companheira, da pessoa que eu amo e em quem eu confio, são muito mais importantes que uma regra arbitrária que inventamos meses atrás.

Quando existe um relacionamento não-monogâmico compromissado e leal, onde as partes se gostam e se confiam, conversam e compartilham, as regras acabam perdendo um pouco a razão de ser, em detrimento da única regra universal: quando você ama e confia em alguém de verdade, e essa pessoa também ama e confia em você, tudo o que vocês fizerem juntos, combinados, conversando, vai ser da lei.

Quando existe esse tipo de relacionamento, com amor e confiança, conversa e compromisso, as pessoas acabam descobrindo que as regras são redundantes. Quando o relacionamento não tem esses componentes, nenhum empilhamento de regras vai poder salvá-lo.

Para onde estão indo os relacionamentos

Existe uma pessoa que eu amo. Essa pessoa é um ser independente, livre para beijar (e dançar), transar (e cozinhar), amar (e meditar) com quem ela quiser. Para fins práticos, porque a nossa sociedade heteronormativa beneficia casais heterossexuais, assinamos um papel: ele significa, entre outras coisas, que somos dependentes uma da outra para fins de plano de saúde ou visto de residência. Mas somos livres para des-assinar esse papel a qualquer momento. Ela me acompanha em muitos momentos e não em outros. Quando ela está comigo, é sempre lindo. Quando ela não está comigo, somos felizes de outras maneiras, com outras pessoas, fazendo outras coisas. Então, quando ela escolhe voltar para os meus braços, ao invés de estar em qualquer lugar fazendo qualquer coisa com qualquer pessoa, eu me sinto amado.

Quando me sinto amando muito, às vezes tenho rompantes de “levar o relacionamento para a próxima etapa”. Mas essa ânsia não resiste a três segundos de reflexão. Afinal, de onde vem essa minha certeza tão profunda de que relacionamentos sempre precisam progredir, avançar, evoluir, atingir metas? Progredir, avançar, evoluir… em direção a quê? Atingir metas… quais?

Confesso que ainda tenho dentro de mim essas vontades súbitas de “ir a algum lugar com o relacionamento”, mas, quando olho pra frente, não existe nenhum lugar para onde eu queira ir. Já estou no melhor lugar onde poderia estar. Eu quero apenas mais do que já temos.

O medo de perder pessoas

De vez em quando me perguntam:

— Mas, Alex, você não tem medo de perdê-la?

E respondo que sim. Claro. Muito. Eu me pélo de medo. Todo dia. Todo santo dia. Todo. Mas e daí? Qual seria a solução? Se tivéssemos uma relação monogâmica em vez de não-monogâmica, o risco de perdê-la seria o mesmo. Casadas ou solteiras, o risco de perdê-la é o mesmo. Morando juntas ou em casas separadas, o risco de perdê-la seria o mesmo. Quase todos os relacionamentos que conheço prendiam as pessoas umas às outras com todas as algemas ilusórias acima… e quase todos acabaram. Pior ainda, muitos dos que não acabaram (teoricamente, os que deram certo) deveriam ter acabado. As falsas algemas serviram não para garantir a felicidade do casal mas para prender um corpo morto a outro, duas pessoas quase estranhas hoje unidas apenas pelo cheiro de carne podre.

Então, sim, tenho medo de perder a pessoa-que-está-comigo. Mas tenho ainda mais medo de eu me perder dela e ela se perder de mim, e continuarmos juntos… só porque assinamos um papel, só porque temos uma filha, só porque moramos no mesmo apartamento e não temos para onde ir, só porque daria muito trabalho desfazer a empresa que abrimos juntas.

Nenhum grande amor merece virar um triste arremedo de si mesmo. É natural que tudo acabe. Nosso grande amor vai acabar, depois nossas vidas, depois nossas línguas, nossos países, nosso planeta, até nosso sol. (Esse processo não é nem bom nem ruim, nem triste nem feliz, nem desejável nem indesejável. Ele só é. Ele é a definição do que é “natural”.) É compreensível que tenhamos medo dessa entropia insaciável que, minuto a minuto, nos consome e também consome tudo o que conhecemos e que, finalmente, vai apagar todas as estrelas uma a uma. O que não é aceitável é nos escravizarmos, nos acorrentarmos, nos enlouquecermos umas às outras para fugir do medo e da entropia, da morte e do fim.

Então, sim, tenho medo de perder a pessoa-que-está-comigo. Mas isso não muda nada.

Precisar de pessoas

Muito tempo atrás, a pessoa-com-quem-eu-então-estava me perguntou, em tom de desafio:

— Você precisa de mim?

E dei a única resposta possível:

— Não. Não preciso de você e nem você de mim. Somos duas pessoas adultas e independentes que se sustentam. Eu te amo muito e estou com você por escolha própria. Quando nosso relacionamento fatalmente terminar, seja por iniciativa minha, sua ou mútua, eu vou sofrer e ficar triste (porque te amo e escolhi estar com você, mesmo que tenha depois desescolhido ou sido desescolhido) mas, em breve, a vida vai voltar ao normal, e vou conhecer outra pessoa, e vou dar outro primeiro beijo, e serei feliz novamente. Então, não, meu amor, não preciso de você para nada.

Ela não gostou da resposta e me acusou de “não ser nada romântico”, como se isso fosse uma falha de caráter. Hoje, às vezes, quando dá três da manhã na minha alma e bate uma insegurança avassaladora e constitutiva, eu sinto sim uma vontade louca de que a-pessoa-que-está-comigo de fato precise de mim, de maneira física e visceral, para que nunca, nunca vá embora!

Mas, logo depois, eu me dou conta: como poderia ser saudável um relacionamento baseado em um desejo assim tão violento e doentio? Não quero que a pessoa-que-está-comigo precise estar comigo: quero que ela queira estar comigo. E, quando não quiser mais, quero que ela esteja onde ela quiser estar, não atrelada a mim porque precisa, porque sofre de algum tipo de carência patológica e paralisante que lhe faz não ver sentido na vida fora do nosso relacionamento.

Hoje, também tomei a decisão de não me envolver com pessoas que precisem de mim: quero a segurança de saber que a pessoa-que-está-comigo está comigo por vontade própria e que se sente livre e capaz de ir embora a qualquer momento.

Esperando pela amizade perfeita

A relação de uma pessoa com qualquer outra é sempre pautada pelos limites e possibilidades de ambas. Por exemplo, escuto muito a seguinte reclamação:

— Tenho amigos que[nunca fazem um esforço … de vir à minha casa, ou a uma padaria perto da casa deles, que seja. Sempre eu quem tem que se deslocar à casa deles se quiser vê-los. Se não fizer esse deslocamento … não os vejo mais.

É verdade. Na minha vida, por exemplo:

Tenho amigas que são ótimas pra segurar a minha barra quando meu pai está com câncer, mas jamais sairiam comigo para dançar e badalar: “Ai, odeio lugar escuro, apertado, música alta! Deus me livre!”

Tenho amigas que não aguentam um minuto de conversa sobre câncer (“Vira essa boca pra lá, falar sobre isso atrai, quero viver!”) mas são as melhores companheiras para sair, dançar, beber, badalar.

Tenho amigas que me visitam sempre, mas que jamais me convidaram para conhecer suas casas: “Minha casa é um santuário, sabe? me sinto invadida quando recebo visitas.”

Tenho amigas que nunca me visitaram (“Perdão, Alex, tenho um prazo estourando, tô com a minha filha hoje, não vai dar pra sair”), mas que sempre me recebem em suas casas para dias deliciosos de conversa e coworking.

As pessoas são diferentes. Elas tiveram vidas, experiências, traumas diferentes, e, por isso, agem, oferecem, precisam de coisas diferentes.

Nada contra passarmos a vida esperando pela mítica amiga perfeita que vai sair para dançar conosco na sexta e nos acompanhar na quimioterapia do pai na segunda. (De novo, pautadas por nossos traumas e experiências, agimos como precisamos e como podemos.)

Em minha vida, porém, essa atitude fazia de mim uma pessoa amarga e solitária, sempre esperando mais das pessoas do que podiam oferecer, sempre me frustrando, sempre pulando de amiga em amiga em busca da amiga ideal.

Hoje, me sinto grato e privilegiado de poder ser o recipiente daquilo de melhor que as pessoas querem e podem me oferecer. Uma amiga que seja a amiga perfeita para passar um dia na praia é uma amiga perfeita para chamar para passar o dia na praia. Não espero que também seja a amiga que cozinha comigo, com quem converso sobre Doctor Who, que adora rodas de chorinho.

Minha maior fonte de sofrimento eram minhas expectativas sobre o comportamento das outras pessoas. Quando consegui diminuí-las ou desligá-las, minha interação social passou a ser muito mais prazerosa e mais tranquila, menos egoísta e menos autocentrada.

Agora, substitua “pessoa amiga” por qualquer uma das palavras que usamos para as pessoas com quem temos relacionamentos românticos-sexuais (“marido”, “namorada”, “noivo”, “amante”, etc) e o texto se torna automaticamente sobre relacionamentos não-monogâmicos.

Todas nós, ao longo da infância e adolescência, construímos um grupo de amigos e amigos que, se somente não fizermos nada, serão nossa rede de apoio por toda a nossa vida. Abraçar a monogamia, porém, é trocar essa rede de apoio por um único ponto de apoio. Simplesmente não vale a pena. Nós, macaquinhos gregários, não fomos feitos pra isso.

A ética das relações não-monogâmicas

A possibilidade de se viver abertamente relacionamentos não-monogâmicos é uma das grandes conquistas político-sociais das últimas décadas (especialmente para as mulheres). Entretanto, é importante ficarmos atentas para as pessoas (especialmente homens) que tentarão se utilizar desse discurso para justificar comportamentos desonestos e abusivos.

O principal fator que separa um relacionamento potencialmente abusivo, desonesto, infiel, etc, de um relacionamento não-monogâmico é um pacto prévio consensual articulado explícito. O que define que você está em um relacionamento não-monogâmico é justamente esse pacto prévio consensual articulado explícito. Se uma das pessoas acha ou jura ou afirma que está em um relacionamento não-monogâmico mas a outra não, se essa questão nunca foi explicitamente articulada e decidida, então, não, não estão.

Se você tem um relacionamento, transa com outras, a pessoa com quem você está descobre e continua no relacionamento, e você continua transando com outras, mas vocês nunca tiveram uma conversa explícita sobre limites, segurança, pactos, etc, então, não, o que vocês têm não é um relacionamento não-monogâmico. (Por mais que você ache que a outra pessoa aprove — senão, teria ido embora! — você é só uma pessoa que trai a pessoa com quem tem um relacionamento.) Se existe qualquer possibilidade de mal-entendido sobre se ambas as pessoas estão em um relacionamento não-monogâmico, então não é.

A razão disso é simples: os relacionamentos monogâmicos são a norma na nossa sociedade. Por isso, eles não precisam necessariamente ser articulados explicitamente. (Embora é bom que sejam.) Se duas pessoas se encontram, ficam, transam, transam de novo, transam de novo, começam a sair socialmente e encontrar as pessoas amigas umas das outras, e assim sucessivamente, pode bem ser que nunca articulem de forma explícita “sim, estamos namorando”, pois já terão entrado “naturalmente” nesse estado aos olhos delas mesmas e da sociedade que lhes rodeia.

Pelo mesmo motivo, se uma delas faz tudo isso com a outra (e continua transando com terceiras sem essa primeira pessoa saber) então, sim, é infidelidade. Mentir não é só uma ação, mas também uma omissão. Eu me comportar de maneira a gerar uma impressão que sei ser errônea em outra pessoa também é mentira. Em nossa sociedade, tudo no comportamento acima presume que as duas pessoas estão em uma relação monogâmica. Então, é desonesto eu criar na outra pessoa essa “impressão de monogamia”, continuar transando com outras e depois ainda me autojustificar dizendo:

— Ué, nós nunca combinamos que estávamos num relacionamento monogâmico!

A monogamia, como é o relacionamento default da nossa sociedade, não precisa ser explicitamente articulada. A não-monogamia precisa. Por isso, duas (ou mais) pessoas só estarão vivendo um relacionamento não-monogâmico se ambas souberem e afirmarem que estão vivendo esse tipo de relacionamento, se tiverem um pacto prévio consensual articulado explícito regulando os limites de cada uma e se houver uma constante disposição para conversá-lo, negociá-lo, redefini-lo.

Tudo que não for um “sim livre e empolgado” é “não”

Uma amiga, tentando entrar na não-monogamia, esbarrou no seguinte problema: como convencer as outras pessoas?

— Alex, por que é tão difícil as pessoas aceitarem viver relações não-monogâmicas?

— Talvez uma melhor pergunta seria: quem somos nós para pressionar uma pessoa a “aceitar” algo que ela claramente não quer?

Os pilares de um relacionamento não-monogâmico são liberdade e responsabilidade. O pacto tem que ser prévio consensual articulado e explícito. Se uma pessoa está com medo de perder seu relacionamento, e tudo que investiu nele, e, por isso, aceita a pressão da outra para abrir a relação, então, seu consentimento já está em alguma medida viciado.

Ocasionalmente, homens me procuram, com suas mulheres a tiracolo, para convencê-las a “parar de caretice e abraçar a não-monogamia”. Por favor, evitem passar esse vexame: eu fico sempre do lado da mulher que está sendo pressionada e nunca do homem que está pressionando.

(Reparem, por favor, que não usei “pessoa” no parágrafo acima. Pois essa situação de fato acontece e, sim, na minha experiência, sem exceção, é sempre um homem trazendo uma mulher.)

Quando um ladrão enfia uma arma na minha cara e me pergunta educadamente se consinto em lhe entregar minha carteira e meu celular, minha resposta é “sim, claro, faça bom proveito, obrigado!” Mas pode existir consentimento verdadeiro quando a pessoa não se sentiu livre para responder “não”?

É por isso que relacionamentos romântico-sexuais entre chefa e subordinada, orientadora e orientanda, líder religiosa e seguidora, psiquiatra e paciente, etc, sempre configuram assédio e abuso, mesmo se a parte subordinada jurar de pés juntos, e empolgada, que foi tudo consensual. Quando estamos arrebatadas pela transferência — esse amor misturado com admiração que a paciente sempre sente pela terapeuta e que é parte integrante do processo de cura — temos realmente condições mentais e emocionais de dizer “não”? A transferência que sentimos por figuras de autoridade, até mesmo chefas e orientadoras, faz com que nos apaixonemos de verdade. Por isso, mesmo se a iniciativa partir da subordinada, cabe à figura de autoridade reconhecer que aquele amor não é por ela, enquanto pessoa, mas sim ao lugar que ela ocupa naquele processo.

Se há transferência, se uma parte pode demitir a outra, ou torpedear sua carreira acadêmica, ou lhe receitar remédios psiquiátricos, ou intermediar sua relação com o divino, então, não existe livre consentimento.

Na vida, no sexo, no amor, tudo que não é um “sim livre e empolgado” na verdade é um “não”.

* * *

Um rápido pedido de ajuda. Só posso escrever esses textos com a ajuda material das pessoas que os leem e os valorizam. Mais especificamente, só posso escrever esses textos depois de ler muitos livros caros e importados! Se você mora no exterior e a taxa de câmbio é favorável, uma das maiores ajudas que pode me dar é depositando uns trocados nos meus cartões-presente da Amazon. Basta visitar os links abaixo, escolher o valor e enviar para eu@alexcastro.com.br: Espanha <amazon.es/cheques-regalo> ou EUA <amazon.com/gift-cards>. E muito muito obrigado! E de volta ao texto.

* * *

A não-monogamia oferece menos incentivo à mentira

Há mentiras em qualquer tipo de relacionamento, mas a não-monogamia retira grande parte dos incentivos para enganar, trair, se esgueirar. Outro dia, um homem me contou que estava acabando de sair de um casamento aberto de dez anos. Tinha tido várias relações fora do matrimônio e imaginava que a mulher também, mas ele não falava sobre os dele e ela não falava sobre os dela, e tinha sempre ficado por isso mesmo. Já no primeiro encontro com a futura esposa, aos dezesseis anos de idade, ele afirmou que nunca toleraria um relacionamento que fosse monogâmico. Segundo ele, a moça pareceu não gostar muito e desconversou (era o primeiro encontro!), eles nunca mais falaram nisso, continuaram saindo, depois namoraram, casaram, ficaram juntos dez anos. (Tenho sempre alguma prevenção contra esse discurso do “eu sou assim, o mundo que se adapte!” O que poderia ser mais egocêntrico?) Perguntei, para confirmar:

— Que você saiba ela nunca teve outros relacionamentos?

— Não.

— Vocês nunca mais falaram sobre relacionamentos não-monogâmicos depois daquela primeira menção em um primeiro encontro quando ambos tinham dezesseis anos?

— Não, ué. Precisava? Eu já tinha dito que pra mim a monogamia era intolerável.

E fui obrigado a dizer:

— Olha, o que você viveu não tem nada a ver com um relacionamento não-monogâmico. Você simplesmente passou dez anos traindo e mentindo para sua esposa. Aliás, como tantos homens.

Toda relação homem-mulher é assimétrica, monogâmica ou não

Os homens sempre tiveram o direito de pular a cerca à vontade e, quando são descobertos, a sociedade ainda cai de pau… nas mulheres!, dizendo que têm que perdoar, pelo “bem da família”, porque “homem é assim mesmo”, etc. Já as mulheres, quando transam fora do relacionamento, viram sinônimo de perversidade e, até pouco tempo atrás, podiam inclusive ser legalmente mortas, e isso tinha até nome, “legítima defesa da honra”, como se a honra do homem residisse no órgão sexual da mulher.

Por isso, um dos objetivos da instituição “relacionamento não-monogâmico”, como foi concebida e estabelecida no século XX e praticada até hoje, é justamente virar esse jogo. As mulheres ganham o direito de também fazer aquilo que os homens sempre fizeram.  Os homens continuam fazendo o que sempre fizeram, mas agora dentro do contexto de um pacto prévio consensual articulado explícito que reconhece a mulher como parceira igualitária e com poder de veto.

Para viver relacionamentos não-monogâmicos, é preciso muita empatia e muita alteridade, sempre se colocar no lugar do Outro, sempre articular nossas fraquezas e nossos limites, sempre acolher as fraquezas e os limites das pessoas-que-estão-conosco. Ou seja, é preciso pensar e agir de forma ética do começo ao fim.

* * *

Uma situação tristemente comum: duas pessoas estão na paquera e uma delas revela:

— Olha, preciso te dizer que sou casada.

E a outra diz:

— Não tem problema, não sou ciumento, hehe.

— Ok, ótimo. Deixa então eu ligar pro meu companheiro e avisar que estou indo pro motel com você.

— Opa, como assim? Ele sabe? Ih, tô fora, ficou estranho!

É impressionante quantas pessoas estão dispostas a cornear “otários” ao mesmo tempo em que querem distância de relacionamentos não-monogâmicos consensuais e às claras.

* * *

Para os homens, é muito fácil articular o discurso “relacionamentos não-monogâmicos” só para “sair pegando geral”.

Uma moça solteira me contou ter terminado recentemente um relacionamento frustrante com um artista plástico inteligente, pretensamente pró-feminista, descolado, sensível, de esquerda, etc etc… e casado. Na hora de seduzi-la à distância, o assunto “monogamia” surgiu bastante. Que ele vivia um casamento aberto avançadinho, que ela era careta, que precisava se abrir, como podia uma mulher tão interessante ter ideias tão antiquadas, esse papinho. As barreiras da minha amiga foram caindo e ela se dispôs a ir visitá-lo em sua cidade. Naturalmente, estava esperando um pouco de atenção, que ele mostrasse a cidade, que passeasse com ela, essas coisas. Mas o moço ó-tão-importante, do alto de sua movimentada agenda, podia conceder a ela somente uma audiência de cinco horas no motel. O resto do tempo, infelizmente, estava tomado por trabalho ou pela família. (Quando ela perguntou se iriam poder passear juntos no domingo, ele quase riu. Quando ela pediu para falar com a mulher dele, ele negou.)

Depois de gastar mais de três mil reais pelo que foi, de fato, uma ida de cinco horas a um motel e um fim-de-semana de solidão em uma cidade estranha, minha amiga voltou pra casa frustrada mas ainda apaixonadinha. Demorou algumas semanas para se dar conta de que tinha caído em um golpe tristemente comum. Quando enfim terminou com o “grande artista”, ele ficou enraivecido e disse que ela era uma mulher coxinha e moralista que não tinha cacife para estar com um homem livre e arrojado como ele.

* * *

Homem casado dizendo que seu relacionamento é aberto só para “pegar geral” já se tornou uma coisa tão comum que eu recomendo cautela para todas as pessoas querendo começar relacionamentos com homens que dizem isso. Naturalmente, todos os homens que de fato estão em relacionamentos não-monogâmicos também falam isso e não é o caso de jogar todo mundo no mesmo saco. Entretanto, como essa mentira em particular já está disseminada, é caso de acreditar-desacreditando e discretamente levantar a ficha do casal. Já escreveram ou se manifestaram publicamente falando de não-monogamia? Fazem parte de grupos ou associações de não-monogamia? Etc. No Brasil de hoje, onde a canalhice é muito mais comum que a não-monogamia, se um homem que diz que está em relacionamento não-monogâmico não puder, de alguma maneira, comprovar que está de fato em um relacionamento não-monogâmico, eu diria que o mais provável é que esteja mentindo.

* * *

Houve época em que eu me envolvia com pessoas em relacionamentos monogâmicos, e ainda racionalizava:

— Minha relação é com ela, não sou responsável pelo seu compromisso com uma terceira.

Namorei uma pessoa casada, linda e inteligente, que mentia e inventava, se virava do avesso e fazia muitos sacrifícios… para poder transar comigo. Como não me sentir lisonjeado? Afinal, ela deveria gostar muito de mim, não? Meu ó-tão carente ego só faltava ronronar de prazer quando ela entrava pela porta, estalando seus saltos altos.

Mas a verdade é que ela dormia todas as noites com outra pessoa. Mentia para a pessoa-que-estava-com-ela de forma perversa e descarada, mas, ainda assim, era com ela que sonhava sonhos, subia serra, assistia séries. E o meu ó-tão carente ego passava as noites uivando para a lua, triste e apaixonado, querendo falar com ela mas proibido de telefonar fora do horário comercial.

Por fim, depois de muitos e muitos anos, apesar de ainda amá-la demais, apesar de ainda amá-la hoje, fiz o que tantos amantes na história fizeram: terminei eu mesmo o relacionamento. Porque percebi que nunca poderíamos construir nada. Eu jamais conseguiria confiar em alguém capaz de passar vários anos mentindo para a pessoa mais próxima a ela. Que aliás, tristemente, não era nem nunca fui eu.

Decidi que queria viver sem mentiras – e sem pessoas mentirosas. Hoje, as pessoas que caminham ao meu lado são donas dos seus desejos, capazes de assumi-los e articulá-los, livres para se colocarem publicamente no mundo como minhas companheiras.

Paradoxalmente, depois dessa decisão, fui ameaçado de morte, acionei polícia e advogados, e tive até sair da cidade por uns tempos porque me relacionei com uma pessoa que disse que era solteira, mas na verdade tinha um relacionamento monogâmico com uma outra pessoa. Escaldado por esse caso, eu confio em todo mundo a priori, mas, para pular na cama com alguém, mesmo eu sendo homem, preciso antes dar uma excelente levantada na ficha da pessoa.

* * *

Um homem em um namoro aberto estava se relacionando com uma mulher em um casamento aberto. Saindo do cinema, ele quis andar de mãos dadas, mas ela se recusou: mesmo estando em um cinema quase vazio, num dia de semana, do outro lado da cidade, tinha medo de ser vista, de ser falada. O homem me contou essa história indignado, achando que eu validaria sua indignação:

— Por que essas mulheres são tão reprimidas, Alex? De que adianta sermos os dois seres humanos livres, em um relacionamento não-monogâmico consensual, ambos em relacionamentos com outras pessoas que sabiam de tudo, se não podemos nem dar as mãos?! Não é um pedido justo a se fazer? Dar as mãos?

E respondi:

— Se você é um homem que nunca se colocou na pele de uma mulher nem por um minuto e está somente vendo o seu próprio lado, sim, é um pedido justíssimo. Infelizmente, se calha de alguém ver vocês de mãos dadas no cinema, duas pessoas que estão em outros relacionamentos públicos, você vai receber high-fives na copa da empresa, por estar “pegando uma gatinha num cinema de subúrbio”. Já ela, provavelmente, vai ficar marcada para sempre como a “puta da contabilidade”. Daí o fato de ela estar um pouquinho mais preocupada com isso do que você…

* * *

Vivemos em uma sociedade profundamente machista, onde os direitos e os deveres de homens e mulheres são profundamente assimétricos. Um homem que queira se relacionar de forma ética e igualitária com mulheres precisa ter isso sempre em mente para não virar (nem que por descuido) um babaca.

A assimetria está em tudo, inclusive na própria língua que todas falamos. Quase todos os xingamentos para homens são questionamentos de que não transam o suficiente com mulheres — provavelmente por serem homossexuais; por outro lado, quase todos os xingamentos para mulheres são questionamentos de que transam demais.

O “aventureiro” é o homem audaz que vive aventuras. A “aventureira” é a puta. “Pistoleiro” é um homem que atira com pistolas. “Pistoleira” é puta. “Vagabundo” ou “vadio” é um homem que não trabalha. A “vagabunda” ou “vadia” é uma puta. “Cachorro”, “galo”, “touro” são alguns dos animais mais importantes na história da humanidade. “Cachorra”, “galinha”, “vaca”? Puta, puta, puta. Por fim, “puto” é um homem indignado, irritado. Já “puta” é puta.

Todas as pessoas que querem se envolver em relacionamentos não-monogâmicos precisam ter sempre esses exemplos em mente. Porque, na nossa sociedade machista, quando se revela que um homem está em um relacionamento não-monogâmico, dependendo do grupo, ele pode ficar com fama de garanhão ou, em alguns casos, de corno. A mulher sempre fica com a mesma fama. De puta.

Então, por um lado, é importante revelarmos nossos relacionamentos não-monogâmicos e sermos ativistas por uma maior desprivatização das relações humanas. Afinal, a questão não é só pessoal, é política. Mas, por outro lado, é fundamental lembrarmos que, em termos de danos à reputação social e possíveis sanções profissionais e familiares, o preço mais alto será sempre pago pela mulher. Por isso, em minha opinião, a decisão de sair em público como estando em um relacionamento não-monogâmico deve sempre ser da mulher.

A hora certa de revelar sua relação não-monogâmica

Para quem vive a não-monogamia, essa é uma questão ética fundamental. Em que momento revelar a uma possível paquera que, apesar de estarmos em um relacionamento, que ele é não-monogâmico? Existem várias teorias. Se a revelação vier muito cedo, pode assustar a maioria das pessoas: “Ih, não me mete nesse rolo, não!” Se vier muito tarde, a pessoa pode se sentir traída: “E você esperou até depois do sexo pra me contar isso, seu canalha?!”

Na minha experiência, a melhor hora é quando já aconteceu algo concreto que solidifica o interesse (um olhar, um toque, uma promessa específica de sexo, etc), mas nada ainda de muito sério ou que possa significar compromisso (troca de fluidos, beijo, sexo, boquete, juras de amor eterno, etc).

“Quem aguenta tanta falação?”

Às vezes, quando falo sobre essa importância do diálogo, alguém comenta:

— Meu Deus, quem aguenta tanta falação? Assim fica inviável ter um relacionamento!

E eu respondo:

— Ninguém disse que era fácil ter uma vida sexual e agir de forma ética ao mesmo tempo. Ainda mais quando se está querendo ir contra o padrão da sociedade. Se você quer só sair “pegando geral”, é mais fácil e mais eficiente ser solteiro. Mas, se está em um relacionamento (e um relacionamento não-monogâmico é, antes de tudo, um relacionamento) é preciso sempre pensar, agir, falar de forma ética em relação às necessidades, fraquezas, limites, desejos das pessoas que estão com você. Aliás, mesmo sendo solteiro, é bom agir do mesmo jeito com as pessoas com quem você transa, né?

Mesa-Redonda do Sexo

Cléo e eu nos conhecemos pela internet. Conversa vai, conversa vem, bateu aquele clima e marcamos de sair. O primeiro encontro não foi dos mais promissores. Estávamos ambos nervosos. Apesar do papo interessante, nada rolou. Mais tarde, cada um em sua casa, já no nosso ambiente familiar, bate-papo rolando, começamos a analisar o encontro como se fôssemos comentaristas de futebol dissecando uma partida:

— Eu queria muito ter te beijado.

— Ué, e por que não beijou?

— Não senti abertura pra sair entrando com um beijo.

— Na garagem teria sido perfeito. Fiquei com a chave na mão dois minutos te esperando.

— Aquela garagem era perigosa. A gente não devia ter ficado lá dando bobeira nem dois minutos. A hora perfeita teria sido antes, naquele pátio interno, etc.

Graças a essa conversa, nosso segundo encontro correu afinado como uma sinfonia e acabou na cama. Ainda assim, meia hora depois de chegarmos em nossas casas, já estávamos no chat de novo, comentando os melhores lances e vibrando com os replays dos gols:

— Pôxa, estava tão bom aquilo que você fez com o joelho, mas parou tão rápido…

— Achei que você não estava gostando.

— Eu? Eu estava amando!

— Mas é que você fez um barulho.

— Aquilo é o som de “estou gostando, continua”.

— Bom saber. E aquilo com a minha língua, hein?

— Por favor, nunca mais enfia a língua ali. Aquela área me dá uma agonia terrível. Não viu como me retorci?

— Não era de gozo?!

— Cruzes, nunca! Mas, olha, eu adorei quando você guiou meu dedo até exatamente ali onde te dá tesão.

— Quase não fiz, tem gente que não gosta…

— Comigo pode sempre. Adoro saber.

E assim em diante. Graças à essa “mesa-redonda do sexo”, nossa segunda transa já foi íntima como se fôssemos amantes de longa data. Na terceira, já parecíamos um casal plenamente sintonizado. A palavra tem poder.

Desejos, limites, possibilidades

Existem vários tipos de conversas que são importantes em um relacionamento, tanto antes de começar como durante. Por exemplo, se duas pessoas estão se conhecendo e considerando se relacionar sexualmente, um excelente ponto de partida é listarem seus desejos e limites, sexuais ou não.

Na lista de desejos, ambas incluem aquelas práticas que lhes são muito importantes, desde as imprescindíveis até as muito desejáveis: “para ser meu companheiro, precisa se dar bem com meu pai e minha mãe” ou “pra mim, é fundamental conhecer as pessoas com quem minha parceira se relaciona”.

A lista de limites, por outro lado, é o oposto, pois aqui as pessoas incluem aquelas práticas que absolutamente se recusam a compartilhar: “me recuso a aturar família de marido” ou “faço questão de não conhecer as pessoas com quem minha parceira se relaciona”.

Muitas vezes, o possível relacionamento já morre aí: “sinto muito, mas esse seu imprescindível eu não topo de jeito nenhum”. Se sobreviver, porém, ambas já entram no quarto sabendo tanto aquilo que a outra mais deseja e espera que aconteça, quanto aquilo que ela odeia e não tolera. Em comparação às pessoas que transam completamente no escuro e na total ignorância uma da outra, o conhecimento prévio e mútuo dos desejos e dos limites permite um sexo mais seguro e mais consensual, mais íntimo e mais gostoso.

Na verdade, como a maioria de nós não consegue nem mesmo articular verbalmente quais são nossos desejos, nossos limites, nossas possibilidades, é preciso, antes de mais nada, dar um passo atrás e aprender todo um novo vocabulário. Essa prática, por si só, é um aprendizado valiosíssimo, seja só para termos em mente quais os nossos desejos, limites, possibilidades, seja para compartilharmos com nossas parceiras.

Além das listas de desejos e de limites, entretanto, existe a imensa, quase infinita lista intermediária de possibilidades. Porque tudo que não foi proibido está tacitamente permitido. Já fiz e já fizeram no meu corpo muitas coisas deliciosas que eu jamais teria concebido pensar, fazer, pedir. Mas era um desejo da outra pessoa e não era um limite pra mim, então, por que não? Afinal, o nome do jogo não é agradar minha parceira?

Mantendo sempre em mente os desejos e respeitando todos os limites, daí em diante todas as possibilidades estão abertas.

Des-estigmatizar a DR

Quando me perguntam qual é o “segredo” para relações não-monogâmicas “darem certo”, dou sempre a mesma resposta: des-estigmatizar a DR. (DR=Discutir a Relação)

O pacto monogâmico é pret-a-porter. É um software fechado da Apple. Já vem prontinho, apoiado por milênios de bíblias, tias chatas, padres metidos e manuais sobre como “blindar seu casamento”. Não pode abrir, não pode olhar lá dentro, não pode mudar a programação. Por isso, é natural que a DR seja encarada com terror. Se o pacto está dado como fechado e indiscutível, qualquer tentativa de discuti-lo já indica, por definição, necessariamente, uma crise.

Os relacionamentos não-monogâmicos, entretanto, com sua infinidade de pactos e arranjos possíveis, são um software livre por definição. Eles precisam e esperam a nossa interferência. Eles só funcionam se forem criados e recriados por cada pessoa todos os dias, sempre em parceria com as outras pessoas com quem estão se relacionando.

Uma vez, uma pessoa me disse que tinha virado adepta de relacionamentos não-monogâmicos porque achava que assim tinha menos chances de perder a pessoa-que-estava-com-ela. Respondi que respeitava essa razão, mas que achava meio difícil de comparar esses riscos.

Não existe nenhuma segurança nesse mundo. A qualquer instante, podemos morrer, a esposa nos deixar, a chefa nos demitir, um meteoro bater na terra. Meu problema com a monogamia é que ela nos vende uma falsa segurança (de que se formos fiéis, se mantivermos o sexo apimentado, se fizermos tudo direitinho, nunca vamos perder a pessoa com quem estamos) enquanto os relacionamentos não-monogâmicos nos forçam a encarar de frente, abraçar, acolher, vivenciar essa falta de segurança primordial que define a condição humana.

Por causa disso, mais ainda, é necessário muita DR. É preciso que tudo esteja muito bem acordado e comunicado. É preciso que não existam mal-entendidos. É preciso que ninguém saia da cama se sentindo uma vítima. É preciso estarmos abertas para conversar sobre o relacionamento sempre. É preciso conseguirmos articular nossas fraquezas e limitações. É preciso, muito mais difícil, conseguirmos acolher as fraquezas e limitações das pessoas-com-quem-estamos.

Constituindo família em contextos não-monogâmicos

A escolha de ter ou não ter crianças e a escolha de viver ou não relações monogâmicas são duas esferas bem diferentes e têm pouco ou nada a ver uma com a outra.

As crianças não precisam saber, e geralmente não sabem, qualquer coisa da vida amorosa e sexual de pai e mãe. (Ou de pai e pai, e mãe e mãe, ou quaisquer outros arranjos afetivos.)

Assim como as crianças em geral não sabem quando o pai e a mãe transam um com o outro, elas também não precisam saber quando o pai e a mãe vão transar com outras pessoas. Ou, digamos, se o pai e a mãe, na privacidade do quarto, estão se chicoteando, fazendo sexo anal ou praticando qualquer fetiche.

Assim como o papai e a mamãe muitas vezes saem com pessoas do seu círculo de amizades, para passear, jantar ou viajar, também poderiam estar saindo com essas mesmas pessoas para namorar ou transar, fazer swing ou suruba, e as crianças não teriam como saber e, aliás, não teriam nada a ver com isso.

Muitos e muitos casais vivem e viveram longas e frutíferas vidas não-monogâmicas, ao mesmo tempo em que tiveram crianças e constituíram família, sempre cuidando tanto para suas relações amorosas e sexuais não interferissem na sua esfera familiar, mas também cuidando para que sua família não interferisse em suas relações amorosas e sexuais.

Afinal, papai e mamãe também precisam de privacidade para viver suas vidas de pessoas adultas livres e sexuais.

Além disso, não tem problema algum as crianças saberem que seus pais e mães vivem relacionamentos não-monogâmicos. As crianças vêm ao mundo livres de preconceitos e somos nós, as pessoas adultas, que enchemos suas cabeças com o lixo dos séculos. Quando pessoas conservadoras perguntam, preocupadas:

— Mas, se homem puder casar com homem, como vou explicar isso para minha filhinha?

O que as assusta não é a dificuldade de explicar a homossexualidade às crianças, mas sim a dificuldade de transmitir às crianças o horror que sentem pela homossexualidade. O que assusta as pessoas conservadoras é justamente o fato das crianças aceitarem o diferente.

Para uma criança, antes de ser educada nos preconceitos vigentes na nossa sociedade outrofóbica, nada poderia ser mais simples e fácil de entender do que o fato de que o tio Pedro e o tio João são tão casados quanto o tio Jaime e a tia Renata. Ou que o papai e mamãe se amam e constituíram família, mas que o papai também ama e namora a tia Clarice, assim como mamãe também ama e namora o tio Abraão, que é muito legal e me leva no estádio de futebol no domingo, porque ele gosta, e mamãe gosta, mas papai odeia, então papai aproveita o domingo pra sair com a tia Clarice!

Se a situação descrita acima te parece horrível, doente, complexa, etc, talvez seja apenas porque você não é mais criança. Para o bem ou para o mal, as crianças sempre naturalizam o mundo que recebem.

As crianças precisam de paz, segurança, estabilidade, amor, carinho. Nenhuma criança será mais feliz do que aquela criada por pais e mães felizes, satisfeitos, cúmplices, amorosos entre si e com outras pessoas, em uma atmosfera de tranquilidade e confiança. O que traumatiza as crianças não é saber que a mamãe é capaz de amar duas pessoas diferentes (pois elas ainda nem aprenderam que “só se pode amar uma pessoa de cada vez”), mas sim testemunhar gritaria, ciumeira, violência, acusações.

Muitos e muitos casais vivem e viveram longas e frutíferas vidas não-monogâmicas enquanto educavam crianças que sempre souberam disso e encararam com naturalidade a não-monogamia, crianças que foram criadas para terem a maturidade emocional de não se deixar levar pelo ciúme e pela possessividade. Na verdade, em muitos casos, as parceiras amorosas e sexuais dos pais e das mães também acabaram criando ligações emocionais profundas com as crianças, e formando-se extensas redes familiares de relacionamentos.

O dilema insolúvel dos relacionamentos

Prisão eterna ou monogamia serial: como existir entre dois extremos intoleráveis?

De um lado, a geração de nossas avós, pessoas casadas há 50, 60 anos, que às vezes nem lembram mais o nome uma da outra, para quem terminar o casamento não era uma opção concebível, que aturaram tudo, engoliram todos os sapos, e estão juntos até hoje, dois cadáveres podres amarrados pela força do costume ou do ódio.

Do outro lado, nossa geração e de nossos pais e mães, pessoas educadas no mais profundo hedonismo e narcisismo, convencidas de que por serem tão especiais merecem uma tal “felicidade”, praticantes da mais perversa monogamia serial, que encontram o grande amor da vida a cada dois, três anos, compartilham tudo com essa pessoa e, quando a maquininha de felicidade pára de fornecer a quantidade de gozo que estávamos acostumadas, jogamos fora e vamos procurar a felicidade eterna na próxima maquininha (agora vai!), e assim sucessivamente, até morrermos ou desistirmos.

Não consigo conceber estar com alguém que já nem mais suporto, sem a liberdade de poder sair.

Não consigo conceber trocar de “pessoa mais importante da minha vida” a cada três anos, como se essas relações fossem fungíveis e triviais.

Não consigo encontrar uma solução. Esse texto é minha tentativa de compartilhar esse incômodo.

As dificuldades do caminho menos trilhado

Quem quer viver uma relação monogâmica tem todo o apoio da moral conservadora, encontros de casais em Cristo, colunas de relacionamento em jornais, livros de autoajuda, conselhos da vovó.

Quem abre um novo caminho não tem esses luxos.

As pessoas não-monogâmicas, quando temos problemas em nossos relacionamentos (e são muitos, a vida na fronteira é dura e complexa), não podemos usufruir da sabedoria acumulada das suas avós, a Bíblia não colabora, as colunas sentimentais e livros de autoajuda sempre presumem a monogamia e até as pessoas do nosso círculo de amizades, quando abrimos coração e expomos nossas vulnerabilidades e inseguranças, fazem comentários insensíveis e indesculpáveis como

— Viu, é por isso que não dá certo! Por que você não faz que nem todo mundo e pronto? Não seria mais fácil?

Além de todas as dificuldades do caminho menos trilhado, ainda querem nos puxar de volta para a estrada principal de onde fugimos conscientemente.

As pessoas não-monogâmicas não temos quem nos diga o que é certo e errado, moral e imoral: precisamos escrever, todo dia, com nossa consciência e nossos atos, o nosso próprio livro de regras. Cada passo tem que ser dado como se o mundo tivesse sido criado ontem. Cada rodinha tem que ser reinventada do zero.

De vez em quando, me acusam de ficar “reafirmando” meu estilo de vida, como se estivesse me gabando, como se fosse inseguro, como se quisesse convencer os outros. Mas todas as forças do mundo nos impelem a nos conformar, a nos transformar no padrão que exigem de nós, a nos moldar em pais de família trabalhadores, consumidoras monogâmicas, heterossexuais conservadoras. Ser quem queremos ser é uma luta diária, um exercício constante de batermos o pé, nos recusarmos a sermos coagidas, articularmos quem desejamos ser — e, então, e essa é a parte mais difícil, efetivamente sermos essa pessoa. Quem está sendo o que a sociedade espera que seja não precisa se autoafirmar. Quem está na contramão precisa. É necessário articularmos sempre o nosso caminho — justamente para não sair dele.

O que querem as pessoas não-monogâmicas

Nós, pessoas não-monogâmicas, não queremos “converter” as monogâmicas ao nosso estilo de vida. Queremos somente que não nos digam como viver. Que não minimizem e invalidem, marginalizem e invisibilizem nosso estilo de vida. Que não digam que nosso amor não é amor, que nosso compromisso não é compromisso. Que tenhamos o direito de escolher um outro tipo de vida, um outro tipo de relacionamento. Não somos anti-monogamia. Queremos apenas que a monogamia deixe de ser anti-nós.

A monogamia é, ou deveria ser, uma escolha

Minha crítica ao fato de o sistema monogâmico não abrir espaço nem dar visibilidade a outros projetos alternativos de relacionamento não é de modo algum uma crítica às pessoas individuais que, usando de sua liberdade e autonomia de humanas adultas, escolheram viver relações monogâmicas.

Escrevo sobre estilos de vida alternativos não para convencer as pessoas que estão satisfeitas com sua opção perfeitamente válida pela escolha da maioria, mas para mostrar às pessoas insatisfeitas que a escolha da maioria é somente isso: uma escolha.

Que elas não precisam escolher aquilo que todo mundo escolheu. Que existem outras possiblidades, outros caminhos, outras opções. Que não estão sozinhas. Que não são as únicas que pensam assim. Que não são loucas por rejeitar o caminho mais trilhado. Que são livres. Livres.*

[*A Prisão Monogamia tem uma bibliografia menor, pois é fortemente baseada nas minhas vivências e de outras pessoas que, como eu, escolheram viver relacionamentos não-monogâmicos. O livro mais importante, que eu não poderia recomendar mais enfaticamente, é Ética do Amor Livre, de Dossie Easton e Janet Hardy. Artigos como “Iconic ‘nuclear’ family is a work of fiction” (“A família nuclear icônica é uma ficção“) ou livros como O mito da monogamia, traçam as origens culturais da monogamia pelas sociedades humanas e por outras espécies e primatas, e demonstram não que a monogamia está errada, mas sim que ela nunca foi nem unanimidade social nem biologicamente natural na nossa espécie. A monogamia não é a norma, e nem o normal: ela é um arranjo possível entre vários outros. Um arranjo basicamente patriarcal e capitalista, trazendo para a esfera dos relacionamentos afetivos uma lógica mercantil e acumulativa, onde quase sempre o homem é o acumulador e a mulher, o bem a ser acumulado. Recomendo também dois livros de Roberto Freire, Sem tesão não há solução (1987) e Ame e dê vexame (1990). Ninguém escreveu sobre sexo e liberdade, amor e alegria, no Brasil como Roberto Freire. Ele é um dos meus mestres e um do grandes inspiradores de “As Prisões”. Clique aqui para ler os melhores trechos de ambos os livros, selecionados por mim.]

Conclusões

Quem busca um curso chamado de “As Prisões”, quem tenta viver a não-monogamia na prática, entre muitos outros exemplos, tendem a ser pessoas com um interesse acima do normal em liberdade, ou, mais especificamente, em sua própria liberdade. Sentem-se tolhidas por amarras, cadeias, costumes — eu chamo de “Prisões” — e desejam ser mais livres.

Mas, paradoxalmente, a busca pela liberdade também pode ser uma prisão. A chave é lutarmos não pela liberdade de realizar nossos desejos, como uma vela que vai onde o vento sopra, mas sim pela liberdade de podermos escolher novos desejos, como o leme que determina o rumo a seguir. A verdadeira liberdade não é negativa, ou seja, estarmos livres de interferências externas, mas sim positiva: sermos livres para pautarmos nossos próprios atos.

O começo necessário do nosso percurso pelas Prisões foram Verdade e Religião, onde questionamos nossa própria capacidade de enxergar e apreender a realidade. Não havia outro começo possível a não ser problematizar nosso próprio olhar, nossa própria mente.

Depois, na parte central do percurso, falamos de Classe e Patriotismo, Respeito e Trabalho, Autossuficiência e Monogamia, cada uma explorando uma diferente faceta de nossas vidas contemporâneas.

Agora, finalmente, estamos na reta final. Se não havia outro começo possível a não ser problematizar nosso próprio olhar, também não existe outro final possível que não problematizar nossas motivações e nossas ações.

As últimas Prisões são Liberdade, Felicidade e Empatia.

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Sou artista independente. Não tenho emprego, salário, renda, pai rico. Vivo exclusivamente de escrever esses textos que abriram seus olhos e mudaram sua vida. Dependo da sua generosidade. Se não você que me lê, então quem?

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Série “As Prisões”

Aqui estão os textos já reescritos, revisados e finalizados em 2023:

  1. Verdade
  2. Religião
  3. Classe
  4. Patriotismo
  5. Respeito
  6. Trabalho
  7. Autossuficiência
  8. Monogamia
  9. Liberdade (em breve)

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O Curso das Prisões

Um curso para nos libertar até mesmo da busca pela liberdade. O que está em jogo é nossa vida.

Curso em resumo

Curso de filosofia prática, com ênfase em liberdade pessoal e consciência política: como viver uma vida mais livre e significativa sem virar o rosto ao sofrimento do mundo. // As Prisões: Verdade, Religião, Classe, Patriotismo, Respeito, Trabalho, Autossuficiência, Monogamia, Liberdade, Felicidade, Empatia // Sem leituras, com muita conversa, debate, polêmica. // Um tema por mês, durante onze meses: uma conversa livre, no 1º domingo, para abrir o mês de conversas sobre o tema, e uma aula, na última quarta-feira, para fechar. Até 27 de dezembro de 2023. // Encontros e aulas ao vivo via Zoom; aulas gravadas via Facebook; grupo de discussão no Whatsapp. // R$88 mensais, no Apoia-se, por todos os meus cursosCompre agora.

O que são As Prisões

As Prisões são as bolas de ferro mentais e emocionais que arrastamos pela vida: as ideias pré-concebidas, as tradições mal explicadas, os costumes sem sentido: Verdade, Religião, Classe, Patriotismo, Respeito, Trabalho, Autossuficiência, Monogamia, Liberdade, Felicidade, Empatia.

O que chamo de As Prisões são sempre prisões cognitivas: armadilhas mentais que construímos para nós mesmas, mentiras gigantescas que nunca questionamos, escolhas hegemônicas que ofuscam possíveis alternativas.

Monogamia, por exemplo, é uma prisão não porque seja ruim ou desaconselhável em si, mas porque se apresenta como sendo a única opção concebível de organizar nossos relacionamentos, consignando todas as outras alternativas à imoralidade, à falta de sentimentos, ao fracasso: “relacionamento aberto não funciona, é coisa de quem não ama de verdade”.

Felicidade é uma prisão não porque seja ruim ou desaconselhável em si, mas porque se apresenta como sendo a única opção de fim último para nossas vidas, consignando todas as outras alternativas à condição de suas coadjuvantes e dependentes: “não é que o seu fim último seja ser virtuosa, mas você quer ser virtuosa para ser feliz, logo o seu fim último é ser feliz”.

Quem está “presa” na Prisão Monogamia não é a pessoa que fez a escolha livre e consciente de viver relacionamentos monogâmicos, mas sim aquela que, por ignorar a opção de não fazer isso, por nunca ter percebido a verdadeira gama de diferentes alternativas que lhe estavam abertas, vive relacionamentos monogâmicos por default, como se essa fosse a única possibilidade concebível. Sua prisão (cognitiva) não é viver a Monogamia, mas ignorar a realidade que existe além dela.

Quem está “presa” na Prisão Felicidade não é a pessoa que fez a escolha livre e consciente de colocar sua própria felicidade individual como fim último de sua vida, mas sim aquela que, por ignorar a opção de não fazer isso, por nunca ter percebido a verdadeira gama de diferentes alternativas que lhe estavam abertas, busca sua própria felicidade por default, como se essa fosse a única possibilidade concebível. Sua prisão (cognitiva) não é buscar a Felicidade, mas ignorar a realidade que existe além dela.

Cada uma das Prisões, da Verdade à Empatia, do Trabalho à Felicidade, é sempre, antes de mais nada, uma prisão cognitiva, uma percepção incompleta da realidade. Por trás de todas as Prisões está sempre a mesma inimiga: a ignorância.

Funcionamento

Como toda Prisão é uma verdade tão inquestionável que nos impede de perceber outras alternativas, nossas aulas começam sempre por analisá-la e desconstruí-la, para entender como nos limitam, e podermos então enxergar as alternativas que ela esconde.

Cada mês será dedicado a uma Prisão.

No 1º domingo do mês, às 19h, damos início às discussões com uma conversa livre no Zoom. Não é uma aula expositiva, mas uma sessão de troca e de escutatória. Sem a interlocução de vocês, sem ouvir como essa prisão afetou as suas vidas, eu não teria nem como começar a pensar a aula. Aqui, tudo é prático, nada é teórico. O que está em jogo são nossas vidas.

Ao longo do mês, continuamos conversando sobre essa Prisão em nosso grupo do Whatsapp, trocando histórias e experiências. Para quem quiser, vou compartilhando as leituras que estou fazendo sobre o tema, mas nenhuma leitura é obrigatória, nem necessária para a compreensão da aula.

Na última quarta-feira do mês, às 19h, fechamos as discussões com uma aula, também pelo Zoom. Essa aula será expositiva, mas também teremos bastante espaço para debates e conversas.

Aulas gravadas indefinidamente

A gravação em vídeo das aulas expositivas fica disponível em um grupo fechado do Facebook. (É preciso se inscrever no Facebook para ter acesso ao grupo) Mas, juridicamente falando, como não posso garantir “indefinidamente”, garanto que as aulas estarão acessíveis às compradoras do curso, se não no Facebook em outro lugar, no mínimo até 31 de dezembro de 2027. As conversas livres, por serem mais pessoais, não ficam gravadas: são só para quem vier ao vivo. As aulas gravadas só estarão disponíveis para as mecenas do plano CURSOS enquanto durar o apoio. Você pode cancelar seu plano de mecenato a qualquer momento, mas aí perde acesso aos cursos.

Sem leituras

O Curso As Prisões não é um curso de leituras: nenhuma leitura é obrigatória ou recomendada. É um curso de conversas livres e de trocas de experiências, de escutatória e de debates, de reflexão sobre nossas vidas e sobre como viver.

Para cada Prisão, eu listo uma pequena bibliografia, para que vocês saibam quais livros eu utilizei na preparação da aula e para que possam correr atrás das leituras que mais lhes interessem.

Mas não precisa ler nada para participar das aulas, das conversas, das trocas, das discussões.

Sejam as primeiras leitoras do Livro das Prisões

Livro das Prisões foi contratado pela Rocco em 2017 e eu ainda não consegui escrever. Um de meus objetivos para esse curso é, com a inestimável ajuda da interlocução de vocês, finalmente terminar o livro. Então, junto com a aula, também pretendo disponibilizar o texto dessa Prisão em sua versão final, já pronta para publicar. Todas as alunas do curso serão citadas nos agradecimentos do livro, pois ele certamente nunca teria sido escrito sem a participação de vocês. Já de antemão, agradeço.

Professor

Alex Castro é formado em História pela UFRJ com mestrado em Letras por Tulane University (Nova Orleans, EUA), onde também ensinou Literatura e Cultura Brasileira. Atualmente, é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da UFRJ. Tem oito livros publicados, no Brasil e no exterior, entre eles A autobiografia do poeta-escravo (Hedra, 2015), Atenção. (Rocco, 2019) e Mentiras Reunidas (Oficina Raquel, 2023). Escreve para a Folha de São PauloSuplemento PernambucoQuatro Cinco UmRascunho.

Meus votos zen-budistas

Pratico zen budismo há dez anos. Todo dia, pela manhã, refaço meus votos: os quatro votos do Bodisatva e os três votos dos pacificadores zen.

Basicamente, eu me comprometo a ajudar as pessoas a 1) se libertarem, 2) enxergarem as ilusões que as limitam, 3) perceberem a realidade em sua plenitude e, assim, 4) agirem no mundo de acordo com essa percepção. E me proponho a fazer isso a partir de 1) uma posição de não-saber, me abrindo às novas situações sem certezas prévias, 2) estando presente de forma plena a cada interação humana, sem virar o rosto nem à dor nem à alegria, e 3) agindo amorosamente.

Esse curso é minha humilde tentativa de agir no mundo de acordo com meus votos. De ajudar as pessoas, minhas alunas e minhas leitoras, a enxergarem suas prisões, se libertarem delas, perceberem a realidade e agirem amorosamente no mundo, questionando suas certezas e nunca virando o rosto nem à dor nem à alegria das outras pessoas.

Dar esse curso, portanto, é minha prática religiosa. Se eu tiver algum sucesso em caminhar ao lado de vocês nesse percurso, minha vida terá sido uma vida bem vivida, e sou grato por tê-la vivido.

Os Quatro Votos do Bodisatva: As criações são inumeráveis, faço o voto de libertá-las; As ilusões são inexauríveis, faço o voto de transformá-las; A realidade é ilimitada, faço o voto de percebê-la; O caminho do despertar é insuperável, faço o voto de corporificá-lo.

Os três votos da Ordem dos Pacificadores Zen: Praticar o não saber, abrindo mão de certezas prévias; Estar presente na alegria e no sofrimento, não virando o rosto à dor alheia; Agir amorosamente, de acordo com essas duas posturas.

Compre

O Curso das Prisões é exclusivo para as mecenas dos planos CURSOS ou MIDAS do meu Apoia-se.

Para fazer o curso completo (11 aulas expositivas + 11 encontros livres + grupo no Facebook + grupo de Whatsapp):

  • R$88 mensais, via Apoia-se: comprando o plano Mecenas CURSOS (ou superior), você tem acesso a todos os meus cursos enquanto durar o seu apoio, além de ganhar muitas outras recompensas, como textos e aulas avulsas exclusivas. Como bônus, coloco seu nome na lista das mecenas. Você pode cancelar o seu plano a qualquer momento, mas aí perde acesso aos cursos. (O Apoia-se aceita todos os cartões de crédito e boleto).

Não são vendidas aulas individuais. Não existem outras formas de pagamento. Quem estiver no estrangeiro e não tiver cartão de crédito ou conta bancária brasileira, fale comigo: eu@alexcastro.com.br

Dúvidas

Somente por email: eu@alexcastro.com.br

Aulas em resumo

Links levam para a descrição de cada aula na ementa do curso.

  1. Verdade (fevereiro)
  2. Religião (março)
  3. Classe (abril)
  4. Patriotismo (maio)
  5. Respeito (junho)
  6. Trabalho (julho)
  7. Autossuficiência (agosto)
  8. Monogamia (setembro)
  9. Liberdade (outubro)
  10. Felicidade (novembro)
  11. Empatia (dezembro)

As inscrições para o Curso das Prisões estão abertas: é só fazer o plano CURSOS no meu Apoia-se.

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