Não existe nada mais libertador do que parar de usar as pessoas.
Já tive minhas épocas de empresário, empreendedor, freelancer. De viver sempre para o próximo negócio e para a próxima oportunidade. De fazer contatos e networking.
Além de exaustivo, era desagradável. Eu não gostava da pessoa que eu era.
Na prática, eu passava mais tempo “trabalhando”, adulando, azeitando as pessoas que podiam, talvez, quem sabe, ser de utilidade para mim… do que efetivamente curtindo, conversando, cuidando das pessoas que eu gostava.
Deixar de ser essa pessoa foi um processo longo e tortuoso: o primeiro passo, há muito tempo, foi decidir parar de aceitar caronas na volta de festas. Eu me sentia sujo aturando pessoas que eu não queria aturar só para economizar vinte reais do táxi.
O último passo, o passo que me libertou, foi passar a viver da generosidade das minhas mecenas (hoje, 750) e, em retribuição, oferecer tudo o que faço de graça.
Ou seja, não sobrou mais nada para eu querer das pessoas. As mecenas me sustentam justamente, entre outras coisas, para eu poder me libertar dessa mentalidade aquisitiva e interesseira, e poder ajudar qualquer pessoa sem pedir nada em troca.
Minha casa está aberta para pessoas do mundo inteiro, que me visitam, falam de suas vidas, buscam ajuda. Meus textos estão todos na internet.
Se uma pessoa achar que estou aturando ela só porque quero que venha ao meu evento…
Bem, não seja por isso, venha de graça.
Ou não venha.
Tá tudo bem.
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Uma amiga leu esse texto e comentou:
“Poxa, Alex, que pessoa horrível você era. Ainda bem que nunca fui assim.”
E fico pensando cá com meus botões, tentando não julgar:
“Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?”
Longe de mim achar que todo mundo compartilha das minhas muitas falhas de caráter, mas, agora que parei de usar as pessoas, passo boa parte do meu dia ouvindo histórias de vida. E reparei uma coisa:
Quase sempre quando alguém fala de outra pessoa com os olhinhos brilhando…. está falando de algo que acha que aquela outra pessoa pode fazer por ela.
Nada nos empolga mais em uma pessoa (não sua bondade, não seu caráter, nada!) do que pensar que, talvez, quem sabe, em breve ela pode nos fornecer sexo ou prestigio, dinheiro ou emprego — o que quer que estejamos buscando.
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Tenho uma amiga que é muito, muito importante em um campo de atuação que não tem nada a ver com o meu.
Então, de vez em quando, as pessoas vêm me perguntar:
“Caralho, você é amigo da Fulana? Da FULANA, que é isso e aquilo e tal outro?”
E fica implícito:
“Da FULANA que pode validar minha carreira, publicar meu livro, liberar meu prédio, aprovar meu projeto?!”
E eu respondo:
“Pra mim, ela é só a Fulana.”
Às vezes, estamos tomando um chocolate quente ou assistindo um filme bobo, enquanto seu telefone não pára de tocar e de vibrar, pessoas importantes de todo Brasil querendo coisas da minha querida amiga…
…e sinto um certo prazer iconoclasta e subversivo de saber que eu, do fundo da minha alma, sinceramente, só quero dela um chocolate quente e um filme bobo.
Amizade, para ser amizade, precisa ser desinteressada.
Senão, é “contato”, é “conhecido”, é “aposta para o futuro”.
Qualquer coisa menos amizade.
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Em meu encontro “As prisões: exercícios de atenção“, praticamos o exercício do Olhar Generoso.
As regras são simples: falar para o grupo sobre uma pessoa que conhecemos bem…
1) sem criticá-la e
2) sem falar de nós mesmas, ou seja, sem falar do que essa pessoa fez ou pode fazer por nós.
Deveria ser simples, mas é dolorosamente difícil.
Porque, em nossa fala habitual, tirando essas duas coisas… o que sobra?
O que a dificuldade do exercício revela sobre nós, nosso caráter, nossas prioridades, nosso autocentramento?
Afinal, quem somos nós na interação com as outras pessoas?
É essa a pessoa que queremos ser?
O encontro “As prisões: exercícios de atenção” é para tentarmos responder essas perguntas.
E, sim, pode vir sem pagar nada. :)
O próximo acontece em São Paulo, no dia 5 de agosto.