Uma comparação entre dois poemas de Jorge Luis Borges, em espanhol.
Categoria: aula 10: burgueses
Nossas duas leituras da última do curso Introdução à Grande Conversa: um passeio pela história do ocidente através da literatura são Borges e Tchecov.
Em um curso sobre o cânone ocidental, são ambos outsiders: Tchecov de uma nação que ninguém considera ocidental e Borges, de outra nas margens do Ocidente. Naturalmente, não é por acaso que estão aqui.
Anton Tchecov
Reler Tchecov, pra mim, é um contínuo processo de re-embasbacamento.
Conheci Tchecov aos 25 anos. Pensei: esse homem é o maior artista literário de todos os tempos.
Mas eu era jovem, tinha lido pouco, não sabia de nada. Décadas se passaram. Meus gostos mudaram. Continuei lendo alucinadamente.
Nenhuma das centenas de pessoas que li desde então nem mesmo ameaçou a liderança isolada de Tchecov como meu artista literário preferido.
Esse texto é para tentar explicar o porquê.
A Primeira Guerra Mundial efetivamente encerra o século XIX, ao matar, destruir, enterrar o otimismo e confiança no progresso que caracterizaram a Europa nesse período e que, hoje, nos parece tão estrangeiro, tão impossivelmente distante. O mundo do pós-guerra, mais cínico, mais desconfiado, mais machucado, mais violento, já é o nosso mundo, a nossa perspectiva, um jeito de pensar que já conseguimos mais reconhecer como nosso. Por isso, ao começar efetivamente a nossa época, também termina o nosso curso Introdução à Grande Conversa: um passeio pela história do ocidente através da literatura.
A história das leituras de Martín Fierro, de José Hernández, é a própria história da literatura argentina, em eterna tensão entre civilização e barbárie.
A abordagem borgiana do já polêmico Martín Fierro não poderia deixar de ser também polêmica. Seus contos hernandianos (“Biografía de Tadeo Isidoro Cruz (1829-1874)” e “El Fin”) e gauchescos (“La Otra Muerte”, “El Sur”, etc) são vistos tanto como traições ao gênero gauchesco e ataques ao Martín Fierro, quanto como homenagens a essa tradição literária nacionalista. De qualquer modo, todos concordam que Borges corrige e reescreve o Martín Fierro. Mas como? Qual é o eixo dessa reescritura?
O ponto central do debate é um julgamento moral sobre as escolhas, atitudes e ações do personagem Martín Fierro. Será ele um herói forte e virtuoso ou um desertor brigão e hipócrita? Devem os argentinos tomar o Martín Fierro como ideal heróico? Merece Martín Fierro ser um modelo a ser seguido?
Nesse julgamento moral do gaúcho, o principal argumento da acusação são as atitudes de Martín Fierro em relação a dois negros. Em La Ida, enquanto está bêbado, ele puxa uma briga com um negro, o mata na frente de sua mulher e ainda a humilha. Em La Vuelta, o irmão do Negro desafia Martín Fierro para uma payada: o gaúcho aceita mas acaba fugindo do duelo que se seguiria.
Por que Hernández utiliza dois negros para ilustrar as duas ações mais baixas do seu personagem? Como esses dois negros, em especial o segundo, são mostrados pelo autor em comparação com o protagonista? Qual é a atitude de Martín Fierro em relação aos dois negros? Dentro do plano da obra, qual o significado dessas baixezas por parte do protagonista? Ou seja, por que Hernández faz seu protagonista cometer tamanhas atrocidades?
Na esteira dessas perguntas, analisaremos também o conto “El Fin”, de Jorge Luis Borges. Por que Borges escolhe justamente essa relação entre Fierro e o Moreno para glossar? De que modo a interação entre ambos personagens é diferente em Borges e em Hernández? Afinal, Martín Fierro é ou não um herói do povo argentino? Estudaremos a figura do negro em Martín Fierro, avaliaremos como essas personagens são tratadas na obra ensaística borgiana sobre o poema e, por fim, consideraremos a recriação que Borges executa do Moreno em seu conto “El Fin”.
Cada obra de arte só pode ser julgada e fruida em relação a si mesma, suas premissas, seus objetivos.
Um dos principais temas do curso Introdução à Grande Conversa é tradução. A maioria das pessoas alunas nunca tinha se dado conta da importância de boas traduções.
Por exemplo, o Decameron é uma obra canônica há quase um milênio e já foi traduzida e retraduzida várias vezes para todas as línguas ocidentais. Por que tanto trabalho? Por que retraduzir um livro já traduzir? Por que pagar mais caro para ler uma tradução contemporânea ao invés de simplesmente ler uma tradução antiga, em domínio público, de graça?