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aula 02: gregos grande conversa ilíada

Não dava pra ter banhado Aquiles por inteiro?

Podemos ler literatura como quisermos. Mas sim, existem leituras mais e menos superficiais. (Um guia de leitura para a 2ª aula do curso “Introdução à Grande Conversa”.)

Podemos ler literatura como quisermos. Mas sim, existem leituras mais e menos superficiais.

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Na Internet, abundam discussões sobre se Jack cabia ou não na porta onde Rose estava flutuando depois do naufrágio do Titanic. Pessoas fazem gráficos, cálculos, experimentos para provar que, sim, ele de fato caberia na porta. Respondeu James Cameron:

“Jack tinha que morrer. A história só faz sentido com a morte de Jack. Se por acaso caberiam os dois em cima da porta, então foi erro do carpinteiro que deveria ter feito uma porta menor.”

Jack, assim como Aquiles, tinha que morrer. Senão não tinha história. Ser mortal é parte integrante da persona de Aquiles. Se Tétis tivesse conseguido torná-lo imortal, ele seria outra pessoa, a Ilíada seria outro poema, nossa conversa aqui seria outra conversa. Tudo seria diferente.

De certo modo, é um testamento ao poder da literatura que estamos aqui, três mil anos, discutindo como uma deusa grega deveria ter banhado o filho para transformá-lo em imortal.

Mas esse é o equivalente a gritarmos para o personagem no filme de terror: “Não entra aí! Fica em casa!”

Tétis não era uma mulher real encarando o problema concreto de como banhar um bebê no rio Estige. Tétis é um mito, o rio Estige é um mito, Aquiles é um mito.

A obra de arte não é um vidro transparente que nos permite espiar a vida de pessoas reais do outro lado e, assim, discurtimos a mecânica de suas decisões: como se equilibrar numa porta, como banhar um bebê, como sobreviver aos zumbis, etc.

A obra de arte é um vitral: ela é o objeto em si. Tétis nunca existiu, logo ela não poderia ter tomado decisões melhores. Já a Ilíada existe, e ela é fruto de incontáveis decisões ao longo de incontáveis séculos.

Então, por um lado, cada uma de nós lê como quer e como pode, trazendo para a leitura as ferramentas das quais dispomos. Não existe leitura errada.

Por outro lado, existem sim leituras mais simplistas e mais superficiais que outras.

Meu papel aqui é ensinar é que existem outras formas, mais abstratas e mais profundas, mais simbólicas e mais frutíferas, de lermos e analisarmos, pensarmos e conversarmos sobre literatura.

Que não precisamos ler a Ilíada da mesma maneira que assistimos um filme de terror, gritando para tela: “Não entra aí, menino!”

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Esse texto faz parte dos guias de leitura para a segunda aula, Gregos, do meu curso Introdução à Grande Conversa: um passeio pela história do ocidente através da literatura. Esses guias são escritos especialmente para as pessoas alunas, para responder suas dúvidas e ajudar em suas leituras. Entretanto, como acredito que o conhecimento deve ser sempre aberto e que esses textos podem ajudar outras pessoas, também faço questão de também publicá-los aqui no site. Todos os guias de leitura da primeira aula estão aqui. O curso começou no dia 2 de julho de 2020 — quem se inscrever depois dessa data terá acesso aos vídeos das aulas anteriores.

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Não dava para ter banhado Aquiles por inteiro? é um texto no site do Alex Castro, publicado no dia 15 de julho de 2020, disponível na URL: alexcastro.com.br/banhado-aquiles-por-inteiro // Se gostou, repasse para as pessoas amigas ou me siga nas redes sociais: Newsletter, Instagram, Facebook, Twitter, Goodreads. Esse, e todos os meus textos, só foram escritos graças à generosidade das pessoas mecenas. Se gostou muito, considere contribuir: alexcastro.com.br/mecenato

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