Não é a mitologia que vem da literatura, mas a literatura que vem da mitologia.
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Uma das participante do curso Introdução à Grande Conversa perguntou:
“Se o calcanhar de Aquiles não está na Ilíada, de onde veio essa expressão calcanhar de Aquiles?”
Eu, na sala aqui em casa, respondi:
“Da mitologia grega, ué. De onde mais?”
Aí minha esposa ralhou comigo, apontou que seria uma resposta rude, e que ela obviamente queria saber a fonte.
Bem, as evidências textuais mais antigas do calcanhar de Aquiles são o poema As argonáuticas, escrito por Apolônio de Rodes, no século III aEC, e o poema Aquileida, escrito pelo poema romano Estácio, no século I EC, onde aparece a história de Tétis segurando Aquiles pelo calcanhar e ou queimando sua mortalidade no fogo (no primeiro) ou banhando-o no rio Estige (no segundo).
Mas é importante entendermos que essas não são as fontes dessa informação. Aliás, a própria pergunta “qual é a fonte do calcanhar de Aquiles” é, por si só anacrônica.
A mitologia grega era uma tradição popular, oral, viva. Ela não tinha dono. Qualquer pessoa podia escrever uma poema sobre Aquiles, assim como hoje qualquer pessoa pode escrever um conto sobre o Curupira.
Perdemos quase tudo, quase tudo mesmo, da literatura grega. O que sobrou foram só aqueles poucos textos que, por serem considerados os melhores, foram copiados e recopiados em vários manuscritos. (Existem algumas raras exceções de manuscritos que sobreviveram por acaso, em uma única cópia, mas 99% do que temos era aquilo que os antigos consideravam o melhor.)
Então, o que posso dizer é que as evidências textuais mais antigas que temos do “calcanhar de Aquiles” são esses dois textos, escritos centenas de anos depois de Homero, um deles, inclusive, de outra cultura que canibalizou a grega.
Esses textos não são a fonte do calcanhar de Aquiles: eles são a evidência textual que essa história estava em circulação, em diferentes versões.
(Mas reparem que o fato de eu escrever hoje um conto sobre um Curupira que mora na Av Paulista e trabalha em escritório, um conto que pode ser lido daqui a mil anos, não quer dizer que, na tradição oral brasileira de hoje, o Curupira fosse um bicho que morasse na Paulista e trabalhasse em escritório. Pode ser só uma criação pessoal minha.)
Ou seja, voltando à minha resposta original:
“De onde vem o calcanhar de Aquiles?”
“Da mitologia grega”.
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Esse texto faz parte dos guias de leitura para a segunda aula, Gregos, do meu curso Introdução à Grande Conversa: um passeio pela história do ocidente através da literatura. Esses guias são escritos especialmente para as pessoas alunas, para responder suas dúvidas e ajudar em suas leituras. Entretanto, como acredito que o conhecimento deve ser sempre aberto e que esses textos podem ajudar outras pessoas, também faço questão de também publicá-los aqui no site. Todos os guias de leitura da primeira aula estão aqui. O curso começou no dia 2 de julho de 2020 — quem se inscrever depois dessa data terá acesso aos vídeos das aulas anteriores.
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O calcanhar de Aquiles: fontes e evidências é um texto no site do Alex Castro, publicado no dia 15 de julho de 2020, disponível na URL: alexcastro.com.br/calcanhar-de-aquiles // Se gostou, repasse para as pessoas amigas ou me siga nas redes sociais: Newsletter, Instagram, Facebook, Twitter, Goodreads. Esse, e todos os meus textos, só foram escritos graças à generosidade das pessoas mecenas. Se gostou muito, considere contribuir: alexcastro.com.br/mecenato