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Quanto custa não pagar contas?

Diz a imagem que ficar adulto é como se perder da mãe no supermercado… pra sempre.

Eu diria que as pessoas que hoje preferem ser adultas são justamente aquelas que aproveitavam o supermercado para fugir da mãe.

Ser criança é querer se perder da mãe no supermercado…. e algum filho duma égua sempre te trazer de volta.

* * *

Todo dia, vejo pessoas reclamando das suas contas a pagar.

E penso que devo ser mesmo todo ao contrário.

Porque eu lembro bem da época em que eu não tinha nenhuma conta no meu nome. Da época em que eu também não tinha nenhuma autonomia sobre meu corpo, minha vida, minha privacidade. Da época em que eu também não tinha nenhuma independência de ir e vir, de decidir o que fazer com meu tempo. Da época em que eu não também não tinha nenhuma liberdade de viajar quando desse vontade, de abrir uma empresa, de casar com a pessoa que eu amava.

Então, cada novo boleto que entra por debaixo da minha porta é um lembrete de que essa época acabou, uma afirmação de que sou uma pessoa humana adulta, uma verdadeira celebração da minha autonomia, da minha independência, da minha liberdade.

* * *

Você poderia argumentar que só digo isso porque de fato tenho dinheiro para pagar minhas contas.

E eu responderia, em primeiro lugar, com todo o respeito, que você não sabe nada da minha vida.

Em segundo lugar, que a maioria das pessoas bem-alimentadas e bem-nascidas reclamando de seus boletos no Facebook provavelmente tem sim dinheiro para pagá-los — mas eu também não sei nada de suas vidas.

Em terceiro lugar, que mesmo as épocas mais difíceis da minha vida adulta, como quando fiquei devendo dez meses de aluguel e quase fui despejado, foram infinitamente melhores do que a falta de autonomia, de independência, de liberdade da minha infância — porque, justamente, como pessoa adulta, eu tinha autonomia, independência e liberdade para negociar o mundo e resolver esses problemas do meu jeito.

E, por fim, como contradiscurso, recomendo a Prisão Autossuficiência, onde falo um pouco sobre tudo aquilo que abrimos mão em nossa (também minha!) busca ensandecida e egocêntrica por mais autonomia, mais independência, mais liberdade.

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