No meio de um ano ruim, um ano que infelizmente prometia ser o prelúdio de anos muito piores, o profeta Jeremias ousou ser otimista diante da tragédia.
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Estamos no ano 588 antes da Era Comum.
Jerusalém, capital do pequeno reino de Judá, está sitiada pelas tropas do rei Nabucodonosor, da Babilônia, a superpotência da época.
O Profeta Jeremias, por ter repetidas vezes profetizado que o rei babilônico destruiria Jerusalém e levaria seu povo cativo para a Mesopotâmia, estava preso e, sinceramente, com sorte por ainda estar vivo.
Mas os profetas não profetizavam somente com sua palavra, mas com seus corpos: sua própria vida era uma profecia sendo encenada ao vivo, diante do povo.
Então, nesse momento de crise, com a cidade cercada pelo exército que ele mesmo profetizara que a destruiria, Jeremias abandona o cárcere e… compra um terreno!
Ele segue escrupulosamente todo o ritual burocrático: redige duas vias do contrato, arranja testemunhas para assiná-las e, na presença delas, pesa as peças de prata, sela uma das vias e guarda ambas em uma jarra de barro.
(Como ainda não haviam moedas, o dinheiro tinha que ser pesado; as duas vias eram guardadas juntas, a oficial selada e outra, aberta, para consulta; em caso de dúvida, quebrava-se o selo para conferir se ambas eram iguais; a jarra de barro retinha umidade e preservava o documento.)
E o povo, incrédulo, pergunta:
“Mas, Jeremias, você não profetizou que Nabucodonosor vai tomar Jerusalém, arrasar a cidade, levar o povo escravizado? E está comprando um terreno?”
E Jeremias confirma que sim, infelizmente, todos os horrores que profetizara iriam acontecer, que os próximos anos serão sim duríssimos, mas que depois seria a vez de a Babilônia cair, como todo império sempre cai, e o povo voltaria a Jerusalém, a cidade seria reconstruída e repovoada, e se ouviriam novamente a voz alegre e a voz festiva, a voz da noiva e a voz do noivo.
E termina com uma das mais lindas mensagens de esperança de sua carreira profética tão dura:
“Ainda se comprarão casas e campos e vinhas nessa terra!”
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Poucos meses depois, Nabucodonosor de fato tomou e destruiu Jerusalém, e levou seu povo cativo para a Babilônia. Setenta anos depois, voltaram. Mais tarde, perderam a cidade de novo. E recuperaram. E perderam. Hoje, para bem ou para mal (há controvérsias), estão lá.
Sim, as coisas vão melhorar. Talvez não hoje, talvez não amanhã, mas em breve. (E depois vão piorar de novo, aliás.)
Não necessariamente porque Deus nos prometeu, mas porque esses altos e baixos são a própria definição de História. “Os donos de Brasília não podem ser eternos”, nem os de Washington ou de Londres, nem Putin nem Macri.
Até lá, resistimos.
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“Não vou sair”
Deixo vocês com uma canção paraense, que deveria ser mais conhecida no Brasil todo, “Não vou sair”, de Celso Viáfora.
(Obrigado a minha querida ex-esposa paraense, Diane, por ter me exposto a tantas coisas incríveis que nunca chegam aqui embaixo.)
Eu, que já saí da minha terra e estou muito muito muito feliz de ter voltado, não consigo ver a lua batendo nas águas da Guanabara e não cantar essa música na minha cabeça.
“Não Vou Sair (Celso Viáfora)
A geração da gente
Não teve muita chance
de se afirmar, de arrasar, de ser felizSem nada pela frente
Pintou aquele lance
de se mudar, de se mandar desse paísE aí, você partiu pro Canadá
Mas eu fiquei no já vou já, pois quando tava me arrumando
Pra ir, bati com os olhos no luar
A lua foi bater no mar e eu fui que fui ficandoDistante tantas milhas
são tristes os invernos
Não vou sair, tá mal aqui, mas vai mudarOs donos de Brasília
não podem ser eternos
pior que foi, pior que tá, não vai ficarNão vou sair
melhor você voltar pra cá
não vou deixar esse lugar.”
Interpretada por Nilson Chaves & por Lucila Novaes.
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Esse texto faz parte dos guias de leitura para a primeira aula, Antigo Testamento, do meu curso Introdução à Grande Conversa: um passeio pela história do ocidente através da literatura. Esses guias são escritos especialmente para as pessoas alunas, para responder suas dúvidas e ajudar em suas leituras. Entretanto, como acredito que o conhecimento deve ser sempre aberto e que esses textos podem ajudar outras pessoas, também faço questão de também publicá-los aqui no site. Todos os guias de leitura da primeira aula estão aqui. O curso começou no dia 2 de julho de 2020 — quem se inscrever depois dessa data terá acesso aos vídeos das aulas anteriores.
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O consolo do profeta Jeremias é um texto no site do Alex Castro, publicado no dia 27 de junho de 2020, disponível na URL: alexcastro.com.br/o-consolo-do-profeta-jeremias // Se gostou, repasse para as pessoas amigas ou me siga nas redes sociais: Newsletter, Instagram, Facebook, Twitter, Goodreads. Esse, e todos os meus textos, só foram escritos graças à generosidade das pessoas mecenas. Se gostou muito, considere contribuir: alexcastro.com.br/mecenato