Maurice Maeterlinck (1862-1949) foi um escritor, poeta e dramatugo belga, imensamente popular em sua época, um dos primeiros ganhadores do Nobel de Literatura (1911) e, hoje, injustamente esquecido.
Pelo menos duas de suas peças estão entre o melhor do teatro europeu do XIX: Os cegos e Interior, ambas do começo de sua carreira (década de 1890, quando estava na casa dos trinta) e escritas para marionetes, ambas pequenas joias de simplicidade e economia cênica.
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Os cegos (1894)
Em Os cegos, estamos em uma floresta ancestral em uma ilha nórdica. No centro do palco, sentado numa pedra, um padre, claramente morto.
À sua volta, doze pessoas cegas, se perguntam: onde estará o padre?, já estamos esperando há horas, daqui a pouco escurece, precisamos voltar ao castelo, etc.
E é isso. Só isso. O drama se desenrola no diálogo dos cegos, progressivamente mais desesperados, esperando pelo padre que sabemos que não virá.
Vale lembrar que essa peça foi escrita 60 anos antes de Esperando Godot (1952), de Samuel Beckett, e que foi imensamente popular em sua época. Ou seja, Beckett provavelmente a conhecia.
Aliás, considero tanto Os cegos quanto Interior bastante superiores a Esperando Godot.
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Interior (1894)
Maeterlinck está atualmente em cartaz no Rio de Janeiro, com outra pequena joia de economia cênica, Interior (1894), também escrita para marionetes.
A peça toda se passa no quintal de uma casa. Um grupo vem trazer uma terrível notícia para a família: uma de suas filhas está morta. Diante da pobre família vivendo em paz lá dentro, eles param, hesitam, debatem: como contar uma coisa dessas? Por onde começar? Como fazer?
E é isso. Só isso. O drama se desenrola no diálogo das pessoas no jardim, progressivamente mais desesperadas, esperando por alguma solução milagrosa que sabemos que não virá.
A tradução de Fatima Saadi está excelente. A casa giratória da cenógrafa Mina Quental, belíssima. A peça ocupa de maneira ótima o teatro de arena do Sesc Copacabana, transformado em escuro jardim repleto de árvores e folhas por todos os lados.
A Cia. dos Bondrés preferiu não fazer o espetáculo com marionetes: os atores dentro da casa usam máscaras; os de fora, não. O trabalho com as máscaras está fenomenal.
Uma das melhores peças em cartaz no Rio hoje, em cartaz até 7 de julho de 2019. Recomendo.
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Máscaras e marionetes
Para o Maeterlinck, entretanto, a questão do uso de marionetes não era um mero detalhe.
Em seu teatro, a fonte do drama não é o conflito entre pessoas, mas o conflito entre o ser humano e o universo. Por isso, as peças deveriam ser encenadas com marionetes para enfatizar como os personagens eram, de fato, marionetes nas mãos do destino. Dizia ele:
Esses fragmentos psicológicos não aguentariam o peso de um ator humano. (1)
Mais ainda, na introdução de suas obras completas, Maeterlink descreve assim suas peças para marionetes:
Nestas peças, a fé é refém de enormes poderes, invisíveis e fatais. Ninguém sabe suas intenções, mas o espírito do drama presume que são malévolos, atentos a todas as nossas ações, hostil a sorrisos, a vida, a paz, a felicidade. Destinos que são inocentes mas involuntariamente hostis se unem e se separam, para a ruína de todos, sob os olhos tristes até dos mais sábios, que prevêem o futuro mas não conseguem influenciar em nada os jogos cruéis e inflexíveis que o Amor e a Morte práticam com os vivos. E o Amor e a Morte, e outros poderes, exercem aqui uma espécie de injustiça dissimulada, cujos castigos não oferecem nenhuma compensação além de satisfazerem os caprichos do destino. (2)
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Dizem que a obra de Maeterlinck decai muito em sua idade madura. Não posso afirmar. Li apenas os dois trabalhos acima e já me impressionaram bastante.
Meu plano agora é ler suas outras peças de marionetes da década de 1890: A Intrusa (1890), As Sete Princesas (1891) e A Morte de Titangiles (1894), geralmente consideradas seus melhores trabalhos.
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Referências:
1. The Marionette Plays of Maurice Maeterlinck, Francis Booth (ed.) 2011.
2. Life and Writings of Maurice Maeterlinck, Jethro Bithell, 1913
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Pós-escrito
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