Herta Müller, ganhadora do Nobel de Literatura de 2009, cresceu triplamente marginalizada:
Em primeiro lugar, era romena e viveu no país durante a fase mais repressiva da ditadura de Nicolae Ceaușescu.
Em segundo, era parte de uma minoria alemã dentro da Romênia, marginalizada por ser um lembrete vivo da aliança do país com Hitler. (O pai de Müller, e muitos de seus personagens, são ex-oficiais da SS.)
Em terceiro, por ser mulher.
As três marginalizações são, em larga medida, o tema de sua obra.
O homem é um grande faisão no mundo, escrito em 1986 e publicado no Brasil pela Cia das Letras em 2013, é a história de um moleiro que quer emigrar com a família para o ocidente e só consegue porque sua filha se deita com alguns figurões do partido.
Fera d’alma (1994, Editora Globo: 2013) acompanha um grupo de estudantes que vem de todo país para estudar na cidade grande e precisam lidar com a repressão, com a censura, com os interrogatórios.
Por fim, O compromisso (1997, Globo: 2003) segue uma viagem de bonde de uma narradora operária para seu “compromisso” com o interrogador da Polícia Secreta.
Müller é mais poetisa do que romancista. Nenhum dos três romances acima tem um enredo propriamente dito: são mais sketches poéticos da vida sob a repressão do que romances com começo, meio e fim, arco narrativo, desenvolvimento de personagens, etc. A autora se interessa mais pelas imagens, pelas palavras, pela poesia, do que pela fofoca em si da vida das personagens. A prosa é bela mas brutal, singela mas seca.
Assim como Kafka, Müller escreve em alemão fora da Alemanha e sem ser alemã, utilizando o alemão como uma língua de resistência.
Suas personagens, romenos da minoria alemã, existem em um precário não-lugar: celebrar sua identidade alemã equivaleria a celebrar o nazismo de seus pais e avôs, muitos ainda francos admiradores de Hitler. Por outro lado, abandonar a incômoda identidade alemã e abraçar o nacionalismo romeno equivale a celebrar o comunismo repressor e assasino de Ceaușescu e de Stalin. O que fazer? Para onde correr? Como existir?
Dos muitos depoimentos sobre a vida nas ditaduras do Leste Europeu, a obra de Müller se destaca por ser o doloroso testemunho de uma mulher: raras são as suas protagonistas que não terminam se utilizando do sexo, sua última arma, sua arma do desespero, para sobreviver.
Não foram leituras agradáveis, mas tenho certeza que Müller, autoexilada na Alemanha até hoje, não escreveu seus livros para agradar pessoas como eu, burguesinhos que tiveram a sorte de crescer em sociedades livres.
Li cada um desses três romances em uma língua diferente: Compromisso na tradução brasileira de Lya Luft; Faisão, na espanhola de Juan José del Solar; e Fera na inglesa de Michael Hoffmann, que me pareceu a mais poética.
Tudo o que tenho levo comigo, escrito em 2009 e publicado no Brasil em 2011, com tradução da Carola Saavedra, eu tenho na tradução inglesa de Philip Boehm, mas ainda não li. Esse último, ao contrário dos três primeiros, é centrado em um protagonista masculino, deportado para os campos de trabalho soviéticos. Vou ler junto com Arquipélago Gulag e Um dia na vida de Ivan Denisovich, de Soljenítsin, que estão aqui na minha fila.
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Tenho quatro livros à venda. Comprando direto na minha mão, você me dá a possibilidade de escrever novos livros e de ler outros tantos. E eu te agradeço.