Escrevi, há pouco tempo, que nunca conheci “pessoa chata”. A chatice que enxergamos na outra pessoa seria sempre a nossa própria. Afinal, nenhuma pessoa pode ser mais desinteressante do que aquela que não está interessada nas outras à sua volta.
(O texto completo está aqui: Quem são as pessoas chatas?)
Em resposta, recebi o seguinte email:
“E quando a pessoa que nos encontra não está aberta ao diálogo, sugando nossa atenção apenas por um interesse ou para demonstrar arrogantemente o que ela tem e faz?
As circunstâncias das pessoas que te visitam e dessa experiência de possibilitar uma abertura para o desconhecido te expõem a um público que necessariamente está curioso para te conhecer (o que já implica algum grau de abertura).
A chatice pode ser um descompasso na abertura da conversa, e não necessariamente uma opinião que espelha meus próprios preconceitos.”
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Minha resposta:
“o dialogo só pode se dar de comum acordo entre duas pessoas dispostas a tal. se uma nao está aberta ao diálogo, e ela tem direito disso, então não tem diálogo.
nao sei bem o que é “sugar nossa atenção apenas por um interesse”. existe sugar atenção de forma desinteressada? existe pessoa desinteressada, aliás? toda pessoa que fala conosco tem algum interesse, nem que apenas o interesse de ser ouvida, de ter alguém prestando atenção nela. não sei nem bem o que vc quer dizer com “sugar atenção”. acho que somos TODAS sempre muito carentes por atenção, e, por isso, prestar atenção na outra pessoa é sempre um grande presente.
e, sim, quando prestamos atenção a elas, as pessoas se mostram como são, elas são arrogantes, vaidosas, elas só falam de si mesmas. ouvir é assim. a gente ouve o que as pessoas tem a dizer. :) se vc só se propuser a ouvir as pessoas que não vão vaidosas, arrogantes, carentes, sugadoras…. vai sobrar bem pouca gente. ;) talvez só eu e vc, que certamente somos pessoas perfeitas ;)
sobre minhas visitas, tem várias coisas aí.
um, de fato, as pessoas que me visitam tem uma interação comigo bastante diferente. mas talvez não como vc pensa. elas chegam aqui querendo me ouvir, tirar algo de mim, frases, pensamentos, mas a verdade é que elas já me leram, elas já sabem o que tenho a dizer, elas já me conhecem. sou EU que não conheço elas. então, rapidamente, eu consigo passar o assunto pra elas e fazer com que me contem de suas vidas, sonhos, projetos.
e aí, quando falam, elas são pessoas normais, falando de si mesmas, tudo isso que vc descreveu: sugadoras, vaidosas, arrogantes. ou seja, tudo isso que todas nós somos. :)
e, dois, eu puxo papo com todo mundo o tempo todo em todos os lugares. então, estou falando com base na minha experinência de vida. as pessoas que vem à minha casa são uma parte mt pequena das minhas interações diárias. :)
por fim, como eu te disse, eu escuto pessoas há 40 anos, na praça, na fila do banco, no ônibus, e nunca vi essa tal pessoa chata. mas não sei se entendi direito uma frase sua. como assim: “A chatice pode ser um descompasso na abertura da conversa”?
na minha experiência, sempre existe esse descompasso, pois nunca vi conversa onde todas as pessoas estivessem igualmente abertas umas às outras. :)
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Novo email da leitora:
“As pessoas não estão sempre só sendo arrogantes, vaidosas, sugadoras. Há momentos. Uma pessoa a quem eu atribuo o rótulo de pessoa chata, não deve ser chata todo dia e com todo mundo (suponho). Mas existe gente chata em momentos e situações. Uma pessoa exposta a algo que a incomoda pode agir de uma maneira que expõe o seu ‘pior’ lado, nessas circunstâncias, você acaba de encontrar alguém chato (que muito provavelmente tem um lado legal que a gnt não tá vendo).
Acho que pessoas que não estão dispostas a serem acrescentadas em nada em uma conversa, falando só de si de uma forma pretensiosa, estão sendo chatas.”
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Eu:
“já, pra mim, quando uma pessoa me parece chata, penso que sou EU que estou sendo chata com ela, que não estou sabendo ver o seu melhor lado, que não estou (por causa do meu gigante ego) conseguindo ver aquilo que ela tem de mais interessante. :)”
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Ela:
“Entendo o ponto, inclusive concordo, é de um profundo altruísmo, oferecer sempre uma visão sem julgamento, independentemente da forma como a pessoa se porta no mundo.
Mas uma pessoa que só quer nos mostrar o seu pior lado, não pode ser lida como chata, nesse momento e circunstância? É o caminho mais fácil e que estamos mais habituados.
A minha Mãe atua em um movimento religioso, e ela persistiu em sua atuação mesmo convivendo com pessoas que tem vários comportamentos inconvenientes/chatos e até mesmo quando fizeram coisas que julgo de má-fé contra ela. Viver no mundo e amar as pessoas mesmo quando elas te ferem/incomodam/erram com você é um desafio e tanto.”
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Eu:
“quem sou eu pra decidir, assim tao taxativamente, que aquilo que a pessoa está me mostrando é o seu pior lado? como eu poderia mesmo SABER isso? eu teria que conhecer todos os lados dela, ou pelo menos muitos, para poder fazer essa determinação….
não faz sentido fazer esse “ranking” de lados. eu não sei quantos lados aquela pessoa tem. não tem quais sao seus piores ou melhores lados. e, mesmo se tivesse como saber, me pareceria uma discussão fútil.
o que me importa é que aquilo que aquela pessoa está me dando naquele momento é o que eu tenho para trabalhar naquele momento. (meu mantra é sempre esse: hoje é o que tem pra hoje.) não sei se é o seu melhor ou pior lado. sei que é o lado que ela escolheu, que ela pôde me mostrar.
cabe a mim procurar em mim mesmo o interesse por aquilo que me está sendo mostrado.
eu tb trabalho no meu templo. faço acolhimento e instrução dos iniciantes às terças feiras à noite. o templo se chama “cuidado amoroso eterno” e é isso que estamos lá pra fazer. :)
é bonito. é importante.”
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Ela:
“Continuei pensando sobre isso, e se você mudar o cenário e conhecer profundamente a pessoa, será que você não tem como saber quando ela está sendo só chata ou egoísta?”
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Eu:
“a questão não é se tem como eu SABER se a pessoa é chata ou egoista.
tem (por exemplo) como eu SABER a raiz quadrada de 2o938.
não tem como eu SABER se uma pessoa é chata ou egoísta, porque uma pessoa não é uma equação que tem uma resposta certa, objetiva, precisa.
a pessoa é o que ela é.
a questão é outra: tenho o direito de conviver com uma pessoa por alguns minutos (ou por alguns anos) e carimbá-la, taxá-la, defini-la como chata ou egoísta?
quem sou eu pra fazer esse julgamento?
um texto: exercer a não-opinião
alias, depois de uma vida inteira ouvindo pessoas, eu já tenho a resposta a essas perguntas:
toda pessoa que eu já encontrei ou conheci é fundamentalmente egoísta e nenhuma, jamais, me pareceu chata.”
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Ela:
“Mas eu mudei o verbo, não é sobre ser, é sobre estar.
Ninguém é só uma coisa, nem nós conseguimos ser compreensão pura e absoluta.”
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Eu:
“entao aí é que a pergunta me parece irrelevante. não vejo pq ela seria interessante, ou pq eu deveria perder meu tempo me fazendo essa pergunta ou tentando respondê-la…
todas nós, fundamentalmente egoístas, por causa de nossa imensa ignorância, temos nossos momentos de maior ou menor egoísmo. e isso não faz de nós nem um pouco menos ou mais chatas porque, menos ou mais egoístas que sejamos, sempre somos um poço infindável e fascinante de histórias, experiencias, traumas, vivências, sensações….
veja. eu acho que VC, se quiser, tem o direito de classificar e rotular as pessoas como VOCÊ quiser. mas, pra mim, em minha vida, em minhas interações, essas classificações que vc propoe não fazem muito sentido e não me parecem nem úteis nem práticas. :)”
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Emails publicados sob autorização, como sempre.
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Pós-escrito
As próximas Imersões “As Prisões” vão acontecer entre 18 e 20 de janeiro em Areias, SP (a meio caminho entre RJ e SP) e entre 1º e 3 de fevereiro em Taíba, CE (a 70km de Fortaleza).
Ambas estão quase lotadas. Não sei quando serão as próximas.
Para saber mais e se inscrever, assista o vídeo abaixo ou clique aqui.