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não existe artista charlatão, existe mau artista

de vez em quando me perguntam:

“alex, você não acha que fulano é um charlatão?”

e respondo:

“como assim charlatão? você está me perguntando se ele é um fingidor, se está fingindo ser artista? mas faz sentido uma pergunta que já sugere um julgamento de valor NÃO sobre a produção artística da pessoa mas sobre suas intenções, sobre sua essência? como eu vou saber se ele é charlatão ou não? não é mais fácil, mais justo, mais objetivo simplesmente julgarmos o valor da obra que essa pessoa de fato produziu?”

* * *

por que esse discurso só existe nas artes plásticas e na literatura?

muita gente não gosta de jorge vercilo, mas ninguém diz que ele não é músico, que não é cantor, que é um charlatão, que é um fingidor.

entretanto, muitas das mesmas pessoas, para criticar um romero britto ou um paulo coelho, imediatamente lhes cassam a carteirinha de artista:

“esse aí é um charlatão!”

* * *

a obra de qualquer artista está no mundo para ser usufruída e avaliada.

mas uma coisa é considerar que fulano é um mau artista porque sua obra tem esses e aqueles problemas.

outra coisa, bem diferente, é nos darmos ao direito e à autoridade de afirmar categoricamente que fulano não é artista.

existem mil maneiras válidas de se criticar o trabalho de um artista. cassar sua carteirinha de artista é a pior delas.

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textos

não sinta culpa por me ler de graça

os meus textos estão na internet para serem lidos, gratuitamente, por quem quiser, gostar, precisar.

quando um pastor pede por contribuições, existe uma ameaça implícita de que você pode ir para o inferno se não pagar.

quando eu peço por contribuições, não existe ameaça implícita alguma: se você não pagar, nada de mal vai acontecer, nem com você, nem comigo. (eu não te conheço e, se te conhecesse, não pensaria menos de você.)

sim, eu preciso das contribuições das minhas pessoas mecenas.

não tenho renda garantida nem emprego fixo. sem as mecenas, eu seria forçado a correr atrás de frilas, traduções, revisões, e acabaria escrevendo menos.

mas não seria o fim do mundo. e, mais importante, não é seu problema.

existem vários motivos para se tornar mecenas.

aceito sua generosidade altruísta em retribuição aos textos que leu de graça.

aceito seu autointeresse egoísta em possibilitar a produção de novos textos.

dispenso sua culpa.

adote o artista não deixe ele virar professor

(para contribuir e se tornar mecenas, clique aqui.)

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arte

receber todos, procurar ninguém

aos 12 anos, decidi que seria escritor.

não apenas escritor, mas escritor de ficção.

ou seja, artista.

para mim, artista era aquela pessoa que, ao mesmo tempo em que se colocava à disposição de seu público, com a generosidade e com a abertura de receber muito bem a todas as pessoas que a procuravam, também era autônoma e autossuficiente: quando não era procurada por ninguém, aproveitava para mergulhar na criação e na produção de seus muitos projetos.

hoje, percebo que vivi os últimos trinta anos assim:

nunca procurando ninguém, buscando sempre receber bem quem me procura.

continua sendo o meu mantra.

continuo aberto à visitação.

* * *

se meus textos tiveram impacto em você, se usa meus argumentos para ganhar discussões, se minhas ideias adicionaram valor à sua vida, por favor, considere fazer uma contribuição do tamanho desse valor.

assim, você estará me dando a possibilidade de criar novos textos, produzir novos argumentos, inventar novas ideias.

e que machado te abençoe.

mecenato eu dei

torne-se mecenas.

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textos

quem tem medo de virar pária social?

as pessoas me falam:

“se eu fizer isso vou virar uma pária social!”

como se fosse uma coisa ruim!

mas “virar uma pária social” significa que pessoas chatas vão parar de….

…me chamar pra fazer coisas que não quero fazer;

…esperar que eu me comporte como elas;

…dar pitaco em minha vida;

…projetar em mim suas expectativas insensatas.

ou seja, “virar pária social” não é o problema: é o final feliz.

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entropia

meus melhores textos sobre morte e entropia.

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entropia

seres inexistentes

se tudo acaba, se até mesmo o sol vai acabar, por que seria justamente eu a não acabar nunca?

por que eu seria tão importante assim?

aliás, por que a questão da minha existência seria minimamente importante?

por que eu deixar de existir é mais ou menos dramático do que um coelho deixar de existir?

passei a existir no momento no tempo que convencionamos chamar de 1974 mas, antes disso, eu não-existi por um período literalmente infinito.

e não foi ruim. não doeu. não foi desagradável.

muito em breve, voltarei a não-existir por um período infinito de tempo.

se não era ruim antes, por que seria ruim depois?

por que ter medo de voltar a um estado que já experimentei e que não foi ruim?

considerando o tempo que passamos existindo e o tempo que passamos não-existindo, nosso estado natural é a não-existência.

existir seria apenas um breve soluço, um glitch, um bug, dentro de uma perfeita, plena e eterna condição de não-existir.

somos todos seres inexistentes que, por um acaso, existem.

mas não por muito tempo.

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leituras

fausto, de goethe

notas de leitura sobre o fausto, de goethe.

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fausto, obra-prima da vida de goethe, talvez maior nome da literatura alemã, escrito ao longo de sessenta anos, é a história do homem que vende sua alma ao diabo — nesse caso, mefistófeles.

em seu afã criador e aperfeiçoador, tentando adaptar o mundo a si mesmo, fausto é a própria encarnação do capitalismo, destruindo tudo o que toca.

as duas histórias mais conhecidas são, com justiça, os pontos altos do poema: a “tragédia de gretchen”, na primeira parte, e a “tragédia do colonizador”, ou “colônia de fausto”, no quinto ato da segunda parte.

(filemon e baucis, na primeira cena do quinto ato da segunda parte, são os protótipos daquilo que hoje se tornou lugar-comum: o bondoso casal de velhinhos cuja única função narrativa é ser trucidado e estabelecer além de qualquer dúvida a malvadeza do vilão.)

faust goethe by harry clarke (2)

o poema busca abraçar o mundo, a experiência humana e todo o conhecimento literário e filosófico, teológico e científico da humanidade até então.

ou seja, é tão amplo e descomunal e ambicioso e genial quanto o homem que se dedicou a escrevê-lo.

na verdade, que projeto poderia ser mais literalmente fáustico do que passar sessenta anos escrevendo o fausto?

talvez fosse o final perfeito para um poema tão metalinguístico: fausto, quando fracassa seu projeto colonizador, em vez de morrer, senta-se para começar a escrever o poema que estamos lendo.

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arte

por quem choram as carpideiras de stalin

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quando stalin morreu, as próprias pessoas que ele tiranizou durante décadas, que tiveram entes queridos mortos pelo ditador, foram às ruas, trincando os cabelos e arrancando os dentes, numa dor intensa, num luto desesperado.

muita gente do lado de cá da cortina de ferro não entendeu, acharam que elas talvez estivessem sendo vigiadas, que fingiam o luto para não serem perseguidas pela kgb, etc.

funeral kim jong-il 2011 (1)

mas a questão não é de afeto, é de grandeza:

se até uma figura tão sobre-humana pode morrer…

então, que chance EU tenho?

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arte

olha-me, e olha-te bem

epitáfio de gil vicente, um dos grandes escritores da nossa língua, reinventor do teatro:

sepultura gil vicente

O grão juízo esperando,
jazo aqui, nesta morada
também da vida cansada,
descansando.

Pergunta-me quem fui eu,
atenta bem para mi,
porque tal fui, como a ti,
e tal hás de ser como eu.

E pois, tudo a isto vem,
ó leitor de meu conselho
toma-me por teu espelho,
olha-me, e olha-te bem.

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entropia

a certeza da incerteza

eu sei que várias certezas que já tive estavam erradas.

eu presumo que, das certezas atuais, muitas estão igualmente erradas.

por que então tenho tanta certeza de que as minhas certezas de hoje, essas sim, são as realmente certas?

* * *

talvez seja o meu maior desafio pessoal:

antes de falar, antes de agir, antes de escrever…

tentar internalizar, absorver, corporificar essa certeza:

que a única certeza que realmente tenho é que muitas das minhas certezas mais certas são, na verdade, incertas.

então, será que tenho direito de apontar esse dedo, de fazer essa crítica, de cometer esse julgamento?

* * *

esses temas são desenvolvidos nos meus textos prisão verdade e cultivar o não-conhecimento.

 

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raça

A fragilidade do corpo negro

Resenha de Entre o mundo e eu de Ta-Nehisi Coates para a Folha de S. Paulo, publicada no dia 2 de janeiro de 2016. Abaixo, a versão integral.

entre o mundo e eu ta-nehisi coates

* * *

Entre o mundo e eu, uma carta do jornalista norte-americano Ta-Nehisi Coates (pronúncia aproximada: tanarrássi) para seu filho de quinze anos, é um livro sobre o corpo. Mais especificamente, sobre o corpo negro.

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leituras

ler mais para saber menos, ler menos para saber mais

Sempre que atualizo minha lista de leituras, várias pessoas me escrevem com uma variação de:

“Aaaah, que inveeeeja, eu queria taaaanto ler mais…”

Mas… por quê?!

leitura-alex-02

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leituras

leituras comentadas, novembro 2015

mudei um pouco as coisas nesses posts mensais de leituras comentadas.

a verdade é que preciso mesmo organizar minhas leituras, senão me perco.

(por exemplo, li erich fromm com tanta familiaridade que não sei se é por já ter lido ou apenas porque concordamos em quase tudo!)

então, a partir de agora, além de listar os livros lidos, vou resumir suas ideias principais e compartilhar meus comentários e anotações — que, às vezes, são muito, muito extensos.

ou seja, querida pessoa leitora, esses posts de “leituras comentadas” não serão mesmo para todo mundo. se os livros te interessam, maravilha. se não, pule tudo sem dor na consciência.

para facilitar, já no topo, a lista dos livros lidos em novembro. para os comentários e citações, é só ir descendo.

só queria dizer que demorei quatro dias inteiros escrevendo esse post gigantesco que quase ninguém vai ler. tomara que valha a pena. ao menos, foi delicioso reencontrar todas minhas recentes leituras.

* * *

livros lidos em novembro, 2015

  1. free will, de mark balaguer, 2014, inglês. 8nov15.
  2. breakdown of will, de george ainslie, 2001, inglês. nov15.
  3. “autobiografia”, de sigmund freud, 1925, alemão. (trad: paulo césar de souza) 21nov15.
  4. além do princípio do prazer, de sigmund freud, 1920, alemão. (trad: paulo césar de souza) 21nov15.
  5. o eu e o id, de sigmund freud, 1923, alemão. (trad: paulo césar de souza) 21nov15. releitura.
  6. escape from freedom, de erich fromm, 1941, inglês. 18-21nov15.
  7. the whisperer in darkness, de h. p. lovecraft, 1930, inglês. nov15. releitura.
  8. at the mountains of madness, de h. p. lovecraft, 1931, inglês. nov15. releitura.
  9. livro de ruth, anônimo, c.VI-IV aec, hebráico. nov15. releitura.
  10. primeiro livro de samuel, anônimo, c.630–540 aec, hebráico. nov15. releitura.
  11. rosencrantz & guildenstern are dead, de tom stoppard, 1967, inglês. 23nov15.
  12. the man in the high castle, de philip k. dick, 1962, inglês. 25nov15.
  13. strangers to ourselves: discovering the adaptive unconscious, de timothy d. wilson, 2004, inglês. 20nov15.
  14. why freud was wrong: sin, science and psychoanalysis, de richard webster, 1995, inglês. 27nov15.
  15. freud (the great philosophers), de richard webster, 2003, inglês. 30nov15.
  16. santo agostinho em 90 minutos, de paul strathern, 1997, inglês. (trad: maria helena geordane, 1999.) 30nov15.
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entropia

o vazio que nos consome

semana passada, dividi um táxi com um famoso coach e ele deu uma dica de carreira para uma moça que estava conosco:

“tem alguma coisa que as pessoas sempre mandam email te perguntando, pedindo sua ajuda? pois, se tem, então você pode ganhar a vida com isso.”

eu fiquei caladinho, pensando nos emails que recebo.

* * *

da prisão religião:

buscar pela melhor maneira de preencher nosso vazio (com mais consumo, mais ego, mais sucesso, mais ascetismo, mais religião, mais sexo, mais livros publicados, mais curtidas no meu post, etc) apenas faz com que pulemos de alternativa em alternativa, em uma infinita insatisfação.

se o buraco não tem fundo, tentar preenchê-lo não resolve.

buraco no peito prisao religiao

* * *

uma troca de emails que travei essa semana.

pessoa leitora:

“como viver com a certeza de que não há depois? como viver sabendo que sua vida e todos os seus feitos não fazem o menor sentido? como viver uma vida sem sentido? como não se importar com o amor (ou o não amor), já que ele próprio não faz sentido nenhum? … como você consegue deixar o buraco em seu peito vazio? por muito tempo eu preenchi o meu com a presença de um deus, mas não consigo mais. tentei colocar pessoas, mas nunca deu certo. me sinto tão perdido às vezes que penso que talvez a morte seja a escolha mais racional e libertadora. tem horas que não consigo continuar, que os sonhos que tenho não fazem sentido, que os livros que ainda quero escrever não fazem sentido. tem horas que é muito difícil.”

eu:

perguntar como consigo “deixar o buraco vazio” é como perguntar como consigo deixar meu nariz assim no meio da minha cara. e eu responderia: eu não deixo nem desdeixo. o nariz É no meio da minha cara.

pessoa leitora:

“eu … queria deixar o buraco vazio sem me importar, mas sinto que as vezes o vazio que carrego é tão grande que vai me engolir.”

eu:

o vazio sempre nos engole. a questão é o que vamos fazer antes disso.

pessoa leitora:

“obrigado. de verdade. seu último e-mail me ajudou bastante. obrigado.”

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textos

existe algo de grandioso se acumulando na pia

os grandes crimes da humanidade, as merdas absolutamente gigantescas, os genocídios e os fascismos, foram todos cometidos por pessoas que achavam fazer parte de algo “grandioso”.

as pessoas rebeldes, as pessoas incertas, as pessoas do contra, as pessoas confusas, essas podem até fazer muita besteira, mas não marcham em uníssono ao som de tambores.

sempre que me flagro pensando que o livro das prisões vai mudar o mundo, influenciar as pessoas, ser algo grandioso….

eu páro tudo e vou varrer o chão.

varrer o chão é a melhor cura para a grandiosidade.

recomendo.

quer participar de algo grandioso

(uma resposta a esse texto.)

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copacabana

manhãs de copacabana

Copacabana-sunrise

adoro acordar com o dia ainda escuro, ver o sol lentamente surgindo por cima do morro do cantagalo, ver as gaivotas sobrevoando a praia de copacabana, sentir o leve cheiro de maresia que vem chegando, sentir o bairro despertando.

adoro acompanhar o movimento do sol dentro da minha casa. primeiro, ele bate na cama, depois, na rede, e vem entrando e entrando, e me empurrando pra dentro de casa, até que, nessa época do ano, lá pelas sete, o único lugar que me sobra na casa é o balcão, para tomar café e trabalhar.

adoro o cheiro de café que vai aparecendo, aqui e ali, de muitos dos 400 apartamentos que me cercam só no meu prédio.

adoro ouvir as crianças chegando, falando, brincando na creche que fica ao lado da minha janela, o solar meninos de luz.

adoro a alegria ensandecida da capitu, cachorra de apenas seis meses de idade, ao perceber que está viva e tem mais um dia pela frente.

adoro o meu café da manhã de café, ovo mexido, torradas com manteiga e fruta, o cheiro de cada uma dessas coisas me confortando, me preenchendo, me deliciando, me colocando já no clima do novo dia.

por fim, adoro um senhor negro, magro e alto que, todo dia, lá pelas onze e pouco, passa pela minha rua gritando “ó o almoço da quentinha”, simbolizando assim o final oficial de mais uma manhã no rio de janeiro.

cada dia mais eu comprovo. minha hora produtiva é a manhã. se já não fiz o meu melhor trabalho até a chegada do moço da quentinha, melhor dormir cedo e tentar de novo no dia seguinte.

* * *

foto: um típico nascer-do-sol em copacabana, por aaron frutman. acreditem ou não, tem um desses aqui todo dia. eu não canso.

em linhas gerais, na praia de copacabana o sol pode ser visto nascendo do outro lado da baía de guanabara, atrás das montanhas de niterói, e, na de ipanema, se pondo atrás do morro dois irmãos.

meu apartamento é voltado para a praia de copa, que está a três quarteirões de distância, mas não tem vista para o mar: eu só vejo suas gaivotas, sinto seu cheiro, adivinho sua presença.

 

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zen

as oito preocupações mundanas

1. querer elogio

2. não querer crítica

3. querer prazer

4. não querer dor

5. querer vitória

6. não querer derrota

7. querer reconhecimento

8. não querer menosprezo

* * *

(fonte: carta a um amigo, de nagarjuna, estrofe 29, adaptadas levemente por mim.)

sobre zen.

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textos

homenagem

queijaria de beira de estrada, entre montevidéu e colônia. cabras felizes pastam ao redor.

no balcão, o retrato emoldurado de uma cabra, com a legenda “titi”.

revela o queijeiro, sorrindo:

“foi nossa primeira cabra!”

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textos

o céu está sempre azul

o céu está sempre azul e o sol está sempre brilhando.

talvez exista até algum obstáculo momentâneo impedindo a visão mas, acima dessas nuvens, do outro lado desse planeta, o céu está sempre azul e o sol está sempre brilhando.

nos meus momentos de depressão, esse pensamento me alegra.

(da série: “coisas que só se percebe na prática observando o céu enquanto se dirige mil quilômetros em um só dia pelos andes e pelos pampas.”)

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leituras

minhas leituras, comentadas, em setembro & outubro de 2015

setembro foi um mês que passei na estrada, em são paulo, em belo horizonte e no inhotim. li pouco, quase que somente livros para a prisão liberdade, que estou lutando para escrever.

* * *

para relaxar, li alguns quadrinhos da estante da minha anfitriã paulista, fernanda de cápua.

cachalote, de daniel galera e rafael coutinho, 2010, português. 20set15.

dinâmica de bruto, de bruno maron, 2012, português.

vida de prástico, de ricardo coimbra, 2014, português. set15.

ricardo coimbra é um dos grandes cartunistas em atividade hoje.

* * *

durante a imersão “as prisões” de sete de setembro, li essa deliciosa antologia de literatura russa do século xix editada pela hedra, editora do meu livro autobiografia do poeta-escravo.

os russos, de púchkin, gógol, dostoiévki, tolstói, tchekhov e górki, 2015, russo. (tradução: vários; organização: luis dolhnikoff)

excelente antologia. eu colocaria menos puchkin (que, como me contam os amigos russos, é tipo guimarães rosa, não traduz bem) e mais turgeniev.

* * *

estou lutando para escrever a prisão liberdade, mas os últimos meses têm sido difíceis para mim. enquanto não junto forças para escrever, vou lendo livros específicos sobre o assunto.

freedom evolves, de daniel dennett, 2003, inglês. 17set15.

free will, de sam harris, 2012, inglês. 17set15.

free will, a very short introduction, de thomas pink, 2004, inglês. set15.

a theory of freedom: from the psychology to the politics of agency, de phillip petit, 2001, inglês. 18set15.

darwin’s dangerous idea: evolution and the meanings of life, de daniel dennett, 1995, inglês.

todos foram úteis para o meu objetivo, mas o único que eu realmente recomendaria é o último, simplesmente sensacional, presente da minha amiga querida daniela vaz.

algumas frases, traduzidas por mim:

“um intelectual é só uma maneira de uma biblioteca gerar outra biblioteca.”

“nada que seja complicado o suficiente para ser realmente interessante pode ter uma essência.”

* * *

em outubro, continuei tentando ler para a prisão liberdade, mas com pouco sucesso. continuei triste e disperso, e li um pouco de tudo.

* * *

meu companheiro de estrada e outros contos, de maksim górki, 1894-1923, russo. 4out15. (tradução de bóris chnaidermann, 1961.)

depois de ler a antologia da hedra, em setembro, fiquei com tesão de ler mais górki e comprei essa antologia traduzida e organizada pelo bóris, uma das pessoas mais incríveis que já conheci.

quem me fez ler górki foi henry miller e serei sempre grato. poucas vozes na literatura mundial são tão cheias de vigor e vida quanto górki,

górki nunca é perfeito (talvez só na trilogia autobiográfica, sua obra-prima) mas todos os seus defeitos e falham emanam das suas grandes qualidades, do seu humanismo, da sua empatia, da sua expansividade.

dos grandes russos (puchkin, gogol, turgeniev, tolstoi, dostoievski, tchecov) ele é, ao mesmo tempo, o menor e o maior, o mais falho e o mais necessário.

é engraçado que eu já li e amo essa turma toda mas, a medida que vou envelhencendo, é ao górki que continuo voltando, mais que a todos os outros.

* * *

górki também é o poeta da força. dois contos desse livro, talvez os meus preferidos, têm esse tema.

em caim e artiom, o valentão da vila é salvo por homenzinho fracote e covarde, e passa a protegê-lo. em poucos dias, entretanto, ele acaba confessando que simplesmente não consegue respeitar a fraqueza do outro e que não vai mais protegê-lo.

em meu companheiro de estrada, que dá título ao livro, górki, então vagabundo andarilho, faz uma longa caminhada ao lado de um aristocrata que se perdeu da família e está sem dinheiro. ao longo de toda a viagem, o aristocrata faz pouco e humila o vagabundo que o está ajudando, mas górki simplesmente se recusa a ser humilhado. do seu ponto de vista, o aristocrata é como se fosse uma criança, incapaz de seu cuidar e sem saber o que fala. em outras palavras, górki se considera tão acima do homem que pretensamente está tentando humilhá-lo que nem ao mesmo responde e, pelo contrário, continua tratando-o com carinho.

é uma tática que venho usando por toda a minha vida com as pessoas que tentam me humilhar e me atacar.

obrigado, górki.

(para ler górki na internet, em inglês, clique aqui e aqui.)

* * *

nietzsche, de jean granier, 2009, francês. 5out15.

um dos meus planos pros próximos meses é encarar a obra completa de nietzsche, relendo os que já li e lendo os que faltavam.

aí, estava na baratos da ribeiro, o melhor sebo do mundo, tinha crédito na praça, porque sempre vendo livros pra eles, e encontrei um desses livrinhos explicando nietszche. livrinho francês. traduzido pela denise bottman. (pensei, pelo menos, não vou me irritar com a tradução, já é um bom começo.)

na introdução, página 23, o explicador explica que nietszche é um filósofo complexo, cuja obra foi vilipendiada e distorcida depois dele morto, e que, por isso, deveríamos sempre tomar cuidado com citações da obra póstuma de nietsche e nos basear mais nos escritos publicados em vida.

ok, isso eu já sabia. basta ler o verbete do nietszche na wikipedia.

o capítulo imediatamente seguinte, página 31, é sobre o conceito de niilismo em nietszche.

adivinhem: o capítulo inteiro é totalmente baseado e cita quase que apenas justamente o livro póstumo de nietszche inventado por sua irmã: vontade de potência.

e eu, quase gritando em pleno saguão do aeroporto santos dumont:

“colega, você tá fazendo exatamente o que vc mandou não fazer cinco páginas atrás!!”

isso é que dá ler mastigadores.

* * *

ecce homo. como alguém se torna o que é, de friedrich nietzsche, 1888, alemão. 6out15. (tradução de paulo cesar de souza, 1985.)

traumatizado pelo livro acima, li ecce homo na praia de copacabana e foi lindo.

alguns trechos:

“Erro … não é cegueira, erro é covardia… Cada conquista, cada passo adiante no conhecimento é consequência da coragem, da dureza consigo, da limpeza consigo… … O homem do conhecimento deve poder não somente amar seus inimigos, como também odiar seus amigos.” (Prólogo, §3, §4.)

“A noção de “pecado” [foi] inventada justamente com o seu instrumento de tortura, a noção de “livre-arbítrio”, para confundir os instintos, para fazer da desconfiança frente aos instintos uma nova natureza.” (Por que sou um destino, §8.)

“Paga-se muito caro ser imortal: é então forçoso morrer muitas vezes em vida. Há uma coisa que chamo rancor da grandeza; tudo quanto é grande, seja obra, seja acção, uma vez que se realiza, volta-se contra o seu autor. Só pelo facto de ter realizado, torna-se o autor inerme perante o que fez, já não lhe é dado olhá-lo de frente. E é como se tivéssemos atrás de nós alguma coisa que nunca desejámos fosse tal qual foi, alguma coisa que fica ligada ao próprio destino da humanidade – e de que nunca mais nos podemos separar!… É um peso incessante que quase nos esmaga… O rancor da grandeza!…” (Assim falou Zaratrusta, §5.)

* * *

rio de janeiro. histórias de vida e morte, de luiz eduardo soares, 2015, português. 4out15.

livro desigual. alguns capítulos brilhantes, outros me peguei pulando. adoro tudo que o luiz eduardo escreve, sobre essa nossa cidade tão amada, tão clichê.

* * *

voces de chernóbil: crónica del futuro, de svetlana alexievich, 1997, russo. 12out15. (tradução: ricardo san vicente, 2006.)

tenho me interessado mais e mais por história oral e é incrível ver uma praticante ganhar o nobel de literatura.

vou fazer o maior elogio que um escritor pode fazer: é um livro que eu gostaria de ter escrito.

não sobre chernobil, mas sobre nossas muitas tragédias próximas.

quem sabe sobre as tragédias cariocas narradas pelo luiz eduardo, no livro acima.

quem sabe, talvez eu ainda escreva.

(um outro texto que escrevi sobre esse livro fantástico.)

* * *

a slight trick of the mind, de mitch cullin, 2005, inglês. 15out15.

não satisfeito em ser magneto e gandalf, ian mckellen agora também é sherlock holmes. um holmes idoso, de 93 anos, lidando com sua decadência física e mental.

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seu novo filme, que acabou de sair, “mr holmes”, 2015, de bill condon, é adaptação desse romance.

ambos são bem diferentes, mas o filme é superior, tanto por contar com dois atores que fazem a diferença (o próprio mckellen e a laura linney) como por clarificar e enfatizar alguns temas que ficam meio soltos em um livro que às vezes é excessivamente sutil.

* * *

obedience to authority: an experimental view, de stanley milgram, 1974, inglês. 23out15.

em 1961, o psicólogo stanley milgram conduziu um famoso experimento, no qual pessoas recebiam recomendações de dar choques elétricos cada vez mais fortes em outras pessoas.

foram realizadas várias versões do experimento. em todas, a maior parte das pessoas deu o choque máximo.

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eu já conhecia o experimento, mas não sabia que milgram tinha escrito todo um livro para apresentá-lo, com todos os detalhes metodológicos e com muitas reflexões fundamentais.

li por recomendação da minha amiga diana goldemberg e foi uma das leituras mais importantes da minha vida.

muito que ainda estava solto na minha cabeça sobre obediência finalmente começou a fazer sentido. vai ser uma referência fundamental no livro das prisões.

para atiçar minha curiosidade, a diana mandou esse trecho:

“Many of the people studied in the experiment were in some sense against what they did, and many protested even while they obeyed. But between thoughts, words, and the critical step of disobeying a malevolent authority lies another ingredient, the capacity for transforming beliefs and values into action. Some subjects were totally convinced of the wrongness of what they were doing but could not bring themselves to make an open break with authority. Some derived satisfaction from their thoughts and felt that – within themselves, at least – they had been on the side of the angels. What they failed to realize is that subjective feelings are largely irrelevant to the moral issue at hand so long as they are not transformed into action. …

Predictably, subjects excused their behavior by saying that the responsibility belonged to the man who actually pulled the switch. This may illustrate a dangerously typical situation in complex society: it is psychologically easy to ignore responsibility when one is only an intermediate link in a chain of evil action but is far from the final consequences of the action. (…) The person who assumes full responsibility for the act has evaporated. Perhaps this is the most common characteristic of socially organized evil in modern society. (…) Beyond a certain point, the breaking up of society into people carrying out narrow and very special jobs takes away from the human quality of work and life. A person does not get to see the whole situation but only a small part of it, and is thus unable to act without some kind of over-all direction. He yields to authority but in doing so is alienated from his own actions.”

afinal, de nada adiantam bons sentimentos que não se transformam em boas ações: o que importa é o que a gente faz.

* * *

tentei escolher alguns dos meus sublinhados mas foi impossível: meu livro está TODO sublinhado.

(sobre o experimento de milgram.)

* * *

a mesma ressalva de sempre

fazer listas de livros reforça uma ideia que considero muito problemática:

que “ler é bom”, que todas deveríamos “ler mais”, que ler é uma atividade intrinsecamente melhor do que a maioria das outras, etc.

mas ler um livro não é mérito, não é vantagem alguma, não é algo para se gabar.

mais importante, simplesmente ter lido um livro não significa que a pessoa leitora o entendeu, que tirou dele qualquer coisa de relevante, bela, prazeirosa ou útil.

listar os livros que eu li faz tanto sentido quando listar os vagões de metrô que eu viajei. (aliás, quase sempre, o 1022 e o 1026, que operam na linha um e são os últimos vagões de suas composições.)

e daí, não?

apesar disso, incrivelmente, as pessoas pedem e perguntam.

enfim, a verdade é que trabalho com livros. para mim, pessoalmente, esse tipo de lista é relevante e me ajuda a sistematizar as leituras.

então, apesar do efeito negativo de divulgar listas assim, aqui vão alguns dos livros que eu li em setembro e outubro de 2015.

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convenções da lista: título, autor, data da escritura, idioma original. (organizador, tradutor, data da organização e/ou tradução) data da leitura.