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o desabafo da moça do crachá

em um belo dia de sol, minha vida bonita e organizada, meu emprego seguro e minha esposinha mais segura ainda, decidi ir ao shopping center e me fazer um agrado. “eu mereço!”, falei para mim mesmo.

confiando em um logotipo tradicional que conhecia desde a infância, entrei em uma loja, caminhei até uma das associadas, li e memorizei o conteúdo do crachá que ela trazia no peito, e, feliz comigo mesmo por ser o tipo de gente que chama as pessoas humildes pelo nome, sorri o meu sorriso mais caloroso e disse:

“oi, pri, tudo bem?”

antes, porém, que eu pudesse emendar o meu pedido, pri me interrompeu e começou:

“o senhor se acha o gostosão, né? só por falar comigo como se eu fosse gente, só por reconhecer minha humanidade, só por invocar meu nome como se ele fosse uma simpatia para garantir o seu perfeito atendimento de acordo com os padrões internacionais da nossa veneranda empresa, cujas franquias são sempre idênticas, seja em paris, pequim ou pirinópolis do mato dentro, uma vitória da logística padronizada do capitalismo ocidental!

“mas, me diga, sinhôzinho: de que me adianta esse meu apelido carinhoso em seus lábios de completo estranho? o senhor acha que está me fazendo algum bem? que existe algum mérito nisso? que o meu nome te inocenta?

“o senhor acha que essa fórmula invocatória me ajuda a conseguir quem tome conta da minha filha enquanto estou aqui no turno da madrugada, sacrificando minha saúde e minha vida pessoal, tentando ganhar alguns trocados a mais no fim do mês? o senhor acha que esse seu sorriso, tão bonito e tão perfeito, de quem teve condições financeiras de usar aparelho ortodôntico desde os dez aninhos de idade, vai me ajudar a pagar o aluguel do meu quarto, que já está atrasado e, aliás, vai aumentar, na verdade, dobrar mês que vem, porque, sabe como é, disse a proprietária, esse é meu único imóvel, vivo disso, minha filha, negócios são negócios, tem a copa vindo aí, sabe?, e ela é tão boa e tão simpática, me oferece pedaço de bolo e tudo, mas em fevereiro minha filha e eu não temos mais onde morar e nem ninguém para nos oferecer um mísero pedaço de bolo solado. (quando o bolo fica bom, ela não oferece.)

“enquanto isso, o senhor aí dizendo “pri” com um sorriso caloroso nesse rosto tão bem alimentado e satisfeito. tão feliz.

“e o que uma pessoa tão boa como o senhor está fazendo aí de pé na minha frente? o que poderia trazer um indivíduo tão generoso a uma instituição tão canalha e predatória quanto essa nossa empresa iso um milhão, presente em quinhentos e três países, gerando nove bilhões de empregos diretos e indiretos? será que o senhor não sabe que o nosso respeitável e bem-sucedido conglomerado internacional destrói todos os pequenos negócios a sua volta? que nossos funcionários, perdão, associados, ganham pouco, muito pouco, no limite ali do que a lei permite, só para evitar os incômodos benefícios trabalhistas? que essa empresa pilar do mundo corporativo trata os seus próprios fornecedores como uma verdadeira máfia, usando seu poder econômico para comprar mais e mais barato, às vezes quase a preço de custo, sem se preocupar com quantos pequenos produtores ela leva à falência? (afinal, sempre vai haver um fluxo infindável de empresas-lemingues querendo doar sua produção quase gratuitamente para a glória do nosso gigantesco império multinacional!)

“será que o senhor não sabe que os nossos preços à vista são de fato muito baixos mas só porque a maioria dos nossos clientes, de baixo poder aquisitivo, não compra nunca à vista e que a empresa ganha mesmo seus lucros abusivos e descarados cometendo os planos de parcelamento mais cruéis, enganadores e perversos jamais perpetrados por uma pessoa jurídica? que nos seus relatórios de fim de ano aos gordos e prósperos acionistas, nossos eficientes executivos, todos religiosos e atuantes em suas igrejas, se orgulham de vender uma geladeira pelo preço de três justamente aos consumidores mais pobres e indefesos que nunca conseguiram aprender matemática em nossas péssimas escolas públicas? e tudo isso, pasmem!, estritamente dentro da lei, da lei democraticamente produzida pelos políticos que o senhor democraticamente elegeu, políticos que receberam valiosas doações de campanha do nosso glorioso conglomerado cósmico, uma das empresas que mais doa para manter bem-lubrificadas as engrenagens democráticas desse nossa pátria amada e idolatrada, salve salve!

“mas, mesmo assim, quem diria, aqui está o senhor, uma pessoa tão boa e tão generosa, dizendo “pri” com um sorriso agora amarelo nessa cara cada vez mais vermelha e ainda esperando ser atendido. afinal, para economizar vinte reais no preço do seu microondas, vale a pena ser cúmplice de tudo isso, não? o que conta é a sua economia pessoal. tem que levar vantagem em tudo, certo? tem que pesquisar, tem que comparar. oferta e demanda, as belezas do capitalismo, a mão invisível da economia de mercado, trá-lá-lá. o senhor não é responsável pelos crimes e faltas dessa empresa que suas compras financiam. por favor! o senhor é inocente, claro! o senhor pessoalmente não fez nada de mal pra ninguém, não é? quantos fornecedores o senhor pessoalmente levou à falência? nenhum! quantos funcionários o senhor pessoalmente demitiu por ficarem tempo demais no banheiro? nenhum, claro! o senhor só quer o melhor negócio, o melhor preço, não é isso? quem poderia culpar o senhor? não é o que todo mundo faz? não é essa a norma, a regra? não foi o que nos ensinaram? por favor! não sejamos radicais, não é?

“o senhor pode até dizer (se não achar que essa defesa está muito gasta pelo excesso de uso) que estava só cumprindo ordens: as ordens das nossas onipresentes e multimilionárias campanhas de publicidade, em muros, ônibus, cartazes, tevê e filmes; com fotos completamente impossíveis dos nossos hambúrgueres (que nunca são tão bonitos assim!); com campanhas que associam nosso xarope gaseificado a pessoas lindas e magras que jamais seriam magras assim se realmente consumissem nossa bebida hiper-açucarada; com anúncios estrelados por celebridades ricas demais para jamais consumir um produto popular e mal-feito como o nosso; com slogans neurolinguisticamente elaborados para ecoar sem piedade e sem salvação dentro do seu crânio, te mandando comprar comprar comprar, curtir curtir curtir, economizar economizar economizar. coitado do senhor! nunca teve chance, né? ó dó. não é culpa sua, buana.

“pena que é sim. tudo culpa sua. eu, aqui, agora, pelos poderes concedidos a mim por essa hipertrofiada corporação multi-continental, convoco toda a culpa do universo e a deposito solenemente nos seus ombros. a culpa é toda sua, do senhor mesmo, aí dizendo “pri” com esse sorriso cada vez mais murcho.

“tenho nojo do meu nome nos seus lábios, paxá. tenho nojo de ser alvo de uma manipulação tão barata, tão óbvia, tão hipócrita. o senhor sabe por que estou usando um crachá com o meu nome? porque pesquisas de mercado lá da metrópole demonstraram que saber o nome da criadagem, ops, dos associados, faz com que os amos, ops, os consumidores se sintam entrando na casa de uma pessoa que conhecem. afinal, ninguém nunca vai na casa de alguém sem saber seu nome! o objetivo do crachá é fazer com que os clientes se sintam acolhidos e bem recebidos, e assim comprem mais, voltem numerosas vezes, tenham uma experiência melhor na loja, e gerem lucros, lucros, lucros. (se meu gerente achasse que ganharia um centavo a mais em seu bônus anual arrancando meu coração do peito ainda batendo, já teria feito isso na primeira oportunidade, seguro de contar com o entusiástico apoio da direção e dos acionistas.)

“o objetivo do meu nome no meu crachá nunca é e nem nunca foi reconhecer minha própria humanidade e subjetividade. rá rá, perdão, sahib, me engasguei de rir. se o engenho de fato reconhecesse minha individualidade de pessoa humana, então meu capataz, ops, meu gerente me trataria como se eu fosse gente e se dignaria a conversar comigo quando precisasse falar com ele; eu receberia duas horas a mais de trabalho por semana só para me qualificar pra uma série de benefícios trabalhistas que me fazem muita falta; minhas horas-extras seriam pagas em dia ou mesmo, rá rá, perdão de novo, simplesmente pagas; eu não seria tratada como uma engrenagem intercambiável que pode ser a qualquer momento substituída por outra engrenagem que faria rigorosamente a mesma coisa e ninguém perceberia a diferença.

“mas o meu nomezinho no meu crachazinho não é só para melhorar a experiência dos donos, ops, dos consumidores. aliás, adoro essa palavra: experiência. sempre penso que, nessa experiência, o único lugar que me cabe é o de beagle torturada e dissecada, sem ninguém para invadir o laboratório e me libertar. (não devo ser fofa o suficiente para valer o esforço!) mas estou divergindo, sinhôzinho, perdão.

“as mesmas pesquisas de mercado também indicam que os sultões sentem falta de saber o nome dos serviçais para poder melhor reclamar deles. afinal, ainda mais em democracias raciais como a nossa, os escravos, ops, os associados, se parecem todos uns com os outros, ou seja, tendem a ser de uma raça, de uma cor, de uma classe social diferente dos senhores de engenho, ops, dos clientes, então, convenhamos, fica até difícil diferenciá-los, né? do ponto de vista dos amos, quem não tem boa aparência é tudo igual.

“então, quando o senhor for reclamar de mim ao capitão-do-mato, não vai precisar expor seu racismo dizendo que a cativa que ficou emperrando a fila pra lhe dizer umas verdades era aquela “moreninha” do “cabelo ruim”, e sim que foi a “pri”. aliás, cabelo ruim é o caralho. ruim é a sua cegueira. ruim é a sua falta de consciência. ruim é você que está lendo esse texto de merda e balançando a cabeça em concordância, mas não vai fazer nada a respeito. ruim é você que está escrevendo essa porra inútil como se fosse mudar alguma coisa. fodam-se todos vocês.

“mas fica pior, kemosabe. sempre tem como piorar. sabe por que o meu crachá diz somente “pri” e não meu nome completo “priscila dos santos silva”? não, não é porque já somos amigos íntimos eu e o senhor — repara que nem ouso chamá-lo de “você”. não, não é porque eu, mesmo sem querer saber o seu nome de patrício bem-nascido, ainda assim estou lhe dando explicitamente o direito de me chamar por um apelido tão carinhoso. não, mestre.

“é porque as mesmas pesquisas de mercado indicaram que nomes completos teriam que ser escritos em fonte muito pequena, seriam difíceis de ler pelos marajás mais idosos ou mais míopes (ou faria com que tivessem que chegar perto demais da criadaria para poder ler seus nomes, talvez até perto o suficiente para sentir nossa inhaca de trabalhadores, deus nos livre!), e, mais ainda, seriam difíceis de decorar e lembrar. então, a ordem que nos deram foi dar um jeito de resumir nossos nomes em até quatro letras. quatro. e eu consegui em três! nosso lema é eficiência, buana.

“tem mais. quando os capatazes julgam que um dos escravos tem um nome difícil de pronunciar, ou pior ainda, nome de pobre, lhes rebatizam sem hesitação. um colega de senzala nigeriano chamado ilunga usa um crachá que diz “alan”. meu amigo uóston virou “fred”. eu ainda tive sorte de ser a “pri”. sou uma privilegiada. (mas o senhor nem saberia como é isso de ser privilegiado, né, patrão? depois o senhor me conta dos impostos escorchantes que pagou no seu novo ipad.)

“e ai de mim se tivesse me recusado a conceder a intimidade de me chamar de “pri” aos clientes sem consciência da nossa magnânima e sobranceira empresa, que é uma das maiores empregadoras da nação, parte integrante do projeto nacional-desenvolvimentista do nosso internacionalmente celebrado governo de esquerda. imagina! eu teria gerado um novo posto de trabalho ali mesmo.

“afinal, convenhamos, que diferença faz que eu seja a priscila dos santos silva, aquariana, flamenguista e viciada em novela, filha de felipe gois da silva e de maria josé de sá dos santos, que são gente, viveram, se conheceram, se amaram, me tiveram? priscila dos santos silva, filha de felipe gois da silva e de maria josé de sá dos santos, só tem uma. mas “pri”, ora, meu patrãozinho, tem uma “pri” em cada esquina. quando eu for terminada, expulsa, demitida, esmagada, deglutida, cuspida fora, não vão nem precisar de um novo crachá. haverá sempre um fluxo infindável de novas e novas pris para alimentar o moedor de carne dessa meritória e fecunda instituição, pilar divino da indústria nacional, abençoada seja, ela está no meio de nós.

“ah, sahib, então o senhor se preocupa mesmo com a sua serva aqui? esse seu sorriso frouxo ao invocar meu nome não era apenas um ritual vazio antes de me passar suas ordens? era carinho verdadeiro? era porque o senhor realmente se importa? eu acredito, claro. como duvidar de um homem de bem como o senhor? (eu não ousaria!) então, deixa eu lhe contar o segredo da senzala.

“não me adianta nada esse seu carinho.

“não adianta falar meu nome com um sorriso e me tratar como pessoa humana, ao mesmo tempo em que prestigia com as suas compras o mesmo engenho que diariamente me desumaniza. não adianta se vestir de branco e fazer passeata de mãos dadas contra a violência e contra a corrupção, bichos-papões convenientemente vagos e abstratos (alguém é pró-corrupção ou pró-violência, buana?), ao mesmo tempo em que elege e reelege os mesmos políticos com as mesmas plataformas pró-mercado & pró-indústria, anti-trabalhador & anti-assistência.

“não adianta nada entrar no ônibus (mas o senhor nem deve andar de ônibus, né?) e saudar a cobradora pelo nome, e então reclamar quando a greve da categoria lhe causa o mínimo desconforto. nem tudo gira em torno do seu cu privilegiado, vossa coxinhência. qualquer greve tem como objetivo não atrapalhar a sua bem-organizada vidinha mas conseguir melhores salários e condições para trabalhadores que sobrevivem mensalmente com uma fração da sua renda. os ônibus estão de greve? então, apoie o movimento e vá a pé. ou pegue um táxi: com certeza, o senhor pode pagar.

“eu não quero nem o seu bom-dia, nem o seu sorriso. não quero seu falso carinho, sua falsa intimidade, sua falsa preocupação. eu não quero ouvir sua voz pronunciando meu santo nome em vão. eu quero justiça social, direitos iguais, assistência do estado. eu quero que as autoridades públicas, que a polícia, que os meus empregadores, que os clientes que eu atendo, que os homens que me assediam na rua, reconheçam em mim a mesma humanidade, a mesma individualidade, a mesma subjetividade que veem em si mesmos. é pedir muito?

“eu quero que minha filha tenha acesso à saúde pública de qualidade para estar viva e saudável no momento em que a escola pública de qualidade lhe ensinar que não vale a pena comprar por 24 parcelas de cem reais uma tevê que custa 999 à vista. e isso só pra começar.

“agora, meu senhor, em que posso servi-lo? quer levar fritas grandes e uma garantia adicional de um ano por apenas mais dez reais?”

(publicada originalmente na revista fórum)

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encontros

alex castro em 2014

pela primeira vez na vida, meu ano já está todo planejado: 29 palestras & oficinas com inscrições abertas.

entre novembro e março, pretendo sentar a bunda, tomar vergonha nessa cara e terminar “o livro das prisões”.  em abril, passo o mês em cuba com a Outra Significativa. em maio, devo lançar o meu novo livro, no rio e em sp. depois, começam sete meses de viagens pelo brasil, divulgando o livro e falando sobre “as prisões”.

além disso, tenho oficinas “prisão dinheiro” e “prisão monogamia” marcadas em sprj e curitiba.

(veja o calendário completo das palestras & oficinas de 2014)

em todas as cidades, estou procurando hospedagem para mim e para a Outra Significativa e também uma sala, jardim, quintal, garagem, etc, para realizar os encontros. se você se oferecer, claro que não paga pelas palestras e ainda traz uns amigos de graça também. mande um email e te agradeço muito.

rio e são paulo aparecem pouco na programação acima pois são cidades onde é mais fácil realizar eventos com pouca antecedência. devo realizar palestras adicionais no rio e são paulo sempre que for possível.

veja também: roteiro completo da palestra “as prisões” // depoimentos de quem participou // regras de inscrição // política de gratuidades // assine minhas atualizações // saiba quando serão as próximas palestras & oficinas

por fim, confira as datas e se inscreva.

e muito, muito obrigado.

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textos

o papel dos homens no feminismo

para um homem, articular o discurso feminista é razoavelmente fácil: difícil é agir de acordo.

talvez uma das maiores contribuições dos homens para o feminismo seja simplesmente se posicionar no mundo de forma feminista.

o valente não é violento.

quais são as coisas que nós homens FAZEMOS que silenciosamente confirmam, aos olhos das crianças e do mundo, a desigualdade de gênero, o machismo, a transfobia, o sexismo?

nenhuma pessoa — e com certeza nenhum homem, mesmo o mais pró-feminista leitor de simone de bouvoir — está acima de fazer comentários machistas ou de ter atitudes transfóbicas. é preciso analisar todo dia nossas ações & nossas palavras. é preciso muita autocrítica. é preciso sempre saber ouvir.

falar o feminismo é a parte fácil. agir o feminismo, todos os dias, é que são elas.

* * *

esse texto é parte da blogagem coletiva “o valente não é violento”, promovida pela ONU mulheres, para lutar pelo fim da violência contra a mulher. leia o texto completo aqui: o poder do exemplo: sobre homens no feminismo.

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textos

quatro textos sobre privilégio

(envie para a sua pessoa privilegiada favorita)

carta aberta às pessoas privilegiadas

ação de graças pelos privilégios recebidos

o assunto não é você

o peso da história: a escravidão e as cotas

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rio de janeiro

pino arriado

agora à noite. saindo do lançamento da paula abreu, na argumento do leblon. o céu subitamente despenca sobre o rio de janeiro.

entre a água que cai, mal e mal vislumbro um milagroso táxi lívre e faço sinal desesperado. o carro encosta quase em frente à livraria e corremos até ele, ficando completamente ensopados por menos de dez segundos de exposição às baldadas d’água.

lentamente, quase sem visibilidade nenhuma, passando com cuidado por cada cruzamento, vamos vadeando em direção à copacabana.

toca o telefone, ele atende:

“oi, meu amor. é, tá caindo um toró aqui também. eu sei, eu sei. eu tinha acabado de encostar pra ver a novela e esperar a chuva passar, mas um casal invadiu aqui o táxi. vou deixar eles em copacabana e depois eu páro. eu juro. de pino arriado.”

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arte

auto-promoção

algumas pessoas reclamam minha “auto-promoção”.

entendo que às vezes pode ser frustrante e incômodo, mas, infelizmente, é o preço da independência.

não tenho emprego. não tenho renda. não tenho contracheque. não pertenço a nenhum grupo, clube, organização. não tenho acesso às grandes editoras, aos grandes veículos de mídia. (nada disso é reclamação: sou assim porque ESCOLHI ser assim.)

ganho a vida vendendo meus próprios livros, dando minhas próprias palestras, vendendo meus próprios textos. os livros não podem ser encontrados em livrarias, as palestras não tem a chancela de nenhum “instituto”. tudo independente, tudo na minha mão. tudo pela internet, tudo pelo meu site, tudo pelo meu facebook.

sou sempre só eu. aqui. sozinho. acompanhando somente pelos leitores que me seguem.

odeio ficar me auto-promovendo. é pesado, embaraçoso, chato.

mas já fiz vários testes: se passo um mês inteiro sem falar do meu romance “mulher de um homem só”, vendo pouquíssimos exemplares. se faço alguns posts sobre o livro, vendo dezenas. e etc e etc.

se você, pessoa leitora querida, tem um emprego certo e uma renda segura, não faça pouco de um pobre artista independente, que começa o mês sem saber de onde virá seu próximo dinheiro, cuja renda depende quase unicamente da quantidade de auto-promoção que ele faz dos seus próprios livros e eventos.

a escritora afro-americana alice walker dizia: quem exige seu silêncio não é seu amigo.

eu concordo e completo: quem critica o seu único jeito de ganhar a vida também não.

* * *

sobre a vaidade e auto-promoção dos artistas.

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fotos

arrependimento

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ênfase

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zen

viver sem esperança

um belo texto de charlotte joko beck, do livro sempre zen. um trecho:

Uma vida vivida sem esperança é pacífica, alegre e compadecida. Enquanto nos identificarmos com esta mente e este corpo — e todos fazem isso —esperaremos que aconteçam coisas que, em nossa opinião, tomarão conta de nosso corpo e de nossa mente. Esperamos ter sucesso. Esperamos ter saúde. Esperamos alcançar a iluminação. Há todo tipo de coisa que esperamos nos aconteça; e, evidentemente, toda forma de esperança consiste em dimensionar o passado e projetá-lo no futuro. A pessoa que já praticou o sentar, seja qual for o período que durou sua prática, sabe que não existe passado ou futuro, exceto em nossa mente. Não há nada além do si-mesmo e o si-mesmo está sempre aí, presente.

leiam o texto inteiro: sem esperança.

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copacabana

gentileza em copacabana

morei por vários anos no exterior (esse imenso e estranho lugar que inclui são paulo, os estados unidos e marte), mas finalmente consegui voltar ao rio de janeiro. hoje, vivo em copacabana.

quando o escritor luiz biajoni, paulista de americana, teve receio de escrever o romance elvis e madona, ambientado no bairro, sem conhecer nada dele, eu o tranquilizei. copacabana é como paris ou nova iorque: ela é plástica, mutável, literária. a copacabana de verdade não existe. a copacabana inventada é que é a real.

de copacabana, eu esperava, e ainda espero, tudo. o melhor e o pior que podem oferecer cento e cinquenta mil seres humanos apertados entre o mar e as montanhas.

o que não esperava é que fosse um bairro tão gentil.

* * *

antes de me mudar, fui a uma agência de banco perto da minha futura casa tentar resolver um daqueles típicos e infernais problemas bancários de quem volta a morar no brasil.

quando cheguei, a gerente estava atendendo, com infinita paciência e muito tato, uma velhinha surda e grosseira que não entendia o funcionamento do cheque especial e nem tinha noção de como estava gritando. depois, na minha vez, com uma boa vontade que me comoveu, ficou quase duas horas comigo, que nem era correntista daquela agência, resolvendo um problema exótico e raro.

só por causa dela, transferi minha conta para lá, pensando:

essa moça é a melhor gerente de banco do mundo!

* * *

meu prédio tem dez andares e cerca de quarenta apartamentos por andar. é uma pequena cidade, habitada por recém-casados, garotas de programa, velhinhos ranzinzas, estrangeiros deslumbrados… e eu.

o porteiro-chefe e sua equipe fizeram toda a reforma de quatro meses do meu apartamento, que basicamente teve que ser refeito do chão ao teto. enquanto lidava com os mil e um problemas que surgem em qualquer obra, ele era constantemente abordado, abusado, às vezes quase agredido por moradores grossos e impacientes, velhinhos com tempo livre demais nas mãos e controle de menos nos nervos.

ele respondia a todos com enorme paciência e infalível sorriso, sempre bonachão, calmo, tranquilo. e eu pensava:

esse homem é o melhor porteiro do mundo!

* * *

tem uma biblioteca municipal a um quarteirão do meu prédio. é onde estou agora escrevendo. venho muito trabalhar aqui.

a biblioteca tem duas coisas que não disponho em casa e que às vezes fazem falta: mesas e cadeiras, e ausência de internet. meus livros estão expostos na estante de lançamentos e é gostoso ver que nunca param quietos, a fileira de carimbos nos cartões só aumentando.

tecnicamente, é uma biblioteca infantil, mas estamos em copacabana: 90% do público é de velhinhos. e eles não querem nem ler jornal, nem olhar as estantes: exigem serviço! quais são as novidades? onde estão os lançamentos? rápido! rápido! e por que pararam de abrir sábado, hein?

e, incrivelmente, a bibliotecária, uma funcionária pública com estabilidade no emprego, não manda todos tomarem no cu. pelo contrário, demonstra imenso carinho, sabe seus nomes, conhece seus gostos, lembra seus hábitos: chegou o novo mário prata, a senhora não queria o último do joão ubaldo?, saiu um livro sobre a revolução francesa. às vezes, empurra até os meus: esse romance é daquele moço que está ali.

e eu, tentando escrever textos como esse que você está lendo e prestando atenção em tudo, pensava:

essa moça é a melhor bibliotecária do mundo!

* * *

até que finalmente caiu a ficha, né?

sem querer desmerecer os três profissionais citados acima, todos também moradores de copacabana, eles não são os únicos. poderia falar o mesmo de garçons e atendentes, caixas de supermercado e barbeiros. imagino que os profissionais que não tenham uma paciência especial para lidar com velhos rudes e sem noção acabam naturalmente saindo do bairro e aceitando outros empregos.

sobra então a força de trabalho mais gentil do mundo.

quando decidi que iria morar em copacabana, nunca imaginei que a melhor coisa do bairro fosse ser justamente… a gentileza.

* * *

uma amiga leu a primeira versão desse artigo e comentou:

“alex, você é muito engraçado mesmo. percebe que escreveu esse texto todo pra dizer que copacabana é o lugar mais gentil do mundo, mas o texto serviria igualmente dizer que é o lugar mais grosseiro? afinal, em cada história que você contou, além do profissional agindo de forma paciente e gentil, existem outras pessoas sendo rudes e exigentes. por que não escrever um texto dizendo que em nenhum outro lugar você viu tantos velhos mal-educados destratando as pessoas atenciosas que os serviam?”

e lembrei de uma pintora que foi estuprada três vezes ao longo de sua vida. quando perguntaram como ela se recuperou e o que fez para voltar a ter relações saudáveis com homens, ela respondeu:

“em um dado momento, temos que escolher quem permitimos que nos influencie. eu poderia me permitir ser influenciada pelos três homens que me foderam contra a vontade, ou podia escolher ser influenciada por van gogh. escolhi van gogh.”

pois bem. escolho a gentileza.

* * *

praia de copacabana, vista do leme.

tirada em 29 de novembro de 2013, do caminho dos pescadores, no leme. ao fundo, o morro dois irmãos, a pedra da gávea, o corcovado. clique para ver em tamanho maior. outros textos meus sobre copacabana.

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textos

ação de graças

em homenagem ao dia de graças, agradeço por todas as bençãos que recebi.

(um texto difícil, que estou gestando faz alguns anos. adoraria saber a opinião de vocês.)

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raça

racismo, os melhores textos

o melhor:

senzalas & campos de concentração

* * *

cotas

o peso da história: a escravidão e as cotas
carta aberta a uma estudante que perdeu a vaga por causa das cotas

* * *

racismo & imigração

racismo e imigração: de que cor devem ser nossos imigrantes?

* * *

politicamente correto & privilégio

carta aberta às pessoas privilegiadas
o assunto não é você
carta aberta aos humoristas do brasil

* * *

normatividade branca

racismo e normalidade

* * *

racismo & feminismo

racismo, miscigenação e casamentos interraciais no brasil

* * *

ficção

duas profissões esquecidas do rio antigo (conto)

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monges budistas que bebiam merda

do sempre delicioso e indispensável fernão mendes pinto, português que passou trinta anos perdido pela ásia no século 16 e escreveu uma das obras mais importantes da nossa língua, a peregrinação.

o trecho abaixo, retirado do capítulo 160, teoricamente descreve os muitos personagens de um festival religioso budista que pinto teria testemunhado em burma, em 1545.

(vale a pena lembrar que ele mentia tanto que seu apelido era “fernão, mentes? minto”.)

“Vinhão tambem outros que se chamauaõ Nucaramoẽs, muyto feyos & mal assombrados, vestidos de pelles de tigres com hũas panellas de cobre debaixo dos braços, cheyas de hũa certa confeiçaõ de ourina podre, misturada com esterco de homẽs, taõ peçonhenta & de fedor taõ incomportauel, que por nenhum modo se podia sofrer nos narizes, & pedindo esmolla ao pouo dezião, dame esmola logo nessa hora, & se não comerey disto que come o diabo & borrifarteey com que fiques maldito como elle; a que logo todos acudião a lhe darem esmolla muyto depressa, & se tardaua mais hum momento do que elle queria punha a panella à boca, & bebendo hum grande trago daquella fedorenta confeyção, borrifaua com ela aos que queria fazer mal, porque toda a outra gente que os via borrifados, auendoos já por malditos, saltaua nelles, lhes daua tão mao trato, que os tristes naõ sabiaõ parte de sy, porque nenhũa pessoa cataua cortesia que o naõ deshonrasse, & lhe desse muytas bofetadas & arrepeloẽs, dizendo que erão escomungados por serem causa de aquelle homem santo comer aquella çugidade como os diabos, & ficar sempre fedorento diante de Deos, para não poder yr ao parayso, nem ninguem o ver mais neste mundo.”

junto com a bíblia e o declínio e queda do império romano, de gibbon, a peregrinação fecha meu trio de livros favoritos. (clique aqui para baixar a peregrinação completa, em português antigo.)

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fincar o pé na correnteza

de vez em quando, me acusam de ficar “reafirmando” meu estilo de vida, como se estivesse me gabando, como se fosse inseguro, como se quisesse convencer os outros.

mas todas as forças do mundo nos impelem a nos conformar. a nos transformar no padrão que exigem de nós. a nos moldar em pais de família, trabalhadores, consumidores, monogâmicos, heterossexuais, eleitores do psdb.

ser quem queremos ser é uma luta diária. um exercício constante de bater o pé, se recusar a ser coagido, articular quem se deseja ser — e, então, e essa é a parte mais difícil, efetivamente ser essa pessoa.

quem está sendo o que a sociedade espera que seja não precisa se auto-afirmar.

quem está na contramão precisa.

é necessário articularmos sempre o nosso caminho — justamente para não sair dele.

* * *

ser bem-ajustado e bem-sucedido em um mundo escroto pode bem ser indicativo da sua própria escrotidão.

aliás, quem é você?

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ônibus errado

ontem, um homem foi atropelado na saída da ponte rio-niterói.

ele tinha pego um ônibus errado, saltou no primeiro ponto de niterói e tentou atravessar a pista para pegar um outro ônibus no sentido rio. foi atingido por dois carros e um terceiro bateu na mureta para não atropelá-lo.

e eu, que também já peguei a ponte por engano, quando estava tentando chegar no fundão para a defesa de mestrado da minha melhor amiga, isabel, fiquei pensando nesse pobre moço atropelado por dois carros.

ninguém pega ônibus errado no trajeto casa-trabalho-escola. ônibus errado é para os dias especiais, para os dias fora da rotina, quando estamos indo a lugares diferentes, quando estamos fazendo coisas que nunca fizemos antes. boas ou ruins, estressantes ou relaxantes. uma entrevista de emprego, um exame médico, um encontro amoroso. algo que ocupa nossos pensamentos, nos desconcentra o foco, nos antecipa o futuro. será que é maligno? será que ela gosta de violetas? será que vão me contratar?

e assim, distraídos e felizes, ansiosos e talvez um pouco atrasados, atravessamos uma rodovia movimentada.

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zen

simplicidade voluntária

no programa capital natural, da bandnews, falando sobre simplicidade voluntária.

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rio de janeiro

mais uma história de horror, crime e violência no rio de janeiro

uma mesa de estudantes de direito. acabaram de sair de uma prova na estácio de sá da raul pompéia e vieram desanuviar na casa de sucos da minha esquina.

papo vai, papo vem, começam a falar da onda de violência no rio de janeiro. diz uma senhora muito bem arrumada:

“não dá mais pra andar na rua, não! outro dia de manhã, vocês nem sabem, eu fico arrepiada só de pensar, eu estava andando ali pelo leblon, em frente ao shopping leblon, sabe?, maior solzão, quando vi um grupo de uns quinze pivetes vindo na minha direção, tudo pequenininho, e eu já fiquei tensa, eu estava com um iphone num bolso e o ipad no outro, e fiquei pensando, quando me assaltarem, qual eu dou?, ipad ou iphone?, iphone ou ipad?, mas aí lembrei que um amigo meu, coronel da pm, me recomendou sempre encarar esses moleques, sabe?, mostrar que eu vi, que estou ligada, que estou atenta, porque eles são todos medrosos, só atacam em bando, então, eu fiz isso, fechei a cara e fiquei encarando, encarando, e eles lá, nada, passaram por mim e não tiveram coragem de me roubar, graças a deus, mas foi por muito pouco, deus me livre, essa cidade está impossível!”

e eu tive vontade de ir lá, cutucar seu ombro e perguntar:

“hmm. quer dizer que sua terrível história para ilustrar a onda de violência do rio de janeiro… é que você cruzou com um grupo de crianças em uma manhã de sol e olhou feio pra elas?”

* * *

um link: como morrem as jovens negras norte-americanas

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não, eu não quero te convencer

acontece muito: escrevo sobre monogamia e algumas pessoas acham que estou tentando convencê-las a abraçar o poliamor; escrevo sobre ateísmo e acham que estou tentando convencê-las a abdicar de seus deuses; etc etc.

esse comentário é puro ego, um sintoma do narcissismo galopante do nosso tempo.

nem tudo que alguém escreve, ainda mais se a pessoa nem te conhece, é sobre você, gira a sua volta, quer te convencer de alguma coisa. repita comigo:

“o assunto não sou eu, o assunto não sou eu”

escrevo sobre estilos de vida alternativos não para convencer quem optou pela escolha da maioria (faz sentido tentar convencer alguém que deus não existe ou que a monogamia é castradora?) mas para mostrar às pessoas que pensam como eu que a escolha da maioria é somente isso: uma escolha.

que elas não precisam escolher o que todo mundo escolheu. que existem outras possibilidades, outros caminhos, outras opções.

que elas não estão sozinhas. que não são as únicas que pensam como pensam. que não são loucas por rejeitar o caminho mais trilhado. que são livres. livres.

se você está feliz com seus deuses e com sua monogamia e com as suas escolhas, então, eu fico sinceramente feliz por você. e te pergunto: por que veio se enfiar logo aqui, em plena conversa de uma pessoa insatisfeita com outras pessoas insatisfeitas? o assunto não é você. não é de você que estamos falando. não queremos te convencer de nada.

fica em paz. e, se as suas escolhas algum dia começarem a te oprimir, você sabe onde estamos. sinta-se sempre livre para juntar-se a nós.

* * *

leia também: o assunto não é você

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1711: eneida carioca

canto as lutas e o varão que,
forçado a fugir da pátria,
partiu das águas da guanabara
e subiu a serra rumo ao sertão.
muito o maltrataram
as forças humanas e divinas,
as chuvas e as ciladas,
os trovões e os tiros,
o ódio dos franceses huguenotes e
a covardia de um governador pusilânime.

vamos, ó ilustre hóspede, pedimos nós,
conta-nos, desde o princípio,
tuas desgraças e peregrinações,
da armadilha urdida pelos franceses e
da queda da mui-leal são sebastião,
e de como encerrou-se na américa
o domínio lusitano e católico.

calados, todos voltaram-se,
atentos, para o varão,
que do seu alto leito,
emocionado assim narrou:

manda-me, ó senhora, renovar um sofrimento nefando. ao relatar a queda do rio de janeiro e do seu reino pelos portugueses, dolorosos fatos que eu próprio vi e dos quais muito participei, qual marinheiro normando ou até mesmo o próprio tão cruel duguay-trouin não haveria de lançar dos olhos mares d’água? a noite úmida já desce do céu e os astros cadentes convidam ao sono. mas, se tanto deseja conhecer os nossos infortúnios e ouvir um breve relato da suprema desgraça lusa, ainda que me cause horror relembrar tais dores e que até hoje eu tenha fugido a esse sofrimento, começarei.

quebrantados por sua fracassada invasão do ano anterior e batidos pelo insucesso, decidem os franceses armar nova expedição contra a mui-leal e católica cidade de são sebastião do rio de janeiro.

* * *

trechinho de uma noveleta que estou escrevendo.

a narrativa faz um pastiche do segundo canto da eneida, de virgílio (um dos pontos altos da literatura ocidental, que conta a história da queda de tróia e da fuga de enéias), e se passa na noite de 21 de setembro de 1711, quando o rio de janeiro foi abandonado diante da invasão francesa.

como não leio latim, utilizei como base as traduções de domingos paschoal cegalla, tassilo orpheu spalding, manuel odorico mendes & joão franco barreto.

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