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raça

A fragilidade do corpo negro

Resenha de Entre o mundo e eu de Ta-Nehisi Coates para a Folha de S. Paulo, publicada no dia 2 de janeiro de 2016. Abaixo, a versão integral.

entre o mundo e eu ta-nehisi coates

* * *

Entre o mundo e eu, uma carta do jornalista norte-americano Ta-Nehisi Coates (pronúncia aproximada: tanarrássi) para seu filho de quinze anos, é um livro sobre o corpo. Mais especificamente, sobre o corpo negro.

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leituras

ler mais para saber menos, ler menos para saber mais

Sempre que atualizo minha lista de leituras, várias pessoas me escrevem com uma variação de:

“Aaaah, que inveeeeja, eu queria taaaanto ler mais…”

Mas… por quê?!

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encontros

última imersão “as prisões”


(vídeo by carolina barros, a fazedora de vídeos.)

um encontro de três dias para encarar nosso narcisismo e exercitar a empatia.

uma prática de escutatória, de generosidade, de atenção.

uma instalação artística.
uma performance polifônica.
um espaço interativo.

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leituras

leituras comentadas, novembro 2015

mudei um pouco as coisas nesses posts mensais de leituras comentadas.

a verdade é que preciso mesmo organizar minhas leituras, senão me perco.

(por exemplo, li erich fromm com tanta familiaridade que não sei se é por já ter lido ou apenas porque concordamos em quase tudo!)

então, a partir de agora, além de listar os livros lidos, vou resumir suas ideias principais e compartilhar meus comentários e anotações — que, às vezes, são muito, muito extensos.

ou seja, querida pessoa leitora, esses posts de “leituras comentadas” não serão mesmo para todo mundo. se os livros te interessam, maravilha. se não, pule tudo sem dor na consciência.

para facilitar, já no topo, a lista dos livros lidos em novembro. para os comentários e citações, é só ir descendo.

só queria dizer que demorei quatro dias inteiros escrevendo esse post gigantesco que quase ninguém vai ler. tomara que valha a pena. ao menos, foi delicioso reencontrar todas minhas recentes leituras.

* * *

livros lidos em novembro, 2015

  1. free will, de mark balaguer, 2014, inglês. 8nov15.
  2. breakdown of will, de george ainslie, 2001, inglês. nov15.
  3. “autobiografia”, de sigmund freud, 1925, alemão. (trad: paulo césar de souza) 21nov15.
  4. além do princípio do prazer, de sigmund freud, 1920, alemão. (trad: paulo césar de souza) 21nov15.
  5. o eu e o id, de sigmund freud, 1923, alemão. (trad: paulo césar de souza) 21nov15. releitura.
  6. escape from freedom, de erich fromm, 1941, inglês. 18-21nov15.
  7. the whisperer in darkness, de h. p. lovecraft, 1930, inglês. nov15. releitura.
  8. at the mountains of madness, de h. p. lovecraft, 1931, inglês. nov15. releitura.
  9. livro de ruth, anônimo, c.VI-IV aec, hebráico. nov15. releitura.
  10. primeiro livro de samuel, anônimo, c.630–540 aec, hebráico. nov15. releitura.
  11. rosencrantz & guildenstern are dead, de tom stoppard, 1967, inglês. 23nov15.
  12. the man in the high castle, de philip k. dick, 1962, inglês. 25nov15.
  13. strangers to ourselves: discovering the adaptive unconscious, de timothy d. wilson, 2004, inglês. 20nov15.
  14. why freud was wrong: sin, science and psychoanalysis, de richard webster, 1995, inglês. 27nov15.
  15. freud (the great philosophers), de richard webster, 2003, inglês. 30nov15.
  16. santo agostinho em 90 minutos, de paul strathern, 1997, inglês. (trad: maria helena geordane, 1999.) 30nov15.
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outrofobia

“e pelos coxinhas, ninguém tem empatia?”

um leitor pergunta, em tom de desafio:

“e pelos coxinhas, ninguém tem empatia?”

mas toda nossa sociedade já foi construída e é mantida como um imenso mecanismo para “ter empatia”, ou seja, para passar a mão na cabeça das pessoas privilegiadas.

o policial que “tem empatia” e quer ajudar a pobre loira branca que sofreu uma violência… ignora a cidadã negra favelada que tentou dar queixa da mesma violência.

o médico que “tem empatia” pela dor das pessoas brancas… dá menos anestesia para as pessoas negras.

nos escritórios, há muita “empatia” pelos pobres homens calorentos vestindo terno e nenhuma pelas mulheres friorentas de perna de fora. etc etc.

os exemplos poderiam continuar ao infinito.

então, não.

não são as pessoas privilegiadas que devem levantar os braços e pedir:

“poxa, e pra mim, não tem empatia?”

pelo contrário, são os homens que têm que ter empatia pelos problemas das mulheres, são as pessoas brancas que têm que ter empatia pelos problemas das pessoas negras, são as pessoas que moram em apartamentos de três quartos no eixo morumbi-leblon que têm que ter empatia pelas pessoas que precisam de bolsa-família para sobreviver.

meu trabalho é ensinar as pessoas privilegiadas a terem mais empatia pelas menos privilegiadas, e não a dominarem um novo vocabulário para exigir ainda mais privilégios:

“poxa, pelos empresários ninguém têm empatia, né?”

* * *

esse é o tema principal do meu livro outrofobia: textos militantes. se o assunto te interessa, experimente ler.

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entropia

o vazio que nos consome

semana passada, dividi um táxi com um famoso coach e ele deu uma dica de carreira para uma moça que estava conosco:

“tem alguma coisa que as pessoas sempre mandam email te perguntando, pedindo sua ajuda? pois, se tem, então você pode ganhar a vida com isso.”

eu fiquei caladinho, pensando nos emails que recebo.

* * *

da prisão religião:

buscar pela melhor maneira de preencher nosso vazio (com mais consumo, mais ego, mais sucesso, mais ascetismo, mais religião, mais sexo, mais livros publicados, mais curtidas no meu post, etc) apenas faz com que pulemos de alternativa em alternativa, em uma infinita insatisfação.

se o buraco não tem fundo, tentar preenchê-lo não resolve.

buraco no peito prisao religiao

* * *

uma troca de emails que travei essa semana.

pessoa leitora:

“como viver com a certeza de que não há depois? como viver sabendo que sua vida e todos os seus feitos não fazem o menor sentido? como viver uma vida sem sentido? como não se importar com o amor (ou o não amor), já que ele próprio não faz sentido nenhum? … como você consegue deixar o buraco em seu peito vazio? por muito tempo eu preenchi o meu com a presença de um deus, mas não consigo mais. tentei colocar pessoas, mas nunca deu certo. me sinto tão perdido às vezes que penso que talvez a morte seja a escolha mais racional e libertadora. tem horas que não consigo continuar, que os sonhos que tenho não fazem sentido, que os livros que ainda quero escrever não fazem sentido. tem horas que é muito difícil.”

eu:

perguntar como consigo “deixar o buraco vazio” é como perguntar como consigo deixar meu nariz assim no meio da minha cara. e eu responderia: eu não deixo nem desdeixo. o nariz É no meio da minha cara.

pessoa leitora:

“eu … queria deixar o buraco vazio sem me importar, mas sinto que as vezes o vazio que carrego é tão grande que vai me engolir.”

eu:

o vazio sempre nos engole. a questão é o que vamos fazer antes disso.

pessoa leitora:

“obrigado. de verdade. seu último e-mail me ajudou bastante. obrigado.”

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textos

existe algo de grandioso se acumulando na pia

os grandes crimes da humanidade, as merdas absolutamente gigantescas, os genocídios e os fascismos, foram todos cometidos por pessoas que achavam fazer parte de algo “grandioso”.

as pessoas rebeldes, as pessoas incertas, as pessoas do contra, as pessoas confusas, essas podem até fazer muita besteira, mas não marcham em uníssono ao som de tambores.

sempre que me flagro pensando que o livro das prisões vai mudar o mundo, influenciar as pessoas, ser algo grandioso….

eu páro tudo e vou varrer o chão.

varrer o chão é a melhor cura para a grandiosidade.

recomendo.

quer participar de algo grandioso

(uma resposta a esse texto.)

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copacabana

manhãs de copacabana

Copacabana-sunrise

adoro acordar com o dia ainda escuro, ver o sol lentamente surgindo por cima do morro do cantagalo, ver as gaivotas sobrevoando a praia de copacabana, sentir o leve cheiro de maresia que vem chegando, sentir o bairro despertando.

adoro acompanhar o movimento do sol dentro da minha casa. primeiro, ele bate na cama, depois, na rede, e vem entrando e entrando, e me empurrando pra dentro de casa, até que, nessa época do ano, lá pelas sete, o único lugar que me sobra na casa é o balcão, para tomar café e trabalhar.

adoro o cheiro de café que vai aparecendo, aqui e ali, de muitos dos 400 apartamentos que me cercam só no meu prédio.

adoro ouvir as crianças chegando, falando, brincando na creche que fica ao lado da minha janela, o solar meninos de luz.

adoro a alegria ensandecida da capitu, cachorra de apenas seis meses de idade, ao perceber que está viva e tem mais um dia pela frente.

adoro o meu café da manhã de café, ovo mexido, torradas com manteiga e fruta, o cheiro de cada uma dessas coisas me confortando, me preenchendo, me deliciando, me colocando já no clima do novo dia.

por fim, adoro um senhor negro, magro e alto que, todo dia, lá pelas onze e pouco, passa pela minha rua gritando “ó o almoço da quentinha”, simbolizando assim o final oficial de mais uma manhã no rio de janeiro.

cada dia mais eu comprovo. minha hora produtiva é a manhã. se já não fiz o meu melhor trabalho até a chegada do moço da quentinha, melhor dormir cedo e tentar de novo no dia seguinte.

* * *

foto: um típico nascer-do-sol em copacabana, por aaron frutman. acreditem ou não, tem um desses aqui todo dia. eu não canso.

em linhas gerais, na praia de copacabana o sol pode ser visto nascendo do outro lado da baía de guanabara, atrás das montanhas de niterói, e, na de ipanema, se pondo atrás do morro dois irmãos.

meu apartamento é voltado para a praia de copa, que está a três quarteirões de distância, mas não tem vista para o mar: eu só vejo suas gaivotas, sinto seu cheiro, adivinho sua presença.

 

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zen

as oito preocupações mundanas

1. querer elogio

2. não querer crítica

3. querer prazer

4. não querer dor

5. querer vitória

6. não querer derrota

7. querer reconhecimento

8. não querer menosprezo

* * *

(fonte: carta a um amigo, de nagarjuna, estrofe 29, adaptadas levemente por mim.)

sobre zen.

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encontros

[vídeo] depoimentos de quem participou dos encontros do alex castro

os meus eventos são oficinas de escutatória, práticas de empatia, espaços de interação.

não são cursos, palestras, seminários. não têm conteúdo, programa, matéria.

apenas realizamos uma série de exercícios e cada pessoa tira deles o que quiser e o que puder.

tudo pode acontecer, nada nunca é igual. venham por sua conta e risco.

em 2016, vou parar com as oficinas de empatia.

as últimas serão no rj, no sábado, 12 de dezembro, e em sp, na terça, 15 de dezembro.

as imersões “as prisões” são eventos que duram um feriadão inteiro, realizados em um hotel-fazenda na divisa rj-sp. os próximos serão na páscoa e em corpus christi, 2016.

para saber mais sobre os eventos e se inscrever, clique aqui.

(videos by carol barros, da fazedora de vídeos.)

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textos

homenagem

queijaria de beira de estrada, entre montevidéu e colônia. cabras felizes pastam ao redor.

no balcão, o retrato emoldurado de uma cabra, com a legenda “titi”.

revela o queijeiro, sorrindo:

“foi nossa primeira cabra!”

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textos

o céu está sempre azul

o céu está sempre azul e o sol está sempre brilhando.

talvez exista até algum obstáculo momentâneo impedindo a visão mas, acima dessas nuvens, do outro lado desse planeta, o céu está sempre azul e o sol está sempre brilhando.

nos meus momentos de depressão, esse pensamento me alegra.

(da série: “coisas que só se percebe na prática observando o céu enquanto se dirige mil quilômetros em um só dia pelos andes e pelos pampas.”)

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leituras

minhas leituras, comentadas, em setembro & outubro de 2015

setembro foi um mês que passei na estrada, em são paulo, em belo horizonte e no inhotim. li pouco, quase que somente livros para a prisão liberdade, que estou lutando para escrever.

* * *

para relaxar, li alguns quadrinhos da estante da minha anfitriã paulista, fernanda de cápua.

cachalote, de daniel galera e rafael coutinho, 2010, português. 20set15.

dinâmica de bruto, de bruno maron, 2012, português.

vida de prástico, de ricardo coimbra, 2014, português. set15.

ricardo coimbra é um dos grandes cartunistas em atividade hoje.

* * *

durante a imersão “as prisões” de sete de setembro, li essa deliciosa antologia de literatura russa do século xix editada pela hedra, editora do meu livro autobiografia do poeta-escravo.

os russos, de púchkin, gógol, dostoiévki, tolstói, tchekhov e górki, 2015, russo. (tradução: vários; organização: luis dolhnikoff)

excelente antologia. eu colocaria menos puchkin (que, como me contam os amigos russos, é tipo guimarães rosa, não traduz bem) e mais turgeniev.

* * *

estou lutando para escrever a prisão liberdade, mas os últimos meses têm sido difíceis para mim. enquanto não junto forças para escrever, vou lendo livros específicos sobre o assunto.

freedom evolves, de daniel dennett, 2003, inglês. 17set15.

free will, de sam harris, 2012, inglês. 17set15.

free will, a very short introduction, de thomas pink, 2004, inglês. set15.

a theory of freedom: from the psychology to the politics of agency, de phillip petit, 2001, inglês. 18set15.

darwin’s dangerous idea: evolution and the meanings of life, de daniel dennett, 1995, inglês.

todos foram úteis para o meu objetivo, mas o único que eu realmente recomendaria é o último, simplesmente sensacional, presente da minha amiga querida daniela vaz.

algumas frases, traduzidas por mim:

“um intelectual é só uma maneira de uma biblioteca gerar outra biblioteca.”

“nada que seja complicado o suficiente para ser realmente interessante pode ter uma essência.”

* * *

em outubro, continuei tentando ler para a prisão liberdade, mas com pouco sucesso. continuei triste e disperso, e li um pouco de tudo.

* * *

meu companheiro de estrada e outros contos, de maksim górki, 1894-1923, russo. 4out15. (tradução de bóris chnaidermann, 1961.)

depois de ler a antologia da hedra, em setembro, fiquei com tesão de ler mais górki e comprei essa antologia traduzida e organizada pelo bóris, uma das pessoas mais incríveis que já conheci.

quem me fez ler górki foi henry miller e serei sempre grato. poucas vozes na literatura mundial são tão cheias de vigor e vida quanto górki,

górki nunca é perfeito (talvez só na trilogia autobiográfica, sua obra-prima) mas todos os seus defeitos e falham emanam das suas grandes qualidades, do seu humanismo, da sua empatia, da sua expansividade.

dos grandes russos (puchkin, gogol, turgeniev, tolstoi, dostoievski, tchecov) ele é, ao mesmo tempo, o menor e o maior, o mais falho e o mais necessário.

é engraçado que eu já li e amo essa turma toda mas, a medida que vou envelhencendo, é ao górki que continuo voltando, mais que a todos os outros.

* * *

górki também é o poeta da força. dois contos desse livro, talvez os meus preferidos, têm esse tema.

em caim e artiom, o valentão da vila é salvo por homenzinho fracote e covarde, e passa a protegê-lo. em poucos dias, entretanto, ele acaba confessando que simplesmente não consegue respeitar a fraqueza do outro e que não vai mais protegê-lo.

em meu companheiro de estrada, que dá título ao livro, górki, então vagabundo andarilho, faz uma longa caminhada ao lado de um aristocrata que se perdeu da família e está sem dinheiro. ao longo de toda a viagem, o aristocrata faz pouco e humila o vagabundo que o está ajudando, mas górki simplesmente se recusa a ser humilhado. do seu ponto de vista, o aristocrata é como se fosse uma criança, incapaz de seu cuidar e sem saber o que fala. em outras palavras, górki se considera tão acima do homem que pretensamente está tentando humilhá-lo que nem ao mesmo responde e, pelo contrário, continua tratando-o com carinho.

é uma tática que venho usando por toda a minha vida com as pessoas que tentam me humilhar e me atacar.

obrigado, górki.

(para ler górki na internet, em inglês, clique aqui e aqui.)

* * *

nietzsche, de jean granier, 2009, francês. 5out15.

um dos meus planos pros próximos meses é encarar a obra completa de nietzsche, relendo os que já li e lendo os que faltavam.

aí, estava na baratos da ribeiro, o melhor sebo do mundo, tinha crédito na praça, porque sempre vendo livros pra eles, e encontrei um desses livrinhos explicando nietszche. livrinho francês. traduzido pela denise bottman. (pensei, pelo menos, não vou me irritar com a tradução, já é um bom começo.)

na introdução, página 23, o explicador explica que nietszche é um filósofo complexo, cuja obra foi vilipendiada e distorcida depois dele morto, e que, por isso, deveríamos sempre tomar cuidado com citações da obra póstuma de nietsche e nos basear mais nos escritos publicados em vida.

ok, isso eu já sabia. basta ler o verbete do nietszche na wikipedia.

o capítulo imediatamente seguinte, página 31, é sobre o conceito de niilismo em nietszche.

adivinhem: o capítulo inteiro é totalmente baseado e cita quase que apenas justamente o livro póstumo de nietszche inventado por sua irmã: vontade de potência.

e eu, quase gritando em pleno saguão do aeroporto santos dumont:

“colega, você tá fazendo exatamente o que vc mandou não fazer cinco páginas atrás!!”

isso é que dá ler mastigadores.

* * *

ecce homo. como alguém se torna o que é, de friedrich nietzsche, 1888, alemão. 6out15. (tradução de paulo cesar de souza, 1985.)

traumatizado pelo livro acima, li ecce homo na praia de copacabana e foi lindo.

alguns trechos:

“Erro … não é cegueira, erro é covardia… Cada conquista, cada passo adiante no conhecimento é consequência da coragem, da dureza consigo, da limpeza consigo… … O homem do conhecimento deve poder não somente amar seus inimigos, como também odiar seus amigos.” (Prólogo, §3, §4.)

“A noção de “pecado” [foi] inventada justamente com o seu instrumento de tortura, a noção de “livre-arbítrio”, para confundir os instintos, para fazer da desconfiança frente aos instintos uma nova natureza.” (Por que sou um destino, §8.)

“Paga-se muito caro ser imortal: é então forçoso morrer muitas vezes em vida. Há uma coisa que chamo rancor da grandeza; tudo quanto é grande, seja obra, seja acção, uma vez que se realiza, volta-se contra o seu autor. Só pelo facto de ter realizado, torna-se o autor inerme perante o que fez, já não lhe é dado olhá-lo de frente. E é como se tivéssemos atrás de nós alguma coisa que nunca desejámos fosse tal qual foi, alguma coisa que fica ligada ao próprio destino da humanidade – e de que nunca mais nos podemos separar!… É um peso incessante que quase nos esmaga… O rancor da grandeza!…” (Assim falou Zaratrusta, §5.)

* * *

rio de janeiro. histórias de vida e morte, de luiz eduardo soares, 2015, português. 4out15.

livro desigual. alguns capítulos brilhantes, outros me peguei pulando. adoro tudo que o luiz eduardo escreve, sobre essa nossa cidade tão amada, tão clichê.

* * *

voces de chernóbil: crónica del futuro, de svetlana alexievich, 1997, russo. 12out15. (tradução: ricardo san vicente, 2006.)

tenho me interessado mais e mais por história oral e é incrível ver uma praticante ganhar o nobel de literatura.

vou fazer o maior elogio que um escritor pode fazer: é um livro que eu gostaria de ter escrito.

não sobre chernobil, mas sobre nossas muitas tragédias próximas.

quem sabe sobre as tragédias cariocas narradas pelo luiz eduardo, no livro acima.

quem sabe, talvez eu ainda escreva.

(um outro texto que escrevi sobre esse livro fantástico.)

* * *

a slight trick of the mind, de mitch cullin, 2005, inglês. 15out15.

não satisfeito em ser magneto e gandalf, ian mckellen agora também é sherlock holmes. um holmes idoso, de 93 anos, lidando com sua decadência física e mental.

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seu novo filme, que acabou de sair, “mr holmes”, 2015, de bill condon, é adaptação desse romance.

ambos são bem diferentes, mas o filme é superior, tanto por contar com dois atores que fazem a diferença (o próprio mckellen e a laura linney) como por clarificar e enfatizar alguns temas que ficam meio soltos em um livro que às vezes é excessivamente sutil.

* * *

obedience to authority: an experimental view, de stanley milgram, 1974, inglês. 23out15.

em 1961, o psicólogo stanley milgram conduziu um famoso experimento, no qual pessoas recebiam recomendações de dar choques elétricos cada vez mais fortes em outras pessoas.

foram realizadas várias versões do experimento. em todas, a maior parte das pessoas deu o choque máximo.

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eu já conhecia o experimento, mas não sabia que milgram tinha escrito todo um livro para apresentá-lo, com todos os detalhes metodológicos e com muitas reflexões fundamentais.

li por recomendação da minha amiga diana goldemberg e foi uma das leituras mais importantes da minha vida.

muito que ainda estava solto na minha cabeça sobre obediência finalmente começou a fazer sentido. vai ser uma referência fundamental no livro das prisões.

para atiçar minha curiosidade, a diana mandou esse trecho:

“Many of the people studied in the experiment were in some sense against what they did, and many protested even while they obeyed. But between thoughts, words, and the critical step of disobeying a malevolent authority lies another ingredient, the capacity for transforming beliefs and values into action. Some subjects were totally convinced of the wrongness of what they were doing but could not bring themselves to make an open break with authority. Some derived satisfaction from their thoughts and felt that – within themselves, at least – they had been on the side of the angels. What they failed to realize is that subjective feelings are largely irrelevant to the moral issue at hand so long as they are not transformed into action. …

Predictably, subjects excused their behavior by saying that the responsibility belonged to the man who actually pulled the switch. This may illustrate a dangerously typical situation in complex society: it is psychologically easy to ignore responsibility when one is only an intermediate link in a chain of evil action but is far from the final consequences of the action. (…) The person who assumes full responsibility for the act has evaporated. Perhaps this is the most common characteristic of socially organized evil in modern society. (…) Beyond a certain point, the breaking up of society into people carrying out narrow and very special jobs takes away from the human quality of work and life. A person does not get to see the whole situation but only a small part of it, and is thus unable to act without some kind of over-all direction. He yields to authority but in doing so is alienated from his own actions.”

afinal, de nada adiantam bons sentimentos que não se transformam em boas ações: o que importa é o que a gente faz.

* * *

tentei escolher alguns dos meus sublinhados mas foi impossível: meu livro está TODO sublinhado.

(sobre o experimento de milgram.)

* * *

a mesma ressalva de sempre

fazer listas de livros reforça uma ideia que considero muito problemática:

que “ler é bom”, que todas deveríamos “ler mais”, que ler é uma atividade intrinsecamente melhor do que a maioria das outras, etc.

mas ler um livro não é mérito, não é vantagem alguma, não é algo para se gabar.

mais importante, simplesmente ter lido um livro não significa que a pessoa leitora o entendeu, que tirou dele qualquer coisa de relevante, bela, prazeirosa ou útil.

listar os livros que eu li faz tanto sentido quando listar os vagões de metrô que eu viajei. (aliás, quase sempre, o 1022 e o 1026, que operam na linha um e são os últimos vagões de suas composições.)

e daí, não?

apesar disso, incrivelmente, as pessoas pedem e perguntam.

enfim, a verdade é que trabalho com livros. para mim, pessoalmente, esse tipo de lista é relevante e me ajuda a sistematizar as leituras.

então, apesar do efeito negativo de divulgar listas assim, aqui vão alguns dos livros que eu li em setembro e outubro de 2015.

* * *

convenções da lista: título, autor, data da escritura, idioma original. (organizador, tradutor, data da organização e/ou tradução) data da leitura.

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o que é a História comparada a uma dor de dente?

estou lendo vozes de tchernóbil, uma história oral da tragédia nuclear, escrita por svetlana alexievich, vencedora do nobel de literatura desse ano.

um livro lindo, belíssimo, incrível, que eu (atenção para o maior elogio que uma pessoa escritora pode fazer a outra) gostaria de ter escrito.

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uma das histórias é de um professor de história que tinha acabado de descobrir o adultério de sua esposa e só conseguia pensar nisso, tinha até tentado o suicídio.

quando é convocado para trabalhar na limpeza de chernobil, ele pensa:

“se não estávamos em guerra, por que eu teria que arriscar a minha vida? e mais ainda se alguém comeu minha mulher! por que tem que ser eu, de novo, e não… “ele”?!”

durante os trabalhos, ele ganhou vários medalhas de valor, porque atuava sem nenhum medo da morte. para ele, nada daquilo era real. só conseguia pensar na traição que tinha sofrido.

no final do relato, ele conta a história de um moço que vivia em jerusalém na época de jesus.

ele estava em casa quando jesus passou carregando a cruz, tropeçou bem em frente a sua porta, se levantou, pegou a cruz de novo, voltou a carregar. e o homem dentro de casa, ouvindo toda aquela comoção, todo mundo chamando ele pra ver, mas ele não saiu:

estava morrendo de dor de dente.

e eu, alex, também professor de história como o autor desse relato, sei bem do que ele está falando. estudei história militar: sei quantas batalhas decisivas da humanidade foram perdidas porque algum general estava com dor de barriga e não conseguia se concentrar na batalha.

o que é a História Humana, assim em maiúsculas, com toda sua grandeza abstrata, comparada a uma raiz exposta, a um coração partido?

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textos

a Grande Conversa

tudo o que eu sempre quis foi fazer parte da Grande Conversa.

* * *

quando eu era criança, não tinham muitos livros na minha casa. meu pai e minha mãe eram pessoas instruídas, mas não eram leitoras. haviam alguns livros de arte da minha mãe (formada em belas artes) e muitos agatha christie, sidney sheldon, morris west e afins do meu pai.

na sala, havia uma enciclopédia britânica, edição de 1978, comprada mais por decoração e por status do que por leitura. (nunca vi nenhum dos dois mexendo nela, nem falavam inglês o suficiente para lê-la.) 

talvez tenham comprado pra mim.

nesse caso, foi um excelente investimento. pois estou aqui, quarenta anos depois, escrevendo um texto sobre a importância desses livros em minha vida.

não exatamente da enciclopédia britânica em si (que devorei com a fúria de menino leitor em casa de poucos livros) mas da coleção que veio com ela:

great books of the western world

vendi quase todos os meus livros faz muito tempo, mas guardei vários volumes dessa coleção. alguns muito remendados (como o segundo volume de “declínio e queda do império romano”, que levei durante a evacuação do furacão katrina), todos muito marcados.

talvez o melhor modo de ressaltar a importância dessa coleção seja listar os autores que eu li através dela:

homero, ésquilo, sófocles, eurípedes, aristófanes, heródoto, tucídides, lucrécio, virgílio, plutarco, agostinho, tomás de aquino, maquiavel, hobbes, spinoza, shakespeare, cervantes, descartes, sterne, rosseau, gibbon, mill, goethe, melville, darwin, marx, tolstoi, dostoievski e freud.

nem todos eu gostei. nem todos eu entendi. mas muitos estão entre os meus autores preferidos. e todos são necessários.

(naturalmente, é aquela velha coleção de livros canônicos, todos escritos por homens brancos ocidentais. nenhuma mulher, nenhuma pessoa autora periférica. eram outros tempos, definitivamente.)

mas não é desses gênios que quero falar.

* * *

dentre tantos livros clássicos, talvez o que mais me influenciou tenha sido o primeiro volume introdutório, escrito por um dos organizadores, robert maynard hutchins.

ele explica que a tradição ocidental está corporificada em uma Grande Conversa, que começou na aurora da humanidade e que continua até o dia de hoje. o que une os autores da coleção é justamente essa Grande Conversa que estão travando, na qual um responde aos seus antecessores e, por sua vez, será respondido por seus sucessores, e assim em diante.

por isso, desde a minha infância, graças a hutchins, nunca consegui ver esses livros como objetos de estudo ou de veneração, como textos chatos, ou pesados, ou densos, ou intimidadores.

nada disso: era A Grande Conversa, uma baita fofocada entre pessoas geniais, ao longo dos séculos, se dando tapinhas nas costas, se alfinetando, se louvando, se atacando, tudo acontecendo bem ali, na minha sala.

o que poderia ser mais legal que isso?

* * *

para mim, na prática, participar da Grande Conversa era hoje eu ler euripides e, amanhã, aristófanes zoando de eurípides; hoje ler sobre a guerra de tróia, na ilíada, e amanhã, ler virgílio preenchendo a lacuna sobre a queda da cidade no segundo canto da eneida; hoje ler agostinho inventando a autobiografia e, amanhã, ler sterne completamente subvertendo-a, às gargalhadas, no livro mais pândego de todos os tempos.

declínio e queda do império romano, de gibbon, até hoje é meu segundo livro preferido — só perdendo para a bíblia, que é imbatível. descartes me ensinou a ser adulto — como eu conto na prisão verdade. até hoje, todos os meus textos argumentativos servem as lições que me ensinaram darwin e freud — que já seriam grandes escritores independente de suas grandes ideias. sinto um amor por eurípedes como se fosse um velho amigo — e, aliás, detesto aristófanes, seu desafeto. alguma obra literária pode ser mais perfeita que a ilíada? ela é mãe de todos os romances, contos, peças, blockbusters de hollywood, e ainda não conseguimos fazer melhor — nada tão duro, tão sangrento. agostinho, tomás de aquino e, em menor grau, até descartes me ensinaram o quanto a religião pode distorcer o pensamento até das pessoas mais brilhantes. leio tomás de aquino com admiração e desespero, pensando: meu deus, esse homem poderia ter colocado a humanidade da lua… se não estivesse tão preocupado discutindo literalmente o sexo dos anjos!

* * *

quando eu, criança ainda, 30 anos atrás, decidi que seria escritor, tudo o que eu queria, na verdade, era dar meu pitaco na Grande Conversa.

no começo, e durante muito tempo, e um pouco até hoje, esse desejo era fruto do mais enraizado narcisismo, daquela ideia egocêntrica de que temos um direito sagrado à auto-expressão, daquela ideia megalomaníaca de que minha auto-expressão estaria no mesmo nível da auto-expressão de um freud, de um cervantes, de um  tucídides.

aí, a idade veio chegando e o narcissismo começou a perder terreno para a gratidão.

antes, eu olhava para os grandes livros e pensava:

“um dia, minha auto-expressão estará ali.”

agora, eu olho para os grandes livros e penso:

“quanta gratidão por essas pessoas tão incríveis que trabalharam tão duro por todas as suas vidas, enfrentando dificuldades cotidianas que eu mal imagino, que nunca nem conceberam minha existência, mas que, mesmo assim, adicionaram tanto valor, tanta beleza, tanto conhecimento à minha vida!”

obrigado, obrigado!

* * *

poderia usar qualquer um desses autores como exemplo, mas uso lucrécio, autor do poema “da natureza“. lucrécio, que viveu antes mesmo do nascimento da pessoa que hoje usamos para marcar o tempo. lucrécio, que escreveu em uma época em que a minha língua ainda nem sonhava existir. lucrécio, esse homem que, quando eu estava perdido, procurando uma alternativa racional ao cristianismo, me deu todo um vocabulário e toda uma lógica para entender o universo.

minha dívida com lucrécio é impagável.

e não só com ele. sou grato a caio mêmio, a quem o poema é dedicado e que era provavelmente mecenas de lucrécio, por ter lhe dado as condições materiais para compor o texto que mudou a minha vida; a todas as pessoas anônimas que copiaram o texto, a mão, ao longo dos séculos; a poggio bracciolini, que reencontrou o manuscrito, depois de séculos perdido, em 1417; a todas as pessoas tradutoras, editoras, organizadores que prepararam o manuscrito para que eu pudesse lê-lo.

é literalmente incontável o número de pessoas que, ao longo de dois milênios, trabalhou duro, muitas vezes sem pagamento, para que, hoje, em 2015, o texto de lucrécio possa continuar mudando a minha vida.

(em “a virada — o nascimento do mundo moderno“, stephen greenblatt considera a redescoberta de “da natureza” por poggio como o marco inaugural da grande virada que marcaria o fim da idade média e o começo do renascimento.) 

* * *

em setembro e outubro de 2015, 30 novas pessoas se tornaram mecenas. as assinantes (que fazem contribuições mensais regulares) já são 190. e o número total de mecenas pela primeira vez superou 400.

e eu fiquei ali, atualizando a lista de mecenas, colocando novos nomes em meio àqueles velhos nomes, recordando as palavras do velho hutchins, e pensei:

minha grande conversa é com vocês.

* * *

muito, muito obrigado mesmo.

para também se tornar mecenas, clique aqui.

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textos

conselho de carreira

hoje, uma jovem me pediu conselho de carreira.

só tenho um, dividido em três partes:

evite ao máximo trabalhar, para não ser tentada a consumir.

evite ao máximo consumir, para não precisar trabalhar.

evite ao máximo procriar, para não usar a prole como desculpa para vender sua alma ao mercado de trabalho e ao mundo de consumo, fazendo concessões que jamais faria por si mesma.

evitando essas três armadilhas, o mundo vai se abrir para você em infinitas possibilidades.

ou não.

na pior das hipóteses, sua vida vai ser muito mais simples.

evite trabalhar

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textos

o miojo não comido

os namorados felipe caffé, 19, e liana friedenbach, 16, mentiram aos pais que iriam acampar com amigos e foram passar o feriado de finados juntos, em um sítio abandonado. no domingo, foram dados como desaparecidos.

quando soube disso, até pensei: lá se vão romeu e julieta ganhar o mundo.

nada disso. seus corpos foram encontrados 10 dias depois. felipe foi morto com uma bala na nuca. liana levou quinze facadas, foi degolada e estuprada.

liana e felipe mentiram aos pais que iriam viajar com um grupo de amigos. ao invés disso, se encontraram em são paulo, dormiram ao relento e pegaram um ônibus na manhã do dia seguinte. saltaram em uma cidade próxima ao sítio onde acampariam e ali compraram mantimentos, miojo, biscoitos, água, leite em pó.

o que aconteceu depois ainda não se sabe. só sabemos com certeza que morreram. e morreram de forma terrível. foi estuprada? foram mortos pelo rapaz que está preso? ele matou mesmo só porque teve vontade? quantos dias ficaram prisioneiros? foram torturados? isso não sabemos ainda.

mas sabemos que a sacola de mantimentos foi encontrada no local do acampamento. tudo fechadinho. nada foi consumido.

fico pensando na viagem até o local, na alegria deles comprando aquelas coisas simples, já antecipando o fim de semana romântico que teriam, quem sabe daqueles fins de semana que mudam nossas vidas pra sempre, um abraçando o outro enquanto pagavam pelos biscoitos, naquela excitação tão pura, tão intensa da adolescência.

eu gostaria de acreditar que ambos pelo menos tiveram sua noite de amor antes da tragédia. mas os mantimentos fechados contam outra história. nem isso tiveram.

foi o miojo não comido, esquecido fechado sob o carramanchão, que me fez chorar.

* * *

texto escrito em 2003, no calor do momento. hoje, já sabemos com detalhes o que houve.

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entropia

como des-mexer um ovo mexido

todo sistema tende à desordem. o universo caminha em direção à entropia. é mais fácil quebrar uma caneca do que fazer uma caneca. etc etc.

mas nós, os seres vivos (gerando cópias de nós mesmos e criando coisas, de origamis à muralha da china) somos focos locais de resistência, temporários e efêmeros, na guerra contra a entropia.

de acordo com a segunda lei da termodinâmica, não é possível des-mexer um ovo mexido.

na verdade, porém, existe uma maneira rápida e barata de fazer isso:

você pega uma caixa, com um buraco em cima, um buraco embaixo e uma galinha dentro. aí, basta despejar um ovo mexido pelo buraco de cima e, em poucas horas, recolher o ovo des-mexido que vai sair pelo buraco de baixo.

a vida é o antídoto da entropia.

* * *

o exemplo da “máquina de des-mexer ovos” é de richard gregory, em mind in science: a history of explanations in psychology and physics (1981), citado por daniel dennett, em darwin’s dangerous idea. evolution and the meanings of life (1995), presente da querida daniela vaz.

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afinal, a entropia aumenta com o tempo ou a entropia É o tempo? outro texto meu sobre entropia.

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leituras

leituras, agosto 2015

meus livros lidos no último mês.

sempre com a ressalva que ler livros é um hobby como outro qualquer.

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eu alterno fases de ler e de escrever. em agosto, li muito até o dia 20. depois, do dia 20 em diante, não li mais nada, só escrevi.

* * *

beyond psychology, de otto rank, 1939, inglês, 1ago15.

recomendado por ernest becker, em denial of death e escape from evil, livros que ele não só dedica ao rank, como diz que não passam de tentativas de sistematizar e apresentar ao grande público as ideias de rank.

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preconceito linguístico. o que é, como faz, de marcos bagno, 1999, português. releitura, 4ago15.

um daqueles livros que muda a vida de uma pessoa. mudou a minha. sempre releio.
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psicologia da transferência, de carl jung, 1946, alemão, 5-6ago15. (trad: maria teresa appy.)

psychology of transference, de carl jung, 1946, alemão, 5-6ago15. (trad: r. f. c. hull, 1969.)

estou tentando entender melhor o conceito de transferência. esse livro foi muito bem recomendado por ernest becker, nos dois livros citados acima. tentei ler em duas traduções diferentes, achando que talvez os problemas fossem culpa da tradução. mas não deu. jung é esotérico demais pra mim, em todas as acepções do termo.

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o mal-estar da civilização, de sigmund freud, 1930, alemão. (trad: paulo césar de souza) 8ago15. releitura.

totem e tabu, de sigmund freud, 1913, alemão. (trad: paulo césar de souza) 9ago15. releitura.

duas releituras de freud. talvez alguns dos meus livros favoritos. em termos médicos, muitas das ideias de freud já foram superadas. mas o freud cientista social ainda é um dos tesouros da humanidade.

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o moisés de michelângelo, de sigmund freud, 1914, alemão. (trad: paulo césar de souza) 9ago15.

uma recordação da infância de leonardo da vinci, de sigmund freud, 1910, alemão. (trad: paulo césar de souza) 15ago15.

temerário, freud analisa psicanaliticamente duas grandes figuras do passado, leonardo da vinci e michelângelo, com base em quase nada.

aparentemente, cometeu erros enormes que, já de saída, invalidam todas as suas análises: confundiu uma passagem bíblica no moisés e uma palavra egípicia no leonardo.

mas parte da mágica de freud, para mim, é ser genial mesmo quando está errado.

posso reconhecer seus erros e, ainda assim, apreciar seu humor, sua prosa, a progressão do seu argumento.

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introdução ao narcisismo, de sigmund freud, 1914, alemão. (trad: paulo césar de souza) 9ago15.

para as prisões.

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contribuição à história do movimento psicanalítico, de sigmund freud, 1914, alemão. (trad: paulo césar de souza) 15ago15.

esse texto, escrito em primeira pessoa e traçando uma rápida história dos começos da psicanálise, é o equivalente ao líder de uma turma de meninos de escola escrevendo sobre como a sua turma mais legal do que as outras turmas bobobas.

altamente polêmico, criticado por todos, eu achei terna a autodescrição heroica de um jovem freud que se via, erroneamente ou não, em esplêndido isolamento, sozinho contra tudo e contra todos.

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“teoria da libido e narcisismo”; “a transferência”; “a terapia analítica”, em conferências introdutórias à psicanálise, de sigmund freud, 1917, alemão. (trad: sergio telarolli) 19ago15.

considerações atuais sobre a guerra e a morte, de sigmund freud, 1915, alemão. (trad: paulo césar de souza) 20ago15.

moisés e o monoteísmo, de sigmund freud, 1939, alemão. (trad: maria aparecida moraes rego) 20ago15.

como dá pra ver, estou passando o mês com freud, relendo textos antigos, conhecendo novos.

estou gostando tanto das traduções do paulo cézar de souza que já decidi que vou esperar para ler a interpretação dos sonhos em sua tradução, assim que sair.

sobre freud, está acontecendo uma coisa que mencionei mês passado em relação à foucault.

li totem e tabu aos 25 anos. reli agora, aos 41. é impressionantes quantas ideias, frases, formulações, que venho repetindo pelos últimos 15 anos, que eu jurava que eram minhas, já estão ali, não só escritas, mas sublinhadas por aquele menino de 25.

nosso cérebro é um urso esfaimado e onívoro, comendo tudo o que passa pela frente.

a melhor cura para nossos delírios de criatividade é reler os trabalhos que nos influenciaram nos anos formativos.

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vida e obra de sigmund freud, de ernest jones, 1961, inglês. (org: lionel trilling e steven marcus; trad: marco aurélio de moura mattos) 9ago15.

esse livro me foi emprestado, talvez vinte anos atrás, por uma ex-psicóloga do meu pai, que foi minha fiadora no único apartamento que aluguei em meu nome, e com quem depois perdi o contato, annette trzcina. uma vergonha ficar com ele até hoje, ainda mais sendo um livro claramente de valor sentimental, com dedicatória escrita antes de eu nascer, mas estou finalmente lendo! assim que terminar, ligo pra ela, marco um café e devolvo.

o autor, ernest jones, era o cão de guarda de freud, um dos poucos que lhe ficou fiel até o fim, grande popularizador de sua obra no mundo anglófono, autor dessa monumental e subserviente biografia que documenta até os peidos do grande homem. a biografia original tem três volumes, mas essa tradução é da versão em volume único, resumida por lionel trilling.

o enorme amor de jones por freud é ao mesmo tempo a principal qualidade e o maior defeito dessa biografia.

não dá pra confiar, nem minimamente, em uma biografia escrita com tanto, tanto amor.

mas dá pra ler, com muito gosto: jones se despe, se expõe de tal maneira em seu enorme amor por freud que dá vontade de abraçá-lo. (de abraçar os dois, na verdade.)

sempre fecho o livro com um enorme carinho pelo dr ernest jones.

quero agora ler a biografia de peter gay, 1988, recentemente relançada pela companhia das letras. se alguém tiver e quiser me dar, agradeço.

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the wendigo, de algernon blackwood, 1910, inglês. 13ago15.

novela de suspense e fantasia. li por ser apreciada por lovecraft — de quem estou lendo, desde o mês passado, uma edição anotada. não é ruim, mas não me empolgou.

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convenções da lista: título, autor, data da escritura, idioma original. (organizador, tradutor, data da organização e/ou tradução) data da leitura.

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uma ressalva

fazer listas de livros reforça uma ideia que considero muito problemática:

que “ler é bom”, que todas deveríamos “ler mais”, que ler é uma atividade intrinsecamente melhor do que a maioria das outras, etc.

mas ler um livro não é mérito, não é vantagem alguma, não é algo para se gabar.

mais importante, simplesmente ter lido um livro não significa que a pessoa leitora o entendeu, que tirou dele qualquer coisa de relevante, bela, prazeirosa ou útil.

listar os livros que eu li faz tanto sentido quando listar os vagões de metrô que eu viajei. (aliás, quase sempre, o 1022 e o 1026, que operam na linha um e são os últimos vagões de suas composições.)

e daí, não?

apesar disso, incrivelmente, as pessoas pedem e perguntam.

enfim, a verdade é que trabalho com livros. para mim, pessoalmente, esse tipo de lista é relevante e me ajuda a sistematizar as leituras.

então, apesar do efeito negativo de divulgar listas assim, esses foram os livros que eu li em agosto de 2015.

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raça

das duas, uma

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ou você admite que meritocracia é uma farsa e que vivemos em um país racista;

ou você admite que sinceramente, de verdade, do fundo do seu coração, você acha que as pessoas negras gostam mais de ser assassinadas do que de cursar faculdade.

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imagem: “quadro negro” (2015), de estevão haeser.