Em alguns anos ou décadas, talvez tenhamos uma nova perspectiva sobre a eleição de ontem.
Talvez a gente se perdoe.
Talvez a gente perceba que não dava para ter vencido.
Talvez a gente seja como o exército polonês em 1939, discutindo se deveríamos ter mandado a cavalaria pela esquerda ou pela direita, como se isso fosse fazer alguma diferença.
Talvez a gente perceba que estávamos na contramão de uma nova onda da História.
Mas talvez a gente também perceba que é da natureza das ondas ir e vir, que quando a onda da História está contra nós, a maior vitória é simplesmente resistir e sobreviver até maré mudar.
Porque a maré da História sempre muda.
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Abaixo, um textinho do meu próximo livro, Atenção., a ser publicado pela Editora Rocco em março de 2019.
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Aceitação sem conformismo
Falar em aceitar a realidade às vezes nos soa conformista, omisso, passivo.
Mas a mudança e a impermanência são condições inerentes da realidade: aceitar a realidade também quer dizer aceitar que a realidade sempre muda e que mudá-la é nosso direito, nosso dever, nosso privilégio.
Reconhecemos a impermanência de todas as coisas não para abdicar da ação política, mas para abraçá-la.
Todos os verões, centenas de pessoas se afogam nas águas frias e revoltas das praias do Rio de Janeiro.
A mais importante lição de sobrevivência em um mar perigoso como o carioca é saber que ele sempre ganha.
Se o mar quiser nos levar em uma direção, nossa escolha é ou irmos vivas ou irmos mortas: podemos lutar contra a corrente, nos afogar e ter nossos corpos levados, ou podemos aceitar que a corrente é mais forte, decidir boiar e ter nossos corpos levados.
Mas a corrente que está nos levando também compartilha da mesma natureza impermanente da realidade: em breve, ela vai se dissipar, e, nesse momento, se tivermos conseguido nos manter vivas e descansadas, estaremos livres para nadar na direção que quisermos.