ontem de manhã, extraordinariamente, comprei o jornal impresso. estou procurando um apartamento pra alugar e queria ver os classificados. em outro caderno, petrificados em fotos e condensados em resumos biográficos, estavam os mortos do acidente aéreo da air france: o casal de noivos de niterói, o maestro e o príncipe, a família que viajava separada justamente para que todos não morressem juntos, a mãe que perdeu a chance de ver a filha pela última vez pois ficou presa no trânsito. li tudo aquilo com a curiosidade mórbida que caracteriza os humanos, me emocionei, considerei minha própria mortalidade, etc etc, e deixei o jornal respeitosamente à beira da cama, talvez para ler de novo. mais tarde, houve sexo, com sua costumeira desordem viscosa. já de madrugada, antes de dormir, fui arrumar o quarto. em cima do jornal, tinha caído uma camisinha usada: gotas esparsas de sabe lá qual fluido manchavam o rosto do dinâmico chefe de gabinete de um jovem prefeito. dobrei o jornal em volta da camisinha, joguei tudo fora e fui dormir.
(texto de 2009. a referência é a esse acidente.)