A Bodisatva conversou com Alex Castro sobre novo livro que aborda a importância da atenção para ouvir e servir melhor ao próximo.
(Entrevista com Alex Castro, por Davi Carneiro, em Revista Bodisatva, maio de 2019.)
Esta é uma antiga história zen: um monge perguntou para o mestre Ikkyu (1394-1481): “Por favor, o senhor poderia me escrever algo de grande sabedoria?”. O mestre pegou o seu pincel e escreveu lentamente a palavra: “Atenção”. O estudante ficou surpreso: “Mas, isso é tudo?”. Então, o mestre voltou a escrever: “Atenção. Atenção.”. O monge se irritou: “Isto não parece importante ou sábio para mim.”. Em resposta, o mestre simplesmente voltou a escrever: “Atenção. Atenção. Atenção.”.
A importância da atenção, de cultivar um estado de presença a cada momento, em cada ação, é o que já apontava este famoso Mondo* escrito há mais de meio século atrás. “A atenção sempre foi um ponto fundamental. Atualmente, por exemplo, ela se tornou a mercadoria mais disputada do mundo. As maiores companhias de hoje são aquelas que canalizam e negociam a nossa atenção. Cabe a nós decidir a melhor forma de aplicar este bem precioso.”, conta Alex Castro, escritor e praticante zen budista que, por sinal, foi ordenado Bodisatva* com o nome dármico “Iquiú”, tal qual o do mestre da história mencionada.
Deitado numa rede e na companhia da sua cachorrinha Capitu, Alex Castro nos contou mais detalhes sobre o seu novo livro “Atenção: por uma política do cuidado”, que acaba de ser lançado pela Editora Rocco.
Inspirado na prática do Zen e nos ideais do Budismo Engajado, o livro apresenta 20 exercícios de atenção que podem ser aplicados no dia a dia.
“Praticamos atenção não somente para nosso próprio benefício, mas para melhor enxergar e cuidar de quem está a nossa volta”, conta Castro. “Qualquer desenvolvimento pessoal só faz sentido se nos transformar em pessoas melhores para as outras pessoas”, conclui.
REVISTA BODISATVA: Alex, nos conte mais sobre o seu novo livro.
ALEX CASTRO: O livro é sobre a prática da atenção. Nele eu proponho 20 práticas, que vão desde as mais simples até as mais complexas. As primeiras se referem aos sentidos e às ações: ver, ouvir, sentir, falar, entre outras, passando por atitudes como sustentar uma gratidão permanente, manter um olhar generoso, dar-se conta das pessoas, até chegar nas práticas mais filosóficas, questionando o que é conhecimento, desapego do “eu”, a aceitação da realidade, o reconhecimento da morte, etc.
No final, voltamos a algo concreto: escolher cuidar mais do outro, exercer a atenção como uma prática e uma atitude no mundo.
Como surgiu a ideia de reunir estes exercícios em um livro?
A ideia é que eu sou uma pessoa egocêntrica, sou consciente disto, e inventei estes exercícios para mim. Sou eu, todo errado, tentando melhorar. O que poderia ser mais autocentrado do que pensar que sou o único autocentrado? Ou que as minhas questões são apenas minhas e não de muitos? Tudo o que escrevo, cada palavra, sem exceção, é um dedo que aponto antes de mais nada para o meu próprio reflexo no espelho.
Uma das inúmeras qualidades do livro é que ele está muito claro e didático…
Obrigado! A minha ideia foi escrever sobre temas complexos, sem passar a mão na cabeça da pessoa leitora, mas utilizando uma linguagem que seja a mais acessível e direta possível. Esta é uma das coisas do caminho do Bodisatva: se você é uma pessoa inteligente, você utiliza esse dom não para ofuscar o “outro”, mas para fazer com que ele seja tão inteligente como você.
Por falar no caminho do Bodisatva, conte-me um pouco sobre a influência do Budismo Zen no seu livro.
Eu comecei a praticar o Zen em Nova Orleans, continuei a praticar aqui no Rio, em Copacabana, no templo Eininji. Estes são dois lugares muito pouco Zen; em Nova Orleans — no meio do bairro latino — e em Copacabana, meditamos perto do morro, com funk alto e tiroteios. Não nos isolamos, praticamos para estar presente no mundo como ele é.
Outra influência muito marcante é a do Budismo Engajado. Ele articulou em mim a possibilidade de uma ação politicamente atuante, removendo o obstáculo intelectual que me impedia de começar a prática.
Eu também faço parte da Ordem dos Pacificadores Zen, fundada em 1996 pelo mestre Bernie Glassman. Participei Retiros de Rua e os Retiros de Testemunho, como o de Auschwitz. Agora, estou ajudando a organizar o primeiro Retiro de Rua do Rio de Janeiro.
Se a mudança é uma condição inerente da realidade, eu como parte desta realidade, também sou um componente ativo desta mudança.
Em um Templo Zen, por exemplo, tudo está pensado para se tornar um exercício de atenção: como caminhamos, como sentamos, como nos vestimos, como comemos … Mas como aplicar estes exercícios no dia-a-dia, tantas vezes tão corrido?
Eu conto no livro que as nossas vidas estão cheias de “coisas que eu quero fazer” e as coisas que “eu não quero fazer”. As práticas de atenção somente se tornaram um hábito quando consegui colocá-las na categoria “coisas que se fazem”, independentemente das minhas vontades ou preferências: como comer, dormir, andar, tomar banho… Tudo pode se tornar uma prática quando a prática não é pequena.
Eu me recuso a ditar regras no livro, a ideia é criar um arcabouço para que as pessoas possam decidir o que podem fazer. Criei estes exercícios para que nos ajudem a agir politicamente no mundo, a cuidar mais do outro e exercer a atenção como uma atitude ativa no mundo.
Uma das premissas mais interessantes do livro é que “sem atenção, não há cuidado” …
Exato, o fato da palavra cuidado estar na capa do livro não é coincidência. O templo de Copacabana, o Eininji, se chama Templo Zen do Cuidado Amoroso Eterno. O livro vem dessa vivência no Templo, que é um espaço público e, por definição, ele está aberto para todos. E por mais que algumas vezes tenhamos problemas, por não saber o histórico, as questões ou as dúvidas que as pessoas trazem consigo, sempre voltamos à mesma pergunta: Qual é o nosso propósito? Cuidar amorosamente. E para fazer isto da melhor forma necessitamos praticar a atenção.
Não é só prestar atenção. É prestar atenção e cuidar. Se cuidamos sem prestar atenção, não sabemos de quem estamos cuidando, do que a pessoa realmente precisa. Daí vem a frase principal do livro: “sem atenção, não há cuidado” . Nenhum ato pode ser mais político e mais transformador do que enxergarmos e cuidarmos umas das outras pessoas.
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*Mondo, no Zen, é um diálogo entre um discípulo e o seu mestre.
* O Bodisatva, no budismo Mahayana, é um ser que procura usar sua sabedoria para ajudar outros seres a se tornarem iluminados.
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Para saber mais sobre o livro e comprar:
alexcastro.com.br/atencao