Para ajudar nas finanças, estou alugando meu apartamento pelo site Airbnb.
O ato de sair de casa de um dia pro outro, deixando tudo pra trás, levando só uma sacola, confiando seus objetos a desconhecidos, é um exercício em desapego.
Desapego por tudo aquilo que você deixa pra trás. Desapego por seu próprio lar. Pelos livros que você caçou nos sebos de Buenos Aires. Pelas caríssimas panelas de aço inox. Pelo elegante e ascético fouton japonês. Por objetos.
Hoje, tenho roupas & cuecas, canecas & cumbucas, livros & cadernos espalhados por quatro casas, três no Rio e uma em São Paulo. Nenhuma de membros da minha família, todas de pessoas que amo como se fossem. Acordo todo dia e nunca sei em qual casa dormirei à noite.
Para facilitar minhas idas e vindas, pensei em já deixar ao pé da porta uma bolsa com os pertences que levo comigo, mas é impossível: os pertences que levo comigo já são todas as coisas que uso diariamente e, portanto, não podem ficar pré-embalados.
Meu laptop, uma pequena necessaire. É só isso que levo comigo.
O Oliver, meu cachorro, tem mais bagagem que eu: bolsa de transporte, cama, cobertor, remédios, comida, ossinhos. Somos dois ciganos que já rodaram o mundo juntos: de trem & carro, navio & avião. Agora, ele está velhinho e fica em uma das casas onde me hospedo, sob os cuidados de uma amiga querida.
Pessoas estranhas naturalmente não podem ter acesso nem à minha pasta de documentos – passaportes, diplomas, etc – e nem ao meu HD pessoal – fotos comprometedoras, etc – mas também não fazia sentido ficar levando e trazendo esse peso a cada novo hóspede. Foram deixados em definitivo na casa de uma amiga. Quando precisar deles, o que hoje acontece com cada vez menos frequência, vou lá.
Alguns amigos ficam com receio, me aconselham ter cuidado, acham que é um risco.
Mas estou arriscando o quê?
Arrisco objetos. Arrisco um futon manchado, uma panela quebrada, um livro furtado.
Mas com o dinheiro dos aluguéis, ganho… tempo.
Um casal de australianos ficou no meu apartamento por seis dias durante o carnaval e foi menos um livro chato a traduzir, menos um frila de revisão a aceitar, menos um cliente exigente a aturar.
É um mês livre que ganho para trabalhar na minha própria arte, pra escrever meu romance, pra viver, pra transar.
Arriscar objetos para ganhar tempo livre: posso imaginar poucas trocas mais sensatas.
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Leia também meu texto Menos. Para alugar meu apartamento, clique aqui e confira o anúncio.
2 respostas em “O senhorio do desapego”
hahahahaahahahaha.
Mas a vela! Ai ai ai!