Talvez meu romance preferido de todos os tempos.
Ano passado, de bobeira em uma livraria da Cracóvia, cumpri um velho ritual de viagem: ler a obra-prima de alguma grande pessoa autora do país onde estou.
Depois de muito folhear todos as opções disponíveis em inglês, acabei comprando dois: This Way for the Gas, Ladies and Gentlemen, contos de Borowski sobre Auschwitz (onde eu faria um retiro zen em poucos dias) e Manuscrito encontrado em Saragoça, de Potocki, em uma edição da Penguin.
O livro de Borowski é sensacional (difícil de imaginar uma obra de ficção melhor que poderia ter surgido de um campo de concentração) mas o de Potocki talvez seja o melhor romance que já li na vida.
Até então, meus romances favoritos eram Os miseráveis, apoteose do romance romântico do século XIX, e Cem anos de solidão, ponto de encontro de numerosas correntes do romance pós-moderno do XX.
O Manuscrito, escrito entre 1797 e 1815, alguns dos anos mais movimentados da história europeia, é, ao mesmo tempo, mais antigo que ambos e muito, muito mais contemporâneo. Ele resume o Iluminismo, introduz o Romantismo e antecipa o pós-modernismo. Tudo ao mesmo tempo.
Talvez mais importante. Os miseráveis é irredimivelmente francês. Cem anos não poderia ser mais latino-americano. Mas o Manuscrito pertence a toda a cultura ocidental: ele é nosso.
Hesito em colocar alguém na minha lista de grandes autores por somente um livro, mas, nesse caso, é um único livro, um livro infindável e infinito, que o autor passou quase toda a vida adulta bolando, escrevendo, burilando, corrigindo.
E, quando finalmente pôs o ponto final no romance, pôs também o ponto final na vida, suicidando-se com uma bala de prata.
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Essa resenha abaixo do New York Times descreve perfeitamente os enormes méritos do livro. Alguns trechos:
“In “The Manuscript Found in Saragossa” Potocki’s enlightened curiosity became the guiding principle of a literary masterpiece. As the work of a Polish author, written in French, set in Spain, contrasting and reconciling the religious outlooks of Catholicism, Islam and Judaism, it testifies to a European vision whose cultural breadth and passionate intellectual inquiry have everything to offer to readers in Europe and America today.”
“To read the novel today is to rediscover the rich philosophical preoccupations and irrepressible cultural curiosity of the Enlightenment, in Potocki’s tribute to an epoch in Europe that was already passing away as he wrote.”
“In the equivocal balance between piety and irony, and in its ecumenical reflections on such a variety of religions, “The Manuscript” becomes a summation of the Enlightenment, in which one recognizes the philosophical inflections of Voltaire and Diderot.”
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Se você fizer uma busca, vai encontrar várias traduções do Manuscrito ao português (a Devir lançou uma ano passado) mas todas são versões resumidas. Não vale a pena.
Esse é um romance gigantesco e labiríntico, um romance feito para se perder, um romance que é muito mais que a soma de todas as suas partes. Uma seleção de suas melhores histórias não faz jus nem mesmo a elas próprias e muito menos ao conjunto da obra.
Que eu saiba, a única tradução completa ao português (competentíssima) é da editora portuguesa Cavalo de Ferro, em dois belos volumes.
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Manuscrito encontrado em Saragoça, de Jan Potocki é um texto no site do Alex Castro, publicado no dia 7 de dezembro de 2017, disponível na URL: alexcastro.com.br/manuscrito-encontrado-em-saragoca-de-jan-potocki // Sempre quero saber a opinião de vocês: para falar comigo, deixe um comentário, me escreva ou responda esse email. Se gostou, repasse para as pessoas amigas ou me siga nas redes sociais: Newsletter, Instagram, Facebook, Twitter, Goodreads. // Todos os links de livros levam para a Amazon Brasil. Clicando aqui e comprando lá, você apoia meu trabalho e me ajuda a escrever futuros textos. // Tudo o que produzo é sempre graças à generosidade das pessoas mecenas. Se gostou, considere contribuir: alexcastro.com.br/mecenato
Uma resposta em “Manuscrito encontrado em Saragoça, de Jan Potocki”
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