Leio e leio, releio e releio, e acabo sempre voltando aos mesmos livros: a Bíblia e a Ilíada/Odisséia.
O século XIX tem grandes romances: os que todo mundo conhece, como Moby Dick e Os miseráveis, e os mais desconhecidos, como Fortunata y Jacinta, Cecília Valdés e Manuscrito encontrado em Saragoça. (Esses são apenas os meus preferidos.)
Até o Brasil contribuiu para a literatura com algumas obras que justificariam a existência de qualquer civilização, como as dobradinhas Brás Cubas/Dom Casmurro, Água Viva/Hora da Estrela e o magistral Grande Sertão Veredas.
Mas, quanto mais leio obras de todas as culturas ocidentais, mais se confirma minha percepção de que já está tudo na Bíblia e na Ilíada/Odisséia.
Esses livros são o verdadeiro template de todas as estruturas narrativas de nossa civilização greco-romana-cristã: desde o romanção romântico até os filmes de hollywood, só fazemos reescrevê-las e retrabalhá-las.
Tudo isso é para dizer o seguinte: gosto é gosto. Vai ver você achou Moby Dick chatão e que eu deveria ter incluído Dickens ou Austen na minha lista de grandes romances do XIX. OK.
Mas eu te peço: se você é uma pessoa ocidental que ama literatura, tudo está aberto à sua escolha, mas os livros que você não pode deixar de ler são a Bíblia e a Ilíada/Odisséia.
Esses livros não são chatos. Eles são o oposto de “chato”. Eles são quase que literalmente a definição do que não é chato: eles têm mais ação, fofoca, intriga, amor, guerra, morte, horror do que qualquer blockbuster hollywoodiano — e também beleza, filosofia, sentimento, poesia, inspiração.
Se você achou alguns deles chato, o mais provável é que tenha lido uma tradução chata, antiquada, engessada, formal.
Quando se trata de livros tão antigos precisamos sempre de uma ajuda profissional para trazê-los à vida para nós.
Qualquer edição de Dom Casmurro vai trazer basicamente o mesmo texto. Diferentes edições da Bíblia ou da Ilíada, dependendo de qual texto original foi utilizado, da filosofia da tradução (literal ou dinâmica), da escolha de traduzir em verso ou em prosa, e do aparato crítico (introdução, notas, glossário), podem se apresentar como livros radicalmente diferentes.
Então, antes de ler, é preciso pesquisar um pouco qual edição utilizar.
Antes, uma explicação sobre traduções.
Toda tradução se empenha em transmitir tanto o significado quanto as palavras do texto original. Dinâmica é aquela tradução que, em casos dúbios, dá preferência ao significado; literal é aquela tradução que, em casos dúbios, dá preferência às palavras. Então, por exemplo, ler a Bíblia ao mesmo tempo em uma excelente tradução dinâmica, como a do Peregrino, e em uma excelente tradução literal, como a de Jerusalém, pode ser uma experiência literária fascinante.
Frederico Lourenço, que estará na FLIP desse ano, tem duas grandes traduções da Odisseia e da Ilíada ao português, fluentes e precisas, lançadas pela Companhia das Letras com excelente aparato crítico (introdução, mapas, notas, glossário). São as traduções que eu recomendo.
Também adoro a Ilíada de Haroldo de Campos, mas essa é menos acessível. Todas as outras traduções brasileiras no mercado me parecem excessivamente duras e difíceis de ler. Para quem lê inglês, recomendo muito a Ilíada de Alexander Pope (belíssima), e a Ilíada e a Odisséia de Stanley Lombardo (fluentíssimas), publicadas pela Hackett.
Além disso, o mesmo Lourenço (bendito seja) também está traduzindo ao português a Bíblia grega. (Ou seja, os textos originais do Novo Testamento e a tradução do Velho Testamento ao grego.) Já saiu no Brasil o primeiro volume, com os Evangelhos, e já saiu em Portugal o segundo, com o resto do Novo Testamento. O terceiro, com os livros proféticos, que eu amo, sai por lá no segundo semestre. Recomendo todos.
Para a Bíblia em um só volume, a minha preferida é a Bíblia do Peregrino (mais difícil de encontrar, tradução dinâmica, melhores notas literárias), seguida muito de perto pela Bíblia de Jerusalém (fácil de encontrar, tradução literal, melhores notas históricas).
Perdoem esse papo de velho literato.
4 respostas em “Biblía, Ilíada, Odisséia, indispensáveis”
[…] acumulada, contando histórias em volta da fogueira, foram necessários para produzirmos uma Ilíada, o obra fundadora da nossa […]
O que que a Íliada tem de verdade histórica, o mesmo vale para a Bíblia. São livros que apareceram devagarinho e foram se alterando com o tempo. Porque a Bíblia e sagrada e a ìliada não é. Nenhum dos dois contém a legítima verdade histórica.
olá. essas traduções da saraiva de bolso são de carlos alberto nunes, de quem eu falo no texto. eu acho que é uma tradução difícil de ler, mas isso você é que vai dizer. :)
Boa noite, Alex!
A Bíblia, Ilíada e a Odisseia. Até o momento, li por completo Ilíada, parcialmente a Bíblia (gostei dos livros sapiênciais) e estou no canto XXI de Odisseia. Os livros que desafiam e vencem o tempo por milênios me fascinam. As versões da obra de Homero que li são as da coleção Saraiva de bolso, como você clássica essas traduções? O senhor aconselha outra versão dos clássicos?