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a vida, pesada

aos 38, finalmente entendo quem desiste do amor.

para muitas pessoas, essa decisão pode ser o ponto ótimo de equilíbrio entre uma libido cada vez mais enfraquecida e um acúmulo de más experiências cada vez mais paralisante.

não estou lá ainda — mas agora entendo.

hoje, minha capacidade de amar me parece um velho número de telefone que costumava saber de cor. você não sente a existência dele no seu dia-a-dia, mas quando puxa, ele vem — até o dia em que descobre, muito para sua surpresa, que aquela gaveta mental está vazia. 345 ou 355? já não sabemos mais.

algo com que sempre contei não está mais comigo. algo que pode voltar em dois meses, ou dois dias, ou nunca, me deixando pra sempre um velho tio solteirudo.

e, pior, feliz e satisfeito em sua decisão de desistir do amor.

* * *

“Ou somos nós mesmos ou não somos coisa nenhuma. E para ser si mesmo é preciso um trabalho de mouro e uma vigilância incessante na defesa, pois tudo conspira para que sejamos meros números, carneiros nos vários rebanhos. (…) Há no mundo ódio a exceção e ser si mesmo é ser exceção.” (Roberto Freire, em sua Autobiografia)

* * *

minha vida, que sempre foi tão leve, ficou pesada pela primeira vez — e estou tentando recuperar o homem que sempre fui, um dia de cada vez.

mas ser você-mesmo, ser o você-mesmo-que-você-quer-ser, é um exercício diário, constante, sisifeano. é um contínuo perguntar:

o que o alex-que-eu-quero-ser faria agora?

13 respostas em “a vida, pesada”

Eu, aos, 49 anos, finalmente entendo quem desiste do amor, também. Demorei 11 anos a mais que você.

Hoje, depois de amar profundamente três vezes, sendo correspondido duas destas vezes. O meu último Grande Amor, minha linda esposa, faleceu há dois anos. Hoje, estou de novo apaixonado (ainda não é um Grande Amor), sendo, relativamente, correspondido, mas está tudo complicado demais, sofrido demais, com dúvidas demais, cansativo demais, tudo isto em troca de alguns momentos de delicioso gozo COM amor. Vale a pena?

Hoje, entendo: “Toda emoção é de dor” (De um livro recomendado por você).

Boa Sorte para você, Alex!
E para mim também!

É, tem razão; não abri o texto, vi apenas a sucessão deles todos, onde não aparecem os comentários… Então repeto aqui que o texto sobre o amor e a questão do ser você mesmo esbarra no fato de que só se é o que se é porque se vive naquilo que não se é, isto é, em um mundo variado de coisas e pessoas que transformam aquilo que se é em múltiplas interseções com tudo que existe.

Tomei essa decisão em 2004 e estou muito bem obrigada! Tenho uma preguiça de relacionamentos onde o amor tem aquele preço de obrigações, hoje estou mais para uma amizade colorida kkkk!

Vivem em nós inúmeros;
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.

Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faço-os calar: eu falo.

Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu ‘screvo. Fernando Pessoa

O eterno “fugir da boiada” e, ao mesmo tempo, sentir-se veloh de mais para andar na contramão.
A sensação de se estar sozinho nesse momento é grande. Por outro
lado, há uma “boiada” de pessoas-que-insistem-em-ser-elas-mesmas vagando na mesma vibração. Se é que isso serve de consolo.Certamente é algo a ser elaborado um dia de cada vez.

Alex
Eu me senti assim nos ultimos dois anos, eu penso. E de repente, entendi q eu podia amar o amor possivel. Só.Da menos trabalho. Estou amando o meu amor, sendo feliz com o possivel. E sei lá. Amo amar o possivel. E isso tambem passa. Espere . Qualquer coisa avisa ai, tomamos uma cerveja.

alex, só te lembro uma coisa: você voltou há pouquissimos meses. por menos que isso possa parecer ter ligação com a situação quem tem pesado em sua vida, acho que o baque, o desejo enorme de retorno, etc tem tudo a ver sim. há de se reinventar por voltas os lugares de si mesmo construidos pelas expectativas.

pois é, ser si mesmo é muito solitário. o jeito é sê-lo desfrutar disso, o que não é pouco. e saber que se chegar that special someone será icing on the cake

Como você falou no post do Papo de Homem sobre cabelos: ninguém precisa se anular, se mutilar ou se oprimir para não ser sozinho, para encontrar amor verdadeiro, para transar, para ser feliz. Mas às vezes é tão difícil conciliar tudo isso com um amor. Espero que você consiga conciliar.

a questão não é nem medo nem coragem. eu nunca tive medo de nada, e nunca fui corajoso. a questão é de preguiça vs disposição.

“mas ser você-mesmo, ser o você-mesmo-que-você-quer-ser, é um exercício diário, constante, sisifeano. é um contínuo perguntar:

o que o alex-que-eu-quero-ser faria agora?”

Alex, essa idéia de, na bela expressão, ser o você-mesmo-que-você-quer-ser eu aprendi com você e é das coisas mais importantes que eu aprendi na minha vida. É difícil pra caralho. Começando pelo fato de que já é difícil decidir quem você quer ser. Chegar nesse ponto é uma segunda batalha.

Mas valeu, porque (tentar) tomar controle do rumo da própria vida é o único modo decente de viver.

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