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aula 08: revoluções

A Revolução Francesa

A Revolução Francesa foi diferente de tudo, não só pelas rupturas que provocou mas por ter estendido o horizonte de possibilidades da política e da sociedade.

Um dia, em uma pequena ilha do Caribe, as pessoas escravizadas ouviram que seus senhores, do outro lado do mar, tinham proclamado que todos os homens tinham direito à liberdade, à igualdade, à fraternidade. Quando descobriram, no navio seguinte, que isso não se aplicava a eles, já era tarde: se rebelaram, tomaram controle de suas vidas e o mundo nunca mais foi o mesmo. A segunda independência das Américas determinou todo o curso do século XIX: tudo o que se fez ou deixou de se fazer no continente foi sempre em função de ou repetir o Haiti ou impedir que o Haiti se repetisse. O livro Os jacobinos negros, escrito por um intelectual marxista de Trinidad e Tobago, coloca a Revolução Haitiana no contexto da Francesa, um exemplo de todas as suas potencialidades e limites, todas as suas virtudes e paradoxos.

Essa mesma Revolução Francesa, à qual os haitianos primeiro tentam aderir e da qual depois precisam se defender, logo é traída, cooptada por um caudilho e derrotada definitivamente. Nesse momento, começa a ação de Os Miseráveis, que vai de Waterloo até a eclosão da primeira das muitas Revoluções urbanas e populares que abalariam a França e toda Europa ao longo do século XIX. Seu tema principal, nas palavras do autor, é “a degradação do homem pelo proletariado, a prostituição da mulher pela fome, e a atrofia da criança pela ignorância”.

Nenhum clássico é tão acessível, envolvente, revoltante, generoso. Ao longo de infinitas opressões, a narrativa nunca é dura ou distante, fria ou condescendente. Em um século onde o cinismo já é quase obrigatório, Os Miseráveis nunca cede, nem uma única vez, em seu projeto de denunciar a estrutura, não as pessoas: ataca a maldade, mas sem malvados; critica a opressão, mas sem opressores. O Inspetor Javert, implacável perseguidor do herói Jean Valjean, é o mais duro de todos os homens, mas Hugo nos transmite sua dureza sem nunca ser duro com ele: Hugo ama Javert tanto quanto ama Valjean, tanto quanto ama cada uma de suas centenas de personagens. Dotado de transbordante empatia, Hugo entende porque são como são e as absolve a todas, sem nunca perdoar a sociedade que as criou, as deformou, as oprimiu.

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A Revolução Francesa

Foi diferente de tudo, não só pelas rupturas que provocou mas por ter estendido o horizonte de possibilidades da política e da sociedade. Mesmo com a reação conservadora que se seguiu, esse enorme leque de possibilidades nunca mais deixou de estar aberto, nunca mais deixou de ser bandeira política de diversos grupos organizados.

Antes dela, os princípios da legitimidade do poder real eram: 1, princípio dinástico: nascer numa determinada linhagem conferia poder; 2, que o poder político derivava diretamente de Deus, que era quem escolheria quem nasceria nessa linhagem.

Sociedade da época era uma “sociedade de ordens”, ou de Estados, baseada em três Estados: clero, nobreza, e plebeus (o terceiro estado). Não eram grupos homogêneos, não uma divisão de classes: pois, em cada estado, havia ricos e pobres.

Os burgueses mais ricos do Terceiro Estado podiam comprar títulos de nobreza e ascender, tornando-se assim “nobreza de robe” para distingui-los da “nobreza de espada”, composta pelas famílias nobres cujo direito nobiliárquico vinha dos tempos feudais.

Na década de 1780, em grave crise financeira, o Rei decide passar a cobrar impostos de todos os proprietários de terra. Os nobres, muitos dos quais desfrutavam de isenção, se recusam, não só por razões econômicas, mas de prestígio, pois o imposto igualaria todos os nobres, os novos e os antigos. Para evitar que o rei diminua seus privilégios, a nobreza consegue impor a convocação dos Estados Nacionais para debater os problemas financeiros do reino, uma assembléia composta pelos três estados e que não se reunia desde 1614. Enfraquecido, o rei cede. Ou seja, essa primeira fissura no edifício do absolutismo foi causada por uma nobreza ansiosa para retornar ao passado, não para criar o novo.

Os Estados Nacionais são convocados para maio de 1789 e só na virada do ano anterior, de 1788 para 1789, o preço do pão em Paris tinha dobrado. O pão era parte central da dieta dos trabalhadores mais pobres, consumindo às vezes 50% a 80% do orçamento familiar. Um aumento desse nível jogou várias famílias na fome. As tensões sociais só faziam aumentar e cada vez mais o povo também depositava suas esperanças na assembléia dos Estados Nacionais.

Na época, começava a circular uma nova idéia, inspirada tanto pela Revolução Americana quanto pelos filósofos iluministas: humanidade. Ou seja, a ideia de que haveria algo especial nos seres humanos, uma natureza igual para todos. Essa ideia é justamente corrosiva para os fundamentos de uma sociedade de ordens, onde a ideia era de que o nascimento em determinada ordem ou situação atribui qualidades distintas a cada indivíduo, e q não se devia fugir disso.

O rei continua sofrendo pressões: em geral, a representação de cada estado era do mesmo tamanho, permitindo que clero e nobreza se unissem para fazer valer seus projetos. O Terceiro Estado exige que sua bancada seja do mesmo tamanho que a do clero e nobreza juntos, e o rei, mais uma vez, cede.

Também não havia assembléia geral: cada Estado se reunia em separado, tomava suas decisões e as comunicava ao rei. O Terceiro Estado, pelo contrário, exige uma assembléia geral onde todos os estados sentem juntos e debatam juntos. O rei se recusa. E o Terceiro Estado, por sua vez, se recusa a participar dos Estados Gerais até que todos sentem juntos. Pouco a pouco, alguns membros mais pobres dos nobres e do clero se juntam à Assembléia do Terceiro Estado até que ela se declara unilateralmente Assembléia Nacional. O rei, mais uma vez, cede: reconhece a Assembléiab Nacional do Terceiro Estado como Assembléia Constituinte e ordena que os outros dois estados se juntem a ela.

É importante salientar esses primeiros passos porque cada um deles foi muito importante em lentamente minar a autoridade absoluta do rei, que antes se considerava vinda direto de Deus. Até essa época, a única legitimidade que se reconhecia era a do Rei. Isso começa a mudar agora.

Mas o rei a e a nobreza estavam insatisfeitos com o poder que o Terceiro Estado vinha demonstrando. O rei convoca tropas para a cercania da Assembléia, esperando poder dissolve-la em breve e, em resposta a esse aparente pré-golpe de estado, a população de Paris se insurge, invadindo e depredando, entre outros prédios públicos, a Prisão da Bastilha (14jul89), um dos símbolos do regime — apesar de só contar com 7 presos.

Para conter as depredações, a Assembléia passa uma serie de decretos q efetivamente acabam com o Antigo Regime na França: desmontam o regime feudal, acabam com os privilégios fiscais, com as ordens, com o caráter hereditário dos títulos de nobreza. Se o povo está radicalizado, a Assembléia Nacional (reconhecida pelo rei!) também está.

Em agosto, mês seguinte à queda da Bastilha, a assembléia vota a declaração dos direitos do homem e do cidadão, estabelecendo que são direitos universais, naturais, inalienáveis e sagrados do homem a liberdade, a segurança, a propriedade, a resistência à opressão. As liberdades de expressão, religião e imprensa são consideradas invioláveis e aos cidadãos é garantido tratamento igualitário pela justiça.

É impossível enfatizar o quanto tudo isso era revolucionário e ia contra todo o funcionamento do país até então, uma sociedade de ordens onde tudo, desde quanto imposto se pagaria até o seu tratamento na justiça, era determinada pela ordem onde a pessoa havia nascido. Era uma completa negação do passado.

Quanto mais ações radicais a Assembléia toma, mais radical ela se torna. Começa a ganhar forma uma ideia ainda mais radical: que o povo seria o detentor da soberania nacional e que, por meio de seus representantes, delegaria ao rei o poder executivo de governar — podendo, no máximo, vetar as leis passadas pela Assembléia. Os defensores dessa ideia, tanto membros do Terceiro Estado, quanto os membros do primeiro e do segundo que se juntaram a ela, se sentam do lado esquerdo da sala — em relação à mesa do presidente. Os defensores da prerrogativa do rei, da nobreza, do clero, à direita.

O Rei, que convocara os Estados Nacionais e esperava dissolvê-los rapidamente depois de passar seu aumento de impostos, acaba se vendo com seus poderes, prerrogativas, soberania severamente limitados.

Naturalmente, os princípios somente iam tão longe. Os direitos do “homem” naturalmente eram somente para homens, e homens brancos: não incluíam mulheres e pessoas escravizadas. Algumas vozes pediram sufrágio universal masculino, mas foram voto vencido. Decidiu-se que o voto seria censitário, ou seja, baseado em renda. Havia cidadãos ativos, com renda suficiente para votar, e os passivos, que apenas “desfrutar dos benefícios da sociedade”. Entre os ativos, havia os eleitores de primeiro grau, que podiam apenas votar, e os eleitoras de segundo grau, os mais ricos, que podiam votar e ser votados.

(No Brasil Império, as eleições funcionam assim também: o voto era censitário e masculino, onde a renda anual determinava exatamente como cada pessoa podia votar ou para o que poderia se eleger. Os chamados “eleitores de paróquia” (renda mínima: 100 mil réis/ano) votavam nos “eleitores de província” (200) que, por sua vez, votavam em deputados (para se eleger deputado, era necessária renda mínima de 400 mil réis/ano) e senadores (800).)

Em meio às agitações e debates, começam a surgir dentro do Terceiro Estado subgrupos com objetivos específicos: os jacobinos, que começaram como uma agremiação de quem lutava contra o Antigo Regime e seus privilégios, mas que logo se radicalizam; os chamados sem-culotes, formados pelas parcelas mais pobres da população, que aceitavam como cidadãos passivos e mulheres, e buscavam mudanças mais profundas e democráticas;

Progressivamente sem poder e acuado, o rei tenta fugir em junho de 1791 mas é capturado. Seu plano era sair do país, buscar apoio de outros monarcas absolutistas estrangeiros, voltar com um exército e recobrar seus poderes absolutos. Tanto a sua fuga quanto a ameaça de guerra ajudam a unir e radicalizar grande parte do país em torno da Revolução.

Os acontecimentos vão se precipitando. As monarquias aliadas européias, capitaneadas por Áustria e Prússia, ameaçam especificamente a cidade de Paris, dizendo que vão “destruir completamente a cidade” se for praticada qualquer violência contra o rei ou sua família. Em seguida, os exércitos estrangeiros começam a avançar em direção a Paris, gerando medo e execuções sumárias de ambos os lados. Na noite de 9 para 10 de agosto de 1792, a multidão invade o palácio, o rei e sua família acabam precisando buscar abrigo na Assembléia Nacional. No mesmo dia 10, pressionada pelas multidões, com os exércitos estrangeiros se aproximando, a Assembléia suspende o rei e convoca eleições para uma nova assembléia que decidirá o destino do país. Essa é a Assembléia conhecida como Convenção.

Ela abole a monarquia, funda a república (20set1792) e condena o rei à morte (18jan1793). Poucos dias depois, é formada a Primeira Coalizão, unindo as monarquias européias desejosas que esse mau exemplo não chegue às suas terras: Inglaterra, Holanda, Áustria, Prússia, Rússia, Espanha, Piemonte.

É difícil exagerar o quanto esses anos foram caóticos. O governo da Convenção estava enfrentando, no campo exterior, quase todas os reinos da Europa. Havia rebeliões pipocando por todo país, tanto conservadoras e nobres, como populares e radicais. E o governo enfrentava ainda oposição dentro de si, dos girondinos, que acabam derrubados. No meio disso tudo, continuam criando leis absolutamente novas e inéditas, e gerenciando o dia a dia do país.

Uma nova constituição é promulgada em junho de 1793, a mais democrática que a França jamais teve, e que nunca entra em vigor. Ela declara que a felicidade comum é o propósito da vida em sociedade. A igualdade é o primeiro direito mencionado (depois, na ordem, liberdade, segurança, propriedade), mas, dessa vez, em definição expandida: uma igualdade natural de todos os homens. Parte daí a ideia que, dado que os homens são criados iguais, que todas as desigualdades entre eles são distorções criadas pela sociedade (não pela natureza, não por Deus) e, portanto, podem ser corrigidas por essa mesma sociedade. Por isso, o Estado toma para si a obrigação de diminuir essas desigualdades, garantir a igualdade de condições entre os cidadãos, e garantir direito à assistência pública, ao trabalho, e à educação. A partir daí, várias medidas de assistência social são tomadas, todas partindo desse inédito principio: que as desigualdades são derivadas da ação do homem, não de deus, não da natureza, e que o estado tem o dever de combatê-las. (Em uma sociedade que até pouquíssimos anos atrás funcionava na base de estamentos estanques, nada poderia ser mais revolucionário.)

A Constituição, entretanto, era uma constituição de paz, que só entraria em vigor quando o país saísse do estado de guerra. Mas o estado de guerra era constante, tanto interno quanto externo. O mesmo governo que criou essa constituição é o que institui o Terror, para combater os contra-revolucionários internos. Em poucos anos, mais de 40 mil pessoas são guilhotinadas. Surge aí outro conceito inédito que vive até hoje: a construção de um mundo melhor através da eliminação física de dissidentes e descontentes.

Quando finalmente os líderes populares responsáveis pelo Terror (Danton, Robespierre, etc.) são derrubados e mortos, a Revolução toma um rumo menos popular e mais burguês, mantendo distância tanto dos nobres contra-revolucionários como dos arroubos revolucionários dos líderes mais populares. O grupo que chega ao poder são os termidorianos, uma referência à data do golpe (9 do Termidor, ou 27 de julho). Uma nova constituição é promulgada em 1795, matizando os princípios de igualdade, liberdade, e até soberania, que agora emanaria somente dos cidadãos, definidos por critérios censitários. Em suma, seria uma república de proprietários.

Os termidorianos continuam enfrentando os mesmos inimigos: o externo e os internos, entre populares e realistas. Entretanto, a maré da guerra externa vira e os franceses começam a ganhar uma série de vitórias, graças, entre outras coisas, a um jovem oficial Napoleão Bonaparte. Uma série de vitórias relâmpago a partir de 1796 (não por acaso, o ano da prisão de Jean Valjean em Os Miseráveis) faz com que todas as nações inimigas, menos a Inglaterra, firmem a paz e se retirem do campo de batalha.

Embora a Inglaterra continue hostil no mar, o continente é francês e o exercito conta com enorme prestígio, tornando-se então garantidor do regime e participando de diversos golpes. Os governos, assembléias e diretórios se sucedem. Até que, finalmente, o peso da década de caos institucional começa a se sentir e as elites sentem a necessidade de um governo forte para conter a instabilidade e vencer as guerras internacionais que haviam recomeçado.

Por fim, o golpe do 18 do brumário (9nov1799) extingue o governo e o coloca nas mãos de três homens fortes, três cônsules, um deles Napoleão. Em 15 dezembro, ao apresentar uma nova constituição, redigida em 10 dias, eles afirmam que o ciclo da revolução terminou, q ela estava consolidada.

A experiência democrática é abolida e a nova constituição abandona o principio de soberania popular. Na verdade, a revolução estava sim terminada, mas não por ter sido consolidada, mas negada.

Talvez o legado mais importante da Revolução Francesa tenham sido suas promessas. Sim, o experimento gerou dez anos de caos interno. As guerras externas ainda se estenderiam por mais quinze. Mas, justamente, apesar do medo das elites européias, as idéias e promessas e possibilidades da Revolução foram espalhadas por toda a Europa pelos soldados rasos franceses, e ouvidas com atenção pelos soldados, camponeses, burgueses de todos os lugares por onde passaram.

A partir de então, idéias revolucionárias e subversivas à antiga ordem passam a não apenas serem possíveis, mas também articuláveis. Direitos do homem, soberania popular, assistência social estatal, liberdade, igualdade, fraternidade. Foram abertas portas que já não poderiam ser fechadas.

(Por exemplo, os russos expulsam Napoleão em 1812 e ocupam Paris até 1821. Mas já em 1825 acontece o primeiro movimento revolucionário anticzar abertamente inspirado pela Revolução, os dezembristas. Originalmente, aliás, esse movimento seria o tema de Guerra e Paz, de Tolstoi.)

As revoluções de 1830 e 1848, que acontecem na maioria das nações européias, para não falar da unificação italiana, são todos alimentados pelos ideais da revolução francesa.

O século XIX começa com quase todas as nações da Europa, ainda vivendo sob o Antigo Regime, combatendo uma França que acabara de encerrar o ciclo revolucionário, e termina com quase todas as nações da Europa, ao mesmo tacitamente, já tendo absorvido, incorporado, normalizado algumas das pautas revolucionárias que haviam parecido mais radicais nos anos 1790.

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O pós-revolução francesa

Junto com exercito franceses, marcharam as instituições francesas.

Congresso de Viena, em 1815: onde os vencedores de Waterloo tentam refazer o mapa da Europa e conter os avanços das idéias da Revolução Francesa. Novos tratados criavam a ideia de uma Santa Aliança, ou seja, de que os monarcas todos da Europa seriam membros de uma santa aliança e teriam obrigação de defender os direitos dinásticos uns dos outros contra insurreições populares ou burguesas.

Por toda a Europa, grupos se organizam para lutar contra esse concerto das nações de acordo com as idéias da revolução francesa. São pessoas que defendem o constitucionalismo, os direitos civis, as liberdades econômicas: o liberalismo. Seu inimigo era o absolutismo, a centralização, o protecionismo, o antigo regime, a sociedade de ordens. (A constituição espanhola de 1812, logo abolida em 1820, é a primeira a se autodenominar “liberal”.)

As revoluções que assolaram quase todos os países europeus em 1848 foram retumbantemente derrotadas. Na maioria dos países, não deixaram nenhum rastro, a não ser uma elite ainda mais assustada e, por isso, radicalizada em seu medo a tudo que dissesse respeito ao povo. Somente na França se conseguiu a república, o sufrágio universal e as liberdades civis, mas nenhuma das demandas de reforma social. No resto da Europa, nem isso. A reação conservadora foi vitoriosa e total.

Ainda assim, foram um marco importantíssimo. As idéias liberais, filhas da Revolução Francesa, apesar de derrotadas, estavam cada vez mais entranhadas e normalizadas no imaginário europeu. A ordem política instituída pelo Congresso de Viena tinha sido militarmente vitoriosa, mas a batalha de idéias já estava perdida. Na virada do século XIX para o XX, um conservador europeu era alguém que, em larga medida, considerava naturais e autoevidentes algumas das demandas mais radicais dos revolucionários de 1789.

Na Revolução Francesa, assim como na Inglesa, os burgueses estavam lado a lado com todo tipo de radical em suas lutas contra a nobreza e o clero. Um dos movimentos políticos mais importantes da primeira metade do século XIX, que já começa em plena Revolução Francesa e atinge sua culminação em 1848, tanto nas revoluções que tomam o continente, quanto pela publicação do Manifesto Comunista, é a separação desses dois grupos. As revoltas e revoluções de 1848 trazem a certeza que uma revolução social de fato era algo que poderia acontecer em qualquer país. Fica claro, para movimentos como operário, anarquista, socialista, comunista, etc., que havia um limite bem claro do qual a burguesia liberal nunca passaria. Desse limite em diante, ela se tornava inimiga ferrenha das aspirações democráticas desses grupos mais radicais. Para esses grupos, a nova tática passa a ser se organizarem por conta própria. (O Manifesto Comunista, mais uma vez, é parte desse processo programático.)

Por isso, o ciclo que começa com as idéias de liberdade assustando os conservadores termina com os burgueses liberais, assombrados pelos espectros não só do comunismo, mas de todos os movimentos radicais, passando para o lado da lei e da ordem. Os próprios conservadores percebem que, por mais que discordem do programa liberal, que, se bem controlado e moderado, ele pode ser muito menos corrosivo do que as demandas dos grupos radicais. Na política européia, assim como na brasileira, os grandes grupos políticos são os conservadores e os liberais, disputando pequenas mudanças incrementais, mas ambos sempre fortemente unidos contra qualquer demanda que venha debaixo.

De certo modo, as divisões políticas do nosso mundo contemporâneo começam aqui: a política da primeira metade do século XIX nos pareceria alienígena; a política da segunda metade do XIX é uma variação da nossa.

Nesse ponto, Os Miseráveis é um excelente exemplo de um livro liberal: nada conservador ou clerical, preocupado com questões sociais ao ponto de defender mudanças suaves e incrementais, mas jamais ao ponto de endossar violências, revoltas, rebeliões.

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Esse texto faz parte dos guias de leitura para a oitava aula, Revoluções, do meu curso Introdução à Grande Conversa: um passeio pela história do ocidente através da literatura. Esses guias são escritos especialmente para as pessoas alunas, para responder suas dúvidas e ajudar em suas leituras. Entretanto, como acredito que o conhecimento deve ser sempre aberto e que esses textos podem ajudar outras pessoas, também faço questão de também publicá-los aqui no site. Todos os guias de leitura das aulas estão aqui. O curso aconteceu entre julho de 2020 e março de 2021 — quem se inscrever depois dessa data tem acesso aos vídeos das aulas anteriores.

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A Revolução Francesa é um texto no site do Alex Castro, publicado no dia 17 de março de 2021, disponível na URL: alexcastro.com.br/revolucao-francesa // Sempre quero saber a opinião de vocês: para falar comigo, deixe um comentário, me escreva ou responda esse email. Se gostou, repasse para as pessoas amigas ou me siga nas redes sociais: Newsletter, Instagram, Facebook, Twitter, Goodreads. // Todos os links de livros levam para Amazon Brasil. Clicando aqui e comprando lá, você apoia meu trabalho e me ajuda a escrever futuros textos. // Tudo o que produzo é sempre graças à generosidade das pessoas mecenas. Se gostou, considere contribuir: alexcastro.com.br/mecenato

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