A próxima obra que leremos no curso Introdução à Grande Conversa será o Martín Fierro, de José Hernandez, obra máxima da literatura argentina.
Um dos alunos procurou pela tradução inglesa da obra e só encontrou uma. E perguntou:
“O Martín Fierro é tão canônico quanto as outras obras? É tão canônico quanto um Os Miseráveis?”
Depende.
Porque não existe simplesmente “ser canônico”. Toda canonicidade é marcada por um recorte temporal.
Os Lusíadas (que lemos na sexta aula) é canônico no Brasil e em Portugal hoje, e pelos últimos 500 anos — mas não é na China, nem hoje nem nos últimos 500 anos. Nos próximos séculos, continuará canônico no Brasil e em Portugal? Se tornará canônico em outras línguas, culturas, países?
A obra de Monteiro Lobato foi canônica no Brasil (e em nenhum outro lugar) por todo o século XX e, agora, está deixando de ser. Continuará canônico na virada do XXI pro XXII? Dependerá da aceitabilidade das versões corrigidas e sanitizadas que começaram a sair agora.
Dom Casmurro é canônico? Claro que sim. Certamente a obra brasileira de ficção mais canônica de todas. Isso quer dizer que seja canônico no mundo inteiro, em todas as línguas, em todas as épocas? Claro que não. (O mercado anglófono, por exemplo, a cada 20, 30 anos, esquece Machado e relembra de novo. Ainda me lembro da última vez em que foi “descoberto”, nas décadas de 1970 e 1980, quando Susan Sontag e Harold Bloom o elogiaram. Agora, em 2020, parece que foi descoberto de novo, na tradução da Flora Thomson-Devaux.)
No curso Introdução à Grande Conversa, apesar de não falarmos de Brasil, fiz questão de dedicar duas aulas às duas nações que nos são mais próximas, Portugal e Argentina, onde vamos ler a obra mais canônica de cada uma.
O Martin Fierro, leitura da nona aula, é a obra fundamental para entender a Argentina: a que todo mundo leu, ouviu, cantou, que está na boca de todas as pessoas.
Mais importante, é uma obra que ilumina e ilustra não só o processo de formação nacional nas Américas, mas também a grande dicotomia que enfrentamos até hoje: barbarie vs civilização, eu vs outro, branco vs negro. Quase tudo que Hernandez articula sobre “el sur” se aplica em larga medida ao “velho oeste” e ao “sertão”, ambientes sempre construídos como o espaço do Outro em oposição ao mundo das elites urbanas.
Em 2021, meu próximo curso será dedicado à Grande Conversa Brasileira. Para quem quiser me acompanhar, pelo menos quatro de nossas obras principais dialogam diretamente com o Martin Fierro e com as questões que levanta: O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo; Os Sertões, de Euclides da Cunha; Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa; e Romance da Pedra do Reino, de Ariano Suassuna.
O Martin Fierro ficou tão importante e tão canônico porque, além de sua qualidade literária, ele consegue se inserir, como quase nenhuma outra obra, no cerne dos diálogos constitutivos das nações americanas — inclusive os EUA.
Sobre os cursos
Ainda faltam três aulas para acabar o curso em andamento, Introdução à Grande Conversa: Os Miseráveis, 14jan; Martin Fierro, 11fev; Borges e Tchecov, 11mar.
Dá pra entrar no meio: você assiste as próximas aulas ao vivo, pelo Zoom, e assiste as antigas na gravação. A gravação das aulas ficará disponível até o final de 2023.
O próximo curso, A Grande Conversa Brasileira, começa em abril de 2021, e ainda não está à venda.
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O que é “ser canônico” é um texto no site do Alex Castro, publicado no dia 11 de janeiro de 2021, disponível na URL: alexcastro.com.br/ser-canonico // Sempre quero saber a opinião de vocês: para falar comigo, deixe um comentário, me escreva ou responda esse email. Se gostou, repasse para as pessoas amigas ou me siga nas redes sociais: Newsletter, Instagram, Facebook, Twitter, Goodreads. // Todos os links de livros levam para Amazon Brasil. Clicando aqui e comprando lá, você apoia meu trabalho e me ajuda a escrever futuros textos. // Tudo o que produzo é sempre graças à generosidade das pessoas mecenas. Se gostou, considere contribuir: alexcastro.com.br/mecenato