cinco haicais
escritos na juventude de bashô, entre 1666 e 1672.
na festa junina
corações desencontram
chuvorgasmo
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botões de flor
pena que primavera não abre
uma bolsa de poemas
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dentro da igreja
fiéis não têm como saber
cerejeiras em flor
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casal de veados
pêlo no pêlo em consenso
pêlo tão duro
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broto de bambu
gerações também escorrem
pelo orvalho
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algumas notas
no original do primeiro haicai, bashô faz referência a um festival de verão, frequentemente interrompido por chuvas, onde havia o equivalente das nossas simpatias românticas de santo antonio nas festas juninas. a última palavra é um neologismo entre chuva e orgasmo.
no original do terceiro haicai, ao invés de “igreja”, bashô cita o nome de um templo budista. esse haicai é geralmente considerado uma crítica ao egocentrismo das pessoas religiosas que “rezam” muito mas não enxergam o mundo a sua volta.
em suas cartas, bashô revelou desejos homoeróticos que não se sabe se realizou. o quarto haicai é geralmente lido sob essa luz. é interessante a repetição da palavra “pêlo” três vezes. o animal “veado” tem uma conotação homossexual em nossa cultura, mas não, que eu saiba, na japonesa.
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bashô é um dos grandes nomes da literatura mundial e mestre reconhecido em haicai. as versões acima, libérrimas, são minhas, baseadas na tradução inglesa muito bem anotada por jane reichhold, publicada pela kodansha.
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a bananeira
em 1680, um estudante deu a bashô uma muda de bananeira para seu jardim, uma árvore muito rara e exótica no japão. sobre ela, o poeta escreveu:
“suas flores, ao contrário de outras, não têm alegria alguma. seu tronco é intocado pelo machado, pois sua madeira não serve para nada. porém, amo essa árvore por sua própria inutilidade. … sento sob suas folhas e aprecio ver o vento e a chuva soprando contra ela.”
pouco depois, o poeta mudou pela última vez de pseudônimo e passou a assinar “bashô”, nome pelo qual está eternizado.
em japonês, “bashô” quer dizer “bananeira”.
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a libélula
um dos alunos de poesia de bashô veio mostrar a ele, empolgado, um haicai sobre arrancar as asas de uma libélula para deixá-la parecida a uma pimenta vermelha.
bashô, que não tolerava crueldade nem no faz-de-conta, sugeriu trocar a ordem dos fatores: acrescentar asas a uma pimenta vermelha para deixá-la parecida a uma libélula.