O Guia do caminho do bodisatva (Bodhicaryavatara) é um poema escrito na Índia do século VIII pelo monge Santideva.
De todos os muitos textos budistas, tornou-se o meu preferido, um dos livros mais importantes da minha vida e, seguramente, o que mais se aproxima de ser o meu guia de conduta moral.
O livro descreve tudo que tento ser, tudo que falho em ser, tudo que continuo tentando ser.
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Nossos desafetos e como tratá-los
(Uma tradução livre de trechos do capítulo 6, “Paciência”.)
Todos os nossos atos generosos,
construídos ao longo de uma vida,
podem ser demolidos e desfeitos,
por uma única fagulha de fúria.
Não há mal pior que a fúria.
Não há bem maior que a paciência.
Por isso, com esforço, com zelo,
minha paciência desenvolvo.
Não há paz, não há prazer,
não há segurança, não há sono,
enquanto o dardo da fúria
está cravado em meu coração.
Aconteça o que acontecer,
a paz mental vou manter.
Pois o abatimento me impede
de atingir objetivos virtuosos.
Se problema tem solução,
não há porque se abater.
Se problema não tem solução,
de nada adianta se abater.
A mente sábia permanece serena
diante da desgraça e da dor.
Na guerra contra o ódio e a raiva,
há reveses como em toda batalha.
Guerreiros autênticos são os que
desprezam sua desgraça e sua dor
e destroem seu ódio e sua raiva.
Os outros matam inimigos já mortos.
Se não sinto fúria contra enxaqueca
ou refluxo, férteis fontes de frustração,
por que me enfureceria contra seres
também frutos de suas circunstâncias?
Se tivéssemos o que desejamos
nenhum dos seres sencientes
jamais sentiria dor ou desgraça
pois ninguém as deseja para si.
Na busca por beleza e bens,
sem cuidado e sem consciência,
flagelamos nossos corpos e
torturamos nossas mentes.
Algumas pessoas se enforcam,
outras pessoas se envenenam,
umas se mutilam, outras se endividam,
muitos modos de destruir a si mesmas.
Em sua dor, às vezes até assassinam
o Eu amado ao qual tanto se apegam.
Como então não causariam dor
às outras pessoas a sua volta?
Se não consigo sentir compaixão
por aqueles que se autodestroem
por suas próprias faltas e falhas,
devo pelo menos não sentir raiva.
É da natureza das pessoas imaturas
causar dor e desgraça umas às outras.
De nada adianta nos enfurecer com elas:
é como odiar o fogo por ser quente.
Assim como o cassetete que me bate
está sob controle da pessoa que o ergue,
ela está sob controle do ódio que lhe toma.
Melhor odiar o ódio do que odiar a ela.
Elogios e louvores me atrapalham e me distraem:
aumentam minha segurança e minha complacência.
Ao me sentir menos insatisfeito e menos deslocado,
diminui minha urgência em percorrer o caminho.
Quem me difama e maldiz,
impedindo que receba elogios,
são aliadas que me protegem
de afundar na complacência.
Eu, que almejo paz e liberdade,
não me apego à riqueza e renome.
Como então odiar quem trabalha
para me salvar desses grilhões?
Barram meu caminho rumo à vaidade,
impedem minha queda na complacência.
Como poderia odiar os guardiões
que me salvam de mim mesmo?
Mesmo se me impedem de fazer o bem,
ainda assim me protegem no caminho,
pois me levam à aprimorar a paciência
e ela é a maior de todas as virtudes.
Sem precisar buscá-los nem chamá-los,
eles me guiam na prática do caminho:
são como um tesouro sob meu assoalho,
encontrado sem esforço e sem fadiga.
Mesmo se querem me destruir,
ainda assim lhes devo gratidão,
pois se quisessem me ajudar,
essa paciência eu jamais teria.
Graças a quem me maldiz,
cultivei minha paciência.
Sou grato a eles, pois são
a causa de minha paciência.
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Uma tradução completa em português.
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Minhas edições de Shantideva
Bodhicaryavatara, de Shantideva, c. séc. VIII, sânscrito.
Guide to the Bodhisattva’s way of life. [Trad: Stephen Batchelor, 1979, da tradução tibetana.]
The Bodhicaryavatara. [Kate Crosby & Andrew Skilton, 1995.]
The way of the Bodhisattva. [Padmakara Translation Group, 1997, da trad. tibetana.]
6 respostas em “Shantideva”
[…] línguas: szabo (húngaro), kundera (tcheco), santideva (sânscrito), szymborska (polonês), kang (coreano). […]
Gratidão.
Simplesmente espetacular
Shantideva nos deixou um tesouro para trilharmos o caminho da iluminação.
Parabéns pela tradução..????
Obrigado pelo texto, Alex!
Muito Obrigado por esse texto, Alex!
Obrigada por esse texto, Alex.