Categorias
textos

a raiva do betão

o betão somos todos nós.

era uma vez, digamos, o betão.

betão queria fazer X da sua vida. mas o pai, a mãe, a sociedade, a mídia, o professor, o zé do 502, etc, disseram que betão iria se fuder se fizesse X, não iria ganhar dinheiro, não iria ter vida sexual, etc. aí, moço de bom-senso que sempre foi, betão sacrificou sua vida, recalcou suas vontades, fez tudo exatamente como mandaram e viveu a vida que projetaram pra ele e não a vida que queria viver.

um dia, apareceu o claudio gustavo.

claudio gustavo vivia exatamente a vida que o betão sempre quis viver e, pasmem, claudio gustavo não se fodeu, se sustentava, tinha uma vida sexual e amorosa, etc — nenhum daqueles medos que colocaram na cabeça do betão se realizou.

betão poderia tomar o simples fato da existência do claudio gustavo como um exemplo positivo para mudar sua vida, recuperar o tempo perdido, tentar fazer o que sempre quis.

mas mudar a vida dá um trabalho danado. além disso, betão agora já estava muito investido vivendo a vida que tinham mandado ele viver.

na verdade, aconteceu o contrário: betão tomou o simples fato da existência do claudio gustavo como exemplo negativo.

sem nem entender direito o motivo e de forma totalmente inconsciente, betão desenvolveu verdadeira ojeriza ao claudio gustavo.

agora, quando betão se senta entre outros homens que também viveram as vidas que lhes mandaram viver, exaustos de tanto trabalhar, cheios de dívidas e bebendo muito, a ojeriza geral ao claudio gustavo é tão auto-evidente que não precisa nem mesmo ser articulada ou justificada.

enquanto isso, o claudio gustavo continua lá, vivendo a vida que escolheu, sem nem se dar conta de estar agredindo tanta gente.